Discurso no Senado Federal

CRITICAS AS AÇÕES DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, CUJO OBJETIVO E EXTIRPAR O DISTRITO DE SERRA PELADA. REPUDIO A PRISÃO PREVENTIVA DE 11 LIDERES DE SERRA PELADA, DECRETADA PELO JUIZ LAERCIO LAREDO, DO MUNICIPIO DE CURIONOPOLIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • CRITICAS AS AÇÕES DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, CUJO OBJETIVO E EXTIRPAR O DISTRITO DE SERRA PELADA. REPUDIO A PRISÃO PREVENTIVA DE 11 LIDERES DE SERRA PELADA, DECRETADA PELO JUIZ LAERCIO LAREDO, DO MUNICIPIO DE CURIONOPOLIS.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1996 - Página 19773
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, APOIO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), UTILIZAÇÃO, EXERCITO, DESTRUIÇÃO, PROPRIEDADE, EXPULSÃO, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, POLICIA FEDERAL, EXPULSÃO, GARIMPEIRO, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, PRETENSÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), EXTINÇÃO, GARIMPAGEM, DISTRITO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA), AMEAÇA, IMPEDIMENTO, EMPREGO, POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • CRITICA, DECRETAÇÃO, PRISÃO PREVENTIVA, AUTORIA, LAERCIO LAREDO, JUIZ DE DIREITO, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA), LIDERANÇA, GARIMPEIRO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo tempos tão modernos que os meios de comunicação do País são capazes, quando assim o desejam, de transformar anjos em diabos ou diabos em anjos.

Venho à tribuna tratar de uma questão já bastante discutida nesta Casa e cujo conteúdo, por mais que nos esforcemos, não se torna claro para a maioria das pessoas, inclusive para os próprios Senadores. O que a mídia aborda sobre a questão transforma a realidade do fato e faz com que a maioria das pessoas não dêem importância a um acontecimento extremamente grave, que mostra um processo de condução política que age de maneira arbitrária e absolutamente injusta, que a Nação não consegue perceber.

Sou obrigado a voltar ao assunto que trata da questão que envolve Serra Pelada e a Companhia Vale do Rio Doce.

Serra Pelada é hoje um distrito constituído, é uma cidade, tem uma história, faz parte da história do Pará, não é um simples garimpo, uma coisa que passou ou que poderá passar. Ela faz parte da nossa história. O sul do Pará cresceu muito, desenvolveu-se e ampliou-se em função de Serra Pelada. Municípios também lá se estabeleceram, como é o caso de Curionópolis e Eldorado dos Carajás.

E durante todo o tempo em que o garimpo lá funcionou, chegando a ter, no pico da sua produção, 80 mil trabalhadores, envolvendo interesses de mais de 1,5 milhão de pessoas, a política mineral brasileira, a política do Governo, a política do Departamento Nacional de Produção Mineral e da Companhia Vale do Rio Doce sempre foi a de exterminar o garimpo no Brasil. Um segmento extremamente importante, que sempre produziu mais que a empresa mineradora e que, no entanto, nunca mereceu o apoio do Governo.

Não vou nem discutir a questão do direito sobre a área mineral. A minha convicção é de que o direito minerário de Serra Pelada pertence aos garimpeiros que ali formaram aquela cooperativa. O que quero discutir é a ação da Companhia Vale do Rio Doce para extirpar do mapa do Estado do Pará o Distrito de Serra Pelada.

Eu me referi à imprensa e tenho aqui a Folha de S.Paulo de ontem, em que, logo no início do seu artigo, diz:

      "A Companhia Vale do Rio Doce, que tem privatização marcada para fevereiro de 1997, vai investir 250 milhões no período 1997/99 para colocar em produção a mina de ouro de Serra Leste, no Pará, a dois quilômetros da antiga mina de Serra Pelada".

Essa história que o Presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou à Nação é uma grande mentira, que já passa como verdade; todo mundo já fala que Serra Leste está a dois quilômetros de Serra Pelada, quando se esquece que só existe uma mina, que é um lençol aurífero contínuo que pertence ao garimpo de Serra Pelada. E mais, Sr. Presidente, o local mais distante desse ouro está a 800 metros do centro da cava de Serra Pelada e não a dois quilômetros, como querem fazer crer.

Mas quero me referir à ação que a Vale do Rio Doce vem desenvolvendo para extirpar - repito - do mapa do Pará o distrito de Serra Pelada. Ora, quando a Comissão do Senado esteve lá - e a Vale dizia que queria fazer um Projeto de Matriz Social para colocar aquelas pessoas que lá residem e que sobrevivem do aproveitamento econômico do rejeito da cava - insistimos que o Projeto de Matriz Social deveria ser dentro de Serra Pelada, ou seja, este distrito não poderia ser extirpado do mapa como deseja a Vale do Rio Doce.

Pois bem, o gerente do Projeto Serra Leste, Luís Carlos Nepomuceno, admitiu que esse Projeto de Matriz Social poderia ser dentro de Serra Pelada. Àquela altura, os garimpeiros dominavam a área e paralisaram as sondas da Vale do Rio Doce - com muita razão, pois elas estavam trabalhando dentro da sua área de autorização de garimpagem de 100 hectares -, demonstrando certa força. Naquele momento, a Vale admitia fazer o Projeto de Matriz Social dentro de Serra Pelada.

Depois que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, usando de arbítrio, ferindo a própria Constituição e a legalidade deste País, passando por cima do Governo do Estado do Pará - apesar de ter tido a concordância informal dele -, mandou para lá as Forças Armadas brasileiras, a Polícia Federal, que humilharam, perseguiram e destruíram as propriedades coletivas da Cooperativa dos garimpeiros. A Vale, então, se sentiu protegida. Agora, ela não quer mais que o Projeto de Matriz Social seja feito em Serra Pelada. Ela quer que Serra Pelada seja definitivamente extinta do mapa do Estado do Pará. E, aí, começou a comprar as casas pelo valor de R$6.000,00 por propriedade e levava embora a pessoa e sua família de lá. Ora, começou a haver uma resistência das pessoas em vender suas casas, começaram a exigir um preço maior ou a sua permanência lá e terem direito a um percentual sobre o ouro que iria ser explorado, a título de royalty.

Pois bem, agora a Vale quer tirar as pessoas de qualquer jeito. E chega ao ponto de o Gerente do Projeto Serra Leste fazer a seguinte afirmação na imprensa:

      "Quem não deixar o local, preferencialmente para Curionópolis, a 50 quilômetros, não será empregado no novo projeto que prevê a criação de três mil empregos diretos." É uma ameaça!

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Senador Ademir Andrade, desculpe-me interrompê-lo para prorrogar a Hora do Expediente por 15 minutos para que V. Exª possa concluir o seu discurso.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Jefferson Péres.

Eles agora estão ameaçando as pessoas de não darem emprego a quem ficar lá. Mas anteontem, Senador Josaphat Marinho, aconteceu algo inusitado - nunca vi tamanha barbaridade na história deste meu Brasil: aproveitando-se que a Vale perdeu a eleição em Curionópolis - o prefeito dela perdeu a eleição em Curionópolis -, a Prefeitura, aproveitando que o mandato dele não terminou ainda, reuniu a Câmara extraordinariamente, de maneira ilegal, e conseguiu com que a Câmara de Vereadores de Curionópolis autorizasse uma lei, vendendo todos os prédios públicos de Serra Pelada à Companhia Vale do Rio Doce. Imaginem a que ponto chegamos neste Brasil! A Prefeitura Municipal de Curionópolis, autorizada pela Câmara Municipal, reunida de maneira irregular, em horário extraordinário, porque a Câmara já estava em recesso, aprovou uma lei, segundo as informações que recebi, autorizando a venda dos postos médicos, todas as escolas, da Delegacia, enfim, de todos os órgãos públicos do Distrito de Serra Pelada. O que a Vale do Rio Doce vai fazer com esses órgãos públicos? Vai destruí-los da mesma forma que está destruindo todas as casas que ela está, paulatinamente, conseguindo comprar.

Não compreendo tamanha barbaridade, não compreendo tamanha estupidez! Pior do que isso - ou para se somar a tudo isso -, o Juiz de Curionópolis, Sr. Laércio Laredo, para ajudar a Vale do Rio Doce, decretou a prisão preventiva de 11 lideranças de Serra Pelada. É evidente que quando o Exército e a Polícia Federal chegaram lá, com a prisão preventiva dessas lideranças, não houve confronto porque essas lideranças não estavam presentes para promoverem qualquer possível resistência. Aliás, algumas estavam aqui no Congresso Nacional no dia em que as Forças Armadas Brasileiras invadiram Serra Pelada.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, anteontem, foi preso, em Belém, o Presidente do Sindicato dos Garimpeiros do Estado do Pará, Sr. Fernando Marcolino. Está preso na Delegacia de Polícia Civil, na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará.

Tomei a liberdade de ligar para o Juiz, Dr. Laércio Laredo, que não estava em Curionópolis, estava em Belém, e coloquei para ele o meu ponto de vista sobre a questão de Serra Pelada; mostrei para ele a injustiça que estava cometendo contra um povo; mostrei a inconveniência de se colocar na cadeia lideranças políticas, sindicais, pessoas que lutaram na defesa de seus direitos para tê-los respeitado.

Essas pessoas hoje estão foragidas e duas delas estão na cadeia, inclusive Fernando Marcolino, uma pessoa que já esteve neste Congresso muitas e muitas vezes, já falou para este Senado Federal nas Comissões, além da Comissão de Minas e Energia, na Câmara dos Deputados. Esse cidadão honrado, sério, lutador pelo direito do povo está na cadeia e os que roubaram 7 bilhões de Reais do Banco Nacional estão tranqüilos, passeando sem nada lhes acontecer; os que roubaram o Banco Econômico estão todos flanando, gozando das riquezas que roubaram; os "Anões do Orçamento" - e agora parece que surgiu mais um anão - alguns tiveram o mandato cassado, mas nenhum deles devolveu dinheiro e nenhum foi para a cadeia. Agora, um líder sindical, um trabalhador, um operário, um garimpeiro está na cadeia.

Ponderei ao juiz o erro que ele estava cometendo, para a injustiça que estava proporcionando. Ele me disse que não discutia assuntos de Curionópolis em Belém e que eu teria que aguardar a sua chegada em Curionópolis, recorrer aos trâmites legais e pedir a revogação da prisão que ele havia decretado.

Fiquei de mandar para ele todos os pronunciamentos que fiz, nesta Casa, sobre Serra Pelada, a fim de que se inteire sobre a realidade dos fatos, procure perceber a necessidade de se ter consciência e aplique a lei de acordo com a Justiça.

Chego a comparar, Senador Jefferson Péres, a atuação do Juiz Laércio Laredo à daquele Juiz de Juazeiro que, em 1896, pediu a intervenção das Forças Armadas brasileiras em Canudos. A conseqüência de seu pedido foi o massacre e a morte de mais de 30 mil cidadãos brasileiros.

Não digo que a manifestação do Juiz de Curionópolis vá levar a igual conseqüência em termos de morte, mas não tenho a menor dúvida em afirmar que sua decisão, em termos de justiça, é infinitamente mais injusta do que a decisão tomada pelo Juiz de Juazeiro, no Estado da Bahia.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me um aparte, nobre Senador Ademir Andrade?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço o Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Ademir Andrade, estivemos em Serra Pelada onde detectamos a mentira a que ora V. Exª faz referência, ou seja, que aquela mina é Serra Leste, que está a dois mil metros do garimpo de Serra Pelada. O Governo Federal que tem aparato e informações para identificar esse erro, não o faz. Por intermédio da Comissão solicitamos ao Governo que encaminhasse o Exército àquela localidade, a fim de demarcar a área para dirimir dúvidas e resolver o problema dos garimpeiros. O pedido não foi atendido. O Exército foi lá para expulsar os garimpeiros. Os Senadores integrantes da Comissão, como também os demais Senadores desta Casa, têm levantado o problema, mas acho que existe falta de consideração por parte do Governo para com esta Casa, porque mandam o Exército expulsar os garimpeiros, prendem-se líderes, as Câmaras de Vereadores estão aprovando leis que não são legais - contra isso deve-se fazer uma representação na Justiça, se é que há Justiça naquela localidade. Por fim, nobre Senador, quero dizer que estamos concluindo o relatório daquela Comissão, devendo apresentá-lo aqui, na terça-feira. E, de antemão, pedimos apoio a esta Casa, aos Senadores, para a aprovação de um decreto legislativo que anule os documentos que dão a lavra à Vale. Até porque o Governo Federal, quando indenizou a Vale, "puxou" para a União 100 hectares de terra. Passando essa terra para a União, teria que haver os trâmites legais para assentar um outro tipo de exploradores no garimpo. E ali já se encontravam garimpeiros, legalmente. Com o decreto legislativo, praticamente vamos resolver essa questão, a menos que o Governo não queira respeitar as leis e esta Casa.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Espero que o relatório seja apresentado o mais rápido possível, e, tenho certeza, ele contará com o apoio do Senador Edison Lobão, Parlamentar que apóia o Governo, entre outros.

Vou concluir, Sr. Presidente.

Imaginem como essas pessoas poderão resistir em Serra Pelada se o Poder Público está sendo banido da área. Repito: nos 20 anos em que faço política desde que me elegi, pela primeira vez, Deputado Estadual, no Pará, nunca vi, nem nos governos militares, tamanho arbítrio, desrespeito à ordem e à Justiça. Nunca vi nada igual.

Imagine V. Exª, Senador Jefferson Péres, a Vale do Rio Doce, que foi quem expulsou aqueles posseiros que morreram em Eldorado dos Carajás, há dois anos e quatro meses, que persegue posseiros e trabalhadores, que persegue garimpeiros e usa do arbítrio e a violência no Estado do Pará, sendo uma empresa estatal, sendo uma empresa de economia mista administrada por autoridade indicada pelo Poder Executivo, o que ela não será capaz de fazer com o povo do meu Estado sendo uma empresa privada e, especialmente, sendo ela uma empresa multinacional?

Mas esse, infelizmente, é o caráter do Presidente Fernando Henrique Cardoso; esse é o comportamento ético do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um desrespeitador da lei, um desrespeitador do Congresso Nacional quando quer cumprir os seus compromissos internacionais de entregar o Brasil ao capital multinacional. Esse "Imperador da República" não deve receber de nenhum de nós o direito de tentar se reeleger Presidente deste País.

Muito obrigado. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1996 - Página 19773