Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM O LINGUISTA E PENSADOR NOAM CHOMSKY, POR SUAS DECLARAÇÕES ACERCA DA PESSIMA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO, DA ENORMIDADE DA DIVIDA PUBLICA, DA TAXA CAMBIAL BRASILEIRA, DENTRE OUTRAS. CRITICAS AO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, TENDO EM VISTA OS DESACERTOS DE SUA POLITICA ECONOMICA. PROJETO LIMITANDO O PERCENTUAL DAS DESPESAS ORÇAMENTARIAS DO GOVERNO PARA PAGAR OS BANQUEIROS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONGRATULANDO-SE COM O LINGUISTA E PENSADOR NOAM CHOMSKY, POR SUAS DECLARAÇÕES ACERCA DA PESSIMA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO, DA ENORMIDADE DA DIVIDA PUBLICA, DA TAXA CAMBIAL BRASILEIRA, DENTRE OUTRAS. CRITICAS AO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, TENDO EM VISTA OS DESACERTOS DE SUA POLITICA ECONOMICA. PROJETO LIMITANDO O PERCENTUAL DAS DESPESAS ORÇAMENTARIAS DO GOVERNO PARA PAGAR OS BANQUEIROS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1996 - Página 19713
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, NATUREZA ECONOMICA, ATUALIDADE, BRASIL, FALTA, CONTROLE, GOVERNO, DIVIDA PUBLICA, AUMENTO, DEFICIT, NATUREZA COMERCIAL, EFEITO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, EMPOBRECIMENTO, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, VISITA, NOAM CHOMSKY, CIENTISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, NATUREZA ECONOMICA, BRASIL.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, LIMITAÇÃO, PERCENTAGEM, DESPESA ORÇAMENTARIA, GOVERNO, PAGAMENTO, BANQUEIRO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esteve entre nós, durante cerca de 10 dias, aquele que é considerado hoje o maior lingüista do mundo e o mais importante pensador dos Estados Unidos, Noam Chomsky.

E quantos de nós gostaríamos que mais atenção fosse prestada aos seus ensinamentos, porque realmente as posições de Noam Chomsky para aqui trazidas não são posições daqueles que têm colocado a sua inteligência e a sua cultura a serviço das remunerações gordas que o capital lhes traz.

Ao contrário do Presidente George Bush, por exemplo, que também aqui esteve logo em seguida, Noam Chomsky não reuniu centenas de empresários ou faturou milhares e milhares de dólares para as suas conferências. A verdade é muitas vezes gratuita, enquanto as distorções, as ideologias, as mentiras, as formas de firmar cada vez mais, na sociedade brasileira, os torniquetes e as formas de expressão, são realmente regiamente remuneradas.

Aqui na UnB, um ouvinte, entrevistado após uma das duas conferências pronunciadas por Noam Chomsky, afirmou que tudo o que o eminente norte-americano havia dito era sobejamente conhecido de todos. Sim, ele disse aquilo que para muitos é o óbvio. Afirmou que o Brasil não conseguirá entrar no clube dos 20 mais ricos, em matéria de renda per capita e que, entre outras formas de dominação, a dívida externa brasileira e sua cobrança estavam manietando e impedindo qualquer forma de crescimento e de desenvolvimento voltado para o social. Ele sabia e disse que esse crescimento perverso imposto ao Brasil traz o entorpecimento de grande parte da população; um crescimento que o Japão não quis, para o qual ele teve a hombridade e a coragem de dizer não. O Japão não permitiu que as indústrias que vieram para o Brasil, Argentina, México, África do Sul e Coréia do Sul, nos anos 50, se transplantassem também para lá.

Aqui, ao contrário do que aconteceu com o Japão, foram implantadas indústrias voltadas para o luxo, sendo a mais emblemática dessas a indústria automobilística. E só poderiam vingar no Brasil e aqui se desenvolver. Conseguiram, por exemplo, no final dos anos 50, que fosse implantada uma indústria Volkswagen, cópia da maior indústria do mundo, localizada em Frankfurt, na Alemanha, sem um sistema de crédito ao consumidor, com uma renda per capita baixíssima. Disso resultou uma estrutura produtiva voltada para o luxo, numa economia que hospedava tecnologia transplantada como um corpo estranho. É claro que só poderia resultar no que hoje vemos: o Brasil teve de concentrar a sua renda, foi obrigado a empobrecer os pobres, que não teriam jamais acesso a essas indústrias de duráveis e artigos de luxo.

Por isso, Sr. Presidente, encontramo-nos hoje numa situação de recordistas em matéria de concentração de renda no mundo. Em 1993, 40% da população brasileira recebia apenas 7% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos recebiam 51,3% da renda nacional. Quarenta por cento ficam com a migalha de 7% e 10% de privilegiados recebem 51,3% da renda nacional.

Enquanto no Japão os 20% mais pobres da população recebem apenas quatro vezes menos do que os 20% mais ricos, no Brasil, os 20% mais ricos recebem trinta e oito vezes mais do que os 20% mais pobres. Esse é o resultado de uma estrutura desumana, que massacrou o Brasil na medida em que se desenvolveu. E, neste momento, essa estrutura acaba de receber novos estímulos e incentivos. Essa estrutura voltada para o luxo e para os duráveis, que não foi atraída por nenhuma vontade, estratégia ou plano nacional, recuperou-se após a Segunda Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, em 1957, foram produzidos sete milhões de carros. Daí se segue uma retração, uma crise, em que 50% da capacidade produtiva entra em colapso. Portanto, eles sabiam que era necessário, para salvar a rentabilidade e a eficiência do capitalismo cêntrico norte-americano, que principalmente se transplantasse parte da capacidade produtiva excedente para o resto do mundo, para os países pobres.

Aqui, nós, economias hospedeiras, tivemos de criar, a toque de caixa, um sacrifício social tremendo - infra-estrutura, estradas e hidrelétricas -, para que esse capital estrangeiro fosse montado e obtivesse o lucro que já não obtinha mais nas matrizes.

O Japão se negou, se recusou a proceder dessa maneira, e é por isso mesmo que lá o endividamento externo jamais atingiu a capacidade de poupança e de investimento. É também por isso que no Japão o processo de crescimento se fez através do respeito aos trabalhadores, totalmente ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde, à medida em que o capital se acumulava e se concentrava, tornando-se mais eficiente, o salário mínimo e os salários da proximidade do mínimo eram solapados violentamente. O ano em que o salário mínimo no Brasil foi mais elevado é justamente o ano de 1959, ou seja, às vésperas de começar a funcionar aqui as indústrias que vieram se hospedar em nosso País.

Esse processo de crescimento tortuoso, anti-social e desumano, é do conhecimento de todos. Noam Chomsky, então, falou o óbvio. O que Noam Chomsky disse a respeito, por exemplo, do endividamento externo brasileiro e de suas conseqüências sobre as condições de vida e de sobrevida do brasileiro, já tinham sido previstas há muitas décadas. Lord Lever, ex-Secretário das Finanças da Inglaterra, no início dos anos 70, foi aos Estados Unidos reunir-se com os três maiores banqueiros credores do mundo. Disse a eles que se continuassem a emprestar para os países pobres, não haveria possibilidade de receber em pagamento aqueles empréstimos.

O livro denominado The dolar tramp, a armadilha da dívida, alerta para que os eurodólares e, mais tarde, os petrodólares, que não tinham emprego não podiam se transformar em investimento, e os que não tinham rentabilidade, na Europa e nos Estados Unidos, eram enfiados pela goela dos países periféricos, e nós aumentando a nossa dívida externa.

Podemos importar tudo aquilo que sobrava lá no capitalismo em crise, a crise do final dos anos 60 e do início dos anos 70. O que sobra lá se transforma em mercadoria "vendável", porque os empréstimos feitos a nós permitem que alavanquemos as nossas importações.

Agora se repete o mesmo fato. Estamos abarrotados de dinheiro novamente: 45 bilhões ou mais de reservas. Em 1973, eram 4 bilhões, os quais justificaram as grandes obras megalômanas do Governo Geisel.

Hoje, estamos pagando juros para manter essas reservas fantasticamente elevadas. Elas vieram para cá, neste momento, não porque empresários e capitalistas brasileiros se endividavam lá fora, como aconteceu no início dos anos 70; grande parte desses recursos em dólar afluiu para o Brasil para especular, aproveitar a elevada taxa de juros interna e criar, portanto, um inchaço de reservas, que não podem ser utilizadas como capital produtivo ou investimentos na produção, porque, de uma hora para outra, podem abandonar o Brasil. O seu único compromisso aqui é a alta rentabilidade que fornece a dívida pública brasileira ou os empréstimos brasileiros, que cobram as taxas mais elevadas do mundo.

Portanto, vemos o Governo brasileiro se torna cada vez mais governado por essas relações internacionais, pela modernização com que o professor francês de sociologia, de Fernando Henrique Cardoso, acaba de afirmar aquilo que, também, é o óbvio: mudaram o nome das palavras, mas que as relações continuam as mesmas. Diz o eminente sociólogo francês: "Antes chamava-se relações imperialistas, agora, se denomina globalização."

As palavras são diferentes, mas o processo é o mesmo. É o imperialismo que, realmente, como havia previsto e dito Fernando Henrique Cardoso, ocupa o espaço das economias periféricas; alia-se ao capitalismo e aos capitalistas nacionais, penetra na consciência dos brasileiros e cria, mediante esta aliança, o antiestado nacional de Fernando Henrique Cardoso, o antiestado nacional dentro do Brasil. É isso que se constata: que os brasileiros não conseguem, não sabem, não querem ou não podem defender os seus próprios interesses. Por isso, se submetem e se encurvam aos interesses do centro do capitalismo mundial.

Em relação ao absurdo que se transformou a dívida externa brasileira, quantos estadistas, de Mitterrand ao Papa, quantos professores, de Arthur Scheissinger a Kissinger, já avisaram, segundo expressão de um deles, que esse endividamento externo iria abolir, empobrecer a classe média no continente sul-americano, criando uma situação explosiva prestes a estourar diante da segurança nacional dos Estados Unidos.

Eles reconhecem que não adianta espichar a dívida externa por 30 anos. Durante esse período, seremos escravos dela, e se alterarmos o seu perfil, podemos pagar menos a cada mês, a cada ano, e, assim, eles nos podem emprestar mais, aumentar a nossa dívida externa, que agora encontra uma nova veia para se fortalecer.

É que o mercado interno brasileiro já mostra, há bastante tempo, sinais de que não pode mais absorver os títulos dos precatórios, não pode mais absorver os títulos da dívida pública, as OTNs, ORTNs etc.

A solução é transformar a nossa dívida pública em dívida externa e ir novamente, como no século passado, a Inglaterra, para colocarmos lá nove papéis diferentes de que o Brasil lançou mão. Isso é sintoma de que, mesmo a altas taxas de juros, o mercado interno brasileiro se acha abarrotado, incapaz de absorver papéis adicionais.

Neste momento em que o mercado brasileiro se encontra saturado, vemos que a dívida pública cresce 10% ao mês. Portanto, o Governo brasileiro encontra-se manietado: tem que aumentar a dívida pública, mas não pode fazê-lo diante da situação do mercado interno, e ,assim, transfere, exporta a nossa dívida pública e, aí, obviamente perde o pouco controle que o Estado tinha sobre ela.

O que acontecerá com a taxa de juros desses papéis? De novo, talvez, vejamos se repetir aquela elevação de 3% ao ano para 21,5% ao ano, que ocorreu no início dos anos 80 com a nossa dívida externa.

O Governo engessado, paralisado por este Plano, não pode mexer na taxa de juros. Se o fizer, por um lado, corre o risco de ver voltar o hot money, o dinheiro esperto, o dinheiro especulativo, que veio para cá atraído por uma taxa de juros elevada. Por outro lado, caso se reduza a taxa de juros ao consumo, este Governo, que quer enxugar tudo, tem receio de que haja a chamada "bolha de consumo" e que esse aumento da demanda faça com que a inflação se eleve.

A taxa de câmbio é intocável e governa também o Governo. A Argentina foi um pouco além na estupidez com que tratou a sua taxa de câmbio. Lá, o Sr. Domingo Cavallo, inspirador de nossos ilustres tecnocratas brasileiros, com medo da taxa de câmbio disparar, atrapalhando completamente o plano com que o FMI enredou a Argentina, fez o quê? Criou uma relação legal, uma taxa de câmbio determinada por lei, aprovada no Congresso. Então, no momento em que o governo quiser, precisar, necessitar mover a taxa de câmbio na Argentina, todos os argentinos saberão que há um projeto nesse sentido e, obviamente, irão especular na alta já anunciada pelo governo.

Se o Real está ancorado no dólar, se a nossa economia se dolarizou, se abrimos mão da moeda nacional como abrimos mão também da Constituição brasileira, o que acontece? Numa economia dolarizada se houver 30% de desvalorização num dia, no dia seguinte, todas as mercadorias irão se inflacionar, elevar os seus preços em 30%, porque todas elas estão dolarizadas.

Portanto, o Governo não pode, não tem capacidade, não tem força para mexer substancialmente na taxa de câmbio. Por isso, os exportadores estão recebendo agora uma série de estímulos, de incentivos para compensar a imutabilidade, o engessamento da taxa de câmbio no Brasil. Os exportadores precisam receber mais reais por dólares exportados, mas se isso for feito por meio de uma desvalorização, obviamente, irá por terra todo o combate à inflação numa economia em que todos os preços estão dolarizados.

Nós nos enfiamos numa camisa de sete varas. É impossível ao Governo brasileiro atuar sobre qualquer variável estratégica da economia nacional.

O volume de emprego na economia é determinado desde sempre - principalmente desde os anos 30 - pela ação do Estado, que contrata trabalhadores, abre frentes de trabalho, reabsorve a mão-de-obra que a tecnologia lança no desemprego.

Mas, agora, se o Governo continuar a fazer isso, como ainda é feito nos Estados Unidos, obviamente aumentaria o intocável déficit orçamentário. Como o Governo não pode mexer no déficit orçamentário tem que demitir, tem que enxugar. São os funcionários públicos, os serviços públicos de saúde, educação e transporte que pagam o preço da "descoragem" do Governo de atingir a principal fonte, a principal causa do desequilíbrio orçamentário, que é o serviço da dívida pública, o pagamento feito aos banqueiros, que, em 1989, correspondeu a 75% da receita do Governo.

Tenho um projeto para os banqueiros que seria mais ou menos como a Lei Camata, lei esta que quer limitar em 60% os gastos com os funcionários públicos. Por que não se fazer uma lei que limite o percentual das despesas orçamentárias do Governo para pagar os banqueiros? Para os banqueiros, não há limite; para os funcionários públicos brasileiros existe o duro limite da lei.

Temos uma proposta em estudo no sentido de criar um espécie de Lei Camata para os banqueiros, para fechar um pouco a torneira que faz jorrar as energias brasileiras para os bolsos dos especuladores, para os bolsos dos banqueiros brasileiros.

O Governo não sabe se é melhor para o Brasil ter um déficit ou um superávit na balança comercial. O Governo está completamente dividido: são 50% para um lado e 50% para o outro.

Ora, é óbvio que isso é expressão do caos, como já confessou, em entrevista à Esquerda 21, tanto o Ministro Bresser Pereira, quanto Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O que será melhor, o que será menos ruim: um superávit ou um déficit na balança comercial?

As relações internacionais de exploração fizeram com que, há quatro séculos, pelo menos, as antigas colônias exportassem mais do que importavam. Os mercantilistas, durante 400 anos, afirmaram - principalmente aqueles ligados às companhias de navegação, presidentes de companhias de navegação, como Thomas Mun, Misselden, Melaine, em seus livros, que o que importa é exportar. Esse é o princípio básico do Mercantilismo e perdurou durante quatro séculos.

É lógico que se eu for comerciante de exportação, se eu for exportador, quanto mais eu exportar será melhor. Mas, o que é útil sob o ponto de vista do exportador pode ser uma perversidade, uma inverdade, sob o ponto de vista do todo.

Se um país imita os exportadores e resolve exportar tudo - exportar é o que importa -, exportar 90% de sua produção, é óbvio que os comerciantes de exportação vão se enriquecer, mas o país está fadado à mais completa penúria, à mais completa miséria.

Portanto, o que é útil, do ponto de vista de uma classe, a ideologia desta classe se transforma numa utilidade geral. Hoje, levantam-se argumentos no sentido de se conseguir novamente aquilo que durante 400 anos o Brasil teve, com raras exceções, na década de 70 deste século e na década de 70 do século passado, constituem hiatos de exceção que o Brasil teve no saldo comercial, ou seja, um déficit comercial. No resto de sua história, exportou mais do que importou, vendeu mais do que comprou. E se alguém vende mais do que compra, deve ser credor, deve ter dinheiro para receber. E o Brasil, que sempre exportou mais do que importou, em vez de ter crédito para receber, dinheiro para receber, sempre foi devedor do resto do mundo.

Então, transferimos, por intermédio das exportações, riquezas para o centro do capitalismo mundial. E os Estados Unidos, por exemplo, para não falar nos outros países que foram dominantes antes da hegemonia norte-americana, desde 1971, têm déficit comercial, importam e se apropriam de riquezas do resto do mundo em um maior volume do que aquelas mercadorias que exportam. Portanto, têm déficit comercial que chegou a US$170 bilhões em anos recentes. Assim, os Estados Unidos enriquecem.

E, no Brasil, quando ocorre um déficit comercial, como esse R$1,3 bilhão que acaba de ocorrer recentemente, o Governo não sabe se é bom ou se é mau, não sabe se deve continuar ou deve inverter essa relação.

Pois bem, na página 268, do livro de Maurice Dobb, um dos mais importantes economistas da história da Inglaterra deste século, ele mostra como a Alemanha, quando perdeu a Primeira Guerra Mundial, foi submetida a uma forma de criação e aumento do superávit de exportações. Ou seja, a Alemanha tinha de exportar muito e importar pouco para entregar o saldo comercial aos países que venceram a Primeira Guerra Mundial. Assim, exportando muito, reduziu a oferta interna; importando pouco, pôde aumentar essa diferença, esse saldo de exportações sobre importações e entregar o dinheiro às potências que venceram a Primeira Guerra Mundial.

Hitler inverteu essa situação. Valorizou o marco e passou a importar mais e a se apropriar das riquezas dos países dominados e das matérias-primas dos países que conquistou a partir de 1939, como o petróleo da Romênia. Valorizando sua moeda, Hitler conseguiu impedir que a Alemanha fosse esviscerada por um volume de exportações que estava na base, entre outros problemas, da inflação dos anos 20 na Alemanha.

A redução da oferta interna, obviamente, produz um impulso inflacionário, uma pressão inflacionária que, no caso da Alemanha, agravada com as outras condições, resultou na grande inflação de 1922 e 1923.

Vitorioso, com o marco supervalorizado, Hitler inverteu a posição e passou a abastecer o povo alemão com mercadorias compradas a preços aviltados dos países que ele conquistara. Assim, ele pôde empurrar o seu processo autoritário de dominação que crescia juntamente com a dívida pública da Alemanha.

Roosevelt disse o seguinte: "O que estou fazendo aqui nos Estados Unidos é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha". O democrático presidente dos Estados Unidos estava fazendo a mesma coisa que o ditatorial Hitler na Alemanha, mas todos os dois estavam administrando uma coisa só: o capitalismo. E assim, no final do processo de soerguimento promovido por Roosevelt em suas três reeleições consecutivas, o que aconteceu? A dívida pública dos Estados Unidos chegou a 120% da renda nacional daquele País. A dívida pública cresceu devido ao desequilíbrio orçamentário provocado pelos gastos de guerra que Roosevelt desencadeou a partir de 1935, mas principalmente no ano de 1939.

Portanto, é essa monstruosa dívida pública, que sustenta os governos autocráticos, que faz com que os governos possam realizar os milagres econômicos; na Alemanha, o milagre econômico de Hitler recebeu o nome de milagre econômico do Dr. Schaft, o mago das finanças de Hitler.

No final do processo, o que vemos, portanto, é que, se a economia for entregue a esses economistas que estão aí, o País certamente equilibrará o orçamento, mas perderá as guerras; perderá a guerra contra a fome e contra o analfabetismo, perderá a guerra em favor da saúde, perderá a guerra em todas as frentes e em todas as batalhas.

Felizmente, essa perversa dívida pública, que tanto sacrifício custa aos povos que se valem dela, agora poderá exercer um papel muito positivo na reestruturação política do mundo. Diante de um bilhão de desempregados em escala mundial, diante de 25% de crianças subnutridas nos Estados Unidos, diante de 800 milhões de seres humanos que passam fome - de acordo com dados da última Conferência sobre a Fome -, diante de tudo isso, o que vemos é que se preparam as condições que colocaram Hitler no poder nos anos 30.

Hitler chegou a ganhar democraticamente as eleições em 1933 e obteve maioria de votos em áreas em que o Partido Socialista, diferente desse socialismo esvaziado de hoje, era dominante. Hitler ganhou as eleições nessas áreas, porque o desemprego na Alemanha, a desesperança dos alemães, o cansaço de serem explorados pelas relações internacionais, pelo menos desde a Primeira Guerra mundial, foram fatores que levaram Hitler a obter sucesso eleitoral e político.

A maior parte ou a quase totalidade da esquerda não admitia, não supunha que o fascismo seria transplantado e se enraizaria na Alemanha; porém, foi o que aconteceu. Ele se instalou e foi alimentado principalmente pela dívida pública crescente contra a qual se deu o calote no dia 21 de junho 1948.

Pois bem. Minha esperança hoje é a de que o endividamento público de 5 bilhões de dólares nos Estados Unidos, o endividamento público generalizado, que em alguns países atinge a grandeza do PIB, como na Itália, poderá agora exercer uma função positiva.

O neonazismo, se voltar a imperar, como aconteceu nos anos trinta, alimentado pelo desemprego e pela desesperança, não poderá durar muito tempo porque ele só se alimenta da dívida pública crescente, e a dívida pública mundial atingiu o seu limite, não dando mais espaço, oxigênio e ânimo para a estruturação do poder nazista, do poder fascista, do poder dos fazedores de estádios, dos fazedores de estradas, dos fazedores de guerra, dos fazedores de propaganda, que criam a hipertrofia do Executivo e amparam o processo autoritário de Governo.

Portanto, há ainda alguma esperança, embora muitos de nós, inclusive Noam Chomsky, já estejam completamente descrentes de que os países dominados, os países periféricos, os países que se transformaram em hospedeiros e sócios menores do capital transplantado, os países em que a Nação se transforma em uma antinação e o Estado, como dizia Fernando Henrique Cardoso nos seus tempos de lucidez, se transforma em antiestado nacional, consigam soerguer-se. É este Estado Nacional que Sua Excelência hoje preside, e o preside criando as condições para a dominação da globalização, ou seja, do imperialismo.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Senador Lauro Campos, lamento informar que o tempo de V. Exª está se esgotando.

V. Exª dispõe de dois minutos para terminar o seu brilhante pronunciamento, que é uma verdadeira aula.

O SR. LAURO CAMPOS - Dentro de dois minutos, terei terminado o meu longo pronunciamento, Sr. Presidente.

Quase não tenho tempo para falar, porque sou um Senador de terceira categoria; não tenho o tempo dos Líderes nem o das comunicações inadiáveis. Portanto, quando me vejo privilegiado com tempo nesta tribuna, realmente o esgoto juntamente meus ouvintes.

Tendo em vista o término do meu tempo, gostaria de render minhas homenagens a Alain Touraine e a Noam Chomsky, que são professores completamente isentos para manifestarem suas posições. Regozijo-me porque a minha consciência se aproxima demais da consciência desses mestres estrangeiros.

Estamos falando o óbvio, porque o sofrimento imposto à consciência e à vida dos trabalhadores e das populações brasileira e latino-americana é de espantar. De acordo com Hegel, foi do espanto que nasceu a consciência e a filosofia na Grécia.

Espero que esse espantável sofrimento a que nos submetemos possa abrir nossas mentes e clarear nossas consciências, como aconteceu em certo momento da história grega, segundo Hegel.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1996 - Página 19713