Discurso no Senado Federal

INSTALAÇÃO, EM FEVEREIRO, DO GRUPO DE TRABALHO DE VALORIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA, IMPORTANTE INICIATIVA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. MITO DA DEMOCRACIA RACIAL EM NOSSO PAIS. ABRANGENCIA DA EXCLUSÃO SOCIAL E NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE POLITICAS PUBLICAS UNIVERSALISTAS.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • INSTALAÇÃO, EM FEVEREIRO, DO GRUPO DE TRABALHO DE VALORIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA, IMPORTANTE INICIATIVA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. MITO DA DEMOCRACIA RACIAL EM NOSSO PAIS. ABRANGENCIA DA EXCLUSÃO SOCIAL E NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE POLITICAS PUBLICAS UNIVERSALISTAS.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/1996 - Página 19949
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • INICIATIVA, GOVERNO, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, VALORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, RAÇA, NEGRO, OBJETIVO, PROMOÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, SAUDE, EMPREGO, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em fevereiro deste ano, o Presidente Fernando Henrique Cardoso instalou o Grupo de Trabalho de Valorização da População Negra, com a tarefa de fazer a radiografia dos problemas institucionais e legais que hoje contribuem para a discriminação da população negra. O objetivo do governo é contar com dados mais seguros para poder orientar políticas públicas e medidas especiais, que ajudem as populações negras, ainda fortemente discriminadas, a terem melhor acesso às oportunidades de educação, saúde, emprego e demais serviços públicos. 

Falando para os membros do Grupo, o Presidente ressaltou que é necessário desenvolver no país formas civilizadas de convivência, tolerância e respeito à diferença.

Pela primeira vez na nossa história, a mais alta autoridade do país reconhece publicamente a existência entre nós de discriminação racial e se dispõe a tomar medidas para combatê-la e para corrigir os seus efeitos perniciosos dentro da sociedade. Esta é uma marca do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso: tocar corajosamente as feridas da sociedade brasileira, levá-la a repensar com sinceridade os seus mitos e as suas convicções, a superar as distorções internas (econômicas, sociais, culturais) e buscar os melhores caminhos para o desenvolvimento da nação com justiça e segurança.

A nossa decantada democracia racial é um mito que não se sustém diante dos fatos e das estatísticas. O Censo de 1950 mostrou com clareza que, se o desenvolvimento do país vinha se fazendo de forma desigual, mais desigual era no que diz respeito à estratificação racial. 

Já naquela época, há 46 anos, a nossa intelectualidade, posta diante dos números do censo, percebeu o imenso fosso de desigualdades, que se alargava cada vez mais na medida em avançavam os processos de industrialização e urbanização, de um lado, e de êxodo rural e favelização das cidades, do outro. Pegas indefesas por essas forças de transformação da sociedade brasileira, nos últimos decênios, as populações negras e mestiças do Brasil foram excluídas dos benefícios do desenvolvimento.

Viu-se, então, que, após o regime getulista, a recém-conquistada democracia não passava de um movimento político das elites. Pouco significava em termos de democracia social para a maioria dos brasileiros, que se viam cada vez mais pobres. Significava muitos menos ainda democracia racial, que trouxesse alívio para as péssimas condições de vida das nossas populações negras e mestiças.

O mesmo fenômeno aconteceu com a redemocratização do país, em 1985: um movimento político das elites, que dele se beneficiaram ao promoverem um violento processo de concentração de renda. Foram duas décadas de expropriação da renda popular, promovida pela inflação alta conjugada com a indexação da economia. Foi este o mais violento mecanismo de concentração de renda e de exclusão social, que o país jamais conhecera antes, em toda a sua história. E, mais uma vez, as maiores vítimas foram as indefesas populações negras e mestiças.

Os números das estatísticas estão aí para provar que a nossa democracia racial não passa de um mito. Os índices de desigualdade entre negros e brancos mostram que aqueles estão sempre levando desvantagem. Uma pesquisa do IPEA, de 1995, mostra que 20,56% das crianças negras brasileiras, entre 11 e 14 anos, estão precocemente no mercado de trabalho. Isto representa o dobro das crianças brancas na mesma situação. E o IBGE mostra que a média salarial dos negros é pelo menos duas vezes menor que a dos brancos. Mas, é na escolaridade que os negros levam a maior desvantagem: enquanto 60% dos brancos são alfabetizados, apenas 37% dos negros sabem ler e escrever.

Eis, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, uma pequena amostra de números para destruir o mito da nossa democracia racial. O que existe, na verdade, é um cordial processo de exclusão econômica e social das populações negras do país.

Diante dessa realidade, o Grupo de Trabalho de Valorização da População Negra pretende propor a adoção de uma política específica de apoio e proteção dos negros, a exemplo da "afirmative action" norte-americana. A proposta traz sugestões, como a inclusão de um dispositivo na Lei de Licitações para permitir ao governo dar prioridade em suas compras às empresas que adotem o sistema de diversidade racial. Outra proposta é reservar 50% das vagas nas escolas para estudantes negros e pardos.

Como não poderia deixar de acontecer, essas propostas estão provocando polêmica até mesmo entre os membros do grupo de trabalho. Alguns acham que tais medida serão inócuas, na medida em que favoreceriam apenas uma pequena parcela dos negros e poderiam provocar reações racistas entre os brancos também excluídos.

Mas, em todo caso, só a existência do grupo de trabalho e as suas propostas em estudo já representam um grande avanço no tratamento que até agora vínhamos dando à questão do negro no país. Antes, a nossa postura mais comum era a de negação do racismo e a de sustentação do mito da democracia racial. Hoje já não aceitamos mais esse mito, discutimos abertamente o nosso racismo e procuramos soluções racionais para o problema.

Queremos, no entanto, Srs. Senadores, chamar a atenção para um ponto que consideramos de suma importância para o bom encaminhamento dessas questões.

Trata-se da constatação óbvia de que o problema da exclusão racial no Brasil, por maior e mais grave que seja, faz parte da exclusão social que atinge expressiva parcela da nossa população, quer seja branca, negra ou mestiça.

Diante desta constatação, nos parece que uma política de apoio à populações negras, na linha da "afirmative action" dos norte-americanos, só teria entre nós algum efeito prático, se fosse adotada dentro de um programa de políticas públicas de cunho universalista, nas áreas da educação, saúde, moradia, saneamento básico e outras.

A exclusão social no país é tão vasta e abrangente, e os problemas são de urgência tamanha, que, na prática, será muito difícil discernir que parcelas são mais excluídas do que outras. Por isso, a nosso ver, o caminho mais correto a tomar, num primeiro momento, é mesmo o das políticas públicas universalistas, acompanhadas de severas medidas de combate a qualquer manifestação de racismo ou de discriminação racial, de forma assegurar aos negros todos os direitos e garantias constitucionais.

Só a partir da implantação destas políticas públicas universalistas, é que poderia dar resultado qualquer política compensatória pelos 400 anos de escravidão, abandono e exclusão das nossas populações negras e mestiças.

Eis, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o nosso pensamento sobre a questão das minorias negras e mestiças pobres no país.

São questões que requerem firme decisão política, como a teve o Presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Grupo de Valorização da População Negra e ao regularizar a posse das terras dos quilombos.

Mas estas são questões que requerem muito discernimento e bom senso na sua condução, pois mexem com estratificações sociais seculares, o que pode criar maiores resistências dentro da sociedade envolvente. Mas, discernimento e bom senso não devem significar uma política do "deixa prá lá para ver como fica". Antes, pelo contrário, devem ser traduzidos em ações positivas do Governo Federal, do Congresso Nacional e do Judiciário, em favor das populações negras.

Esta é uma questão não apenas de justiça, de reparação aos negros por um passado de escravidão e de exclusão social. É, sobretudo, uma questão de grande urgência para o país em termos de desenvolvimento econômico com segurança e auto-sustentado. Pois, sem a inclusão da massa dos pobres, dos negros entre eles, estaremos condenados a conviver com uma guerra permanente entre a Bélgica e a Índia dentro das nossas fronteiras, com imenso dispêndio de recursos, tempo e energias.

Dessa forma, a questão dos negros no Brasil deixa de ser puramente racial para tornar-se um problema político, social e econômico, que requer solução urgente. O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em fevereiro deste ano, o Presidente Fernando Henrique Cardoso instalou o Grupo de Trabalho de Valorização da População Negra, com a tarefa de fazer a radiografia dos problemas institucionais e legais que hoje contribuem para a discriminação da população negra. O objetivo do governo é contar com dados mais seguros para poder orientar políticas públicas e medidas especiais, que ajudem as populações negras, ainda fortemente discriminadas, a terem melhor acesso às oportunidades de educação, saúde, emprego e demais serviços públicos. 

Falando para os membros do Grupo, o Presidente ressaltou que é necessário desenvolver no país formas civilizadas de convivência, tolerância e respeito à diferença.

Pela primeira vez na nossa história, a mais alta autoridade do país reconhece publicamente a existência entre nós de discriminação racial e se dispõe a tomar medidas para combatê-la e para corrigir os seus efeitos perniciosos dentro da sociedade. Esta é uma marca do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso: tocar corajosamente as feridas da sociedade brasileira, levá-la a repensar com sinceridade os seus mitos e as suas convicções, a superar as distorções internas (econômicas, sociais, culturais) e buscar os melhores caminhos para o desenvolvimento da nação com justiça e segurança.

A nossa decantada democracia racial é um mito que não se sustém diante dos fatos e das estatísticas. O Censo de 1950 mostrou com clareza que, se o desenvolvimento do país vinha se fazendo de forma desigual, mais desigual era no que diz respeito à estratificação racial. 

Já naquela época, há 46 anos, a nossa intelectualidade, posta diante dos números do censo, percebeu o imenso fosso de desigualdades, que se alargava cada vez mais na medida em avançavam os processos de industrialização e urbanização, de um lado, e de êxodo rural e favelização das cidades, do outro. Pegas indefesas por essas forças de transformação da sociedade brasileira, nos últimos decênios, as populações negras e mestiças do Brasil foram excluídas dos benefícios do desenvolvimento.

Viu-se, então, que, após o regime getulista, a recém-conquistada democracia não passava de um movimento político das elites. Pouco significava em termos de democracia social para a maioria dos brasileiros, que se viam cada vez mais pobres. Significava muitos menos ainda democracia racial, que trouxesse alívio para as péssimas condições de vida das nossas populações negras e mestiças.

O mesmo fenômeno aconteceu com a redemocratização do país, em 1985: um movimento político das elites, que dele se beneficiaram ao promoverem um violento processo de concentração de renda. Foram duas décadas de expropriação da renda popular, promovida pela inflação alta conjugada com a indexação da economia. Foi este o mais violento mecanismo de concentração de renda e de exclusão social, que o país jamais conhecera antes, em toda a sua história. E, mais uma vez, as maiores vítimas foram as indefesas populações negras e mestiças.

Os números das estatísticas estão aí para provar que a nossa democracia racial não passa de um mito. Os índices de desigualdade entre negros e brancos mostram que aqueles estão sempre levando desvantagem. Uma pesquisa do IPEA, de 1995, mostra que 20,56% das crianças negras brasileiras, entre 11 e 14 anos, estão precocemente no mercado de trabalho. Isto representa o dobro das crianças brancas na mesma situação. E o IBGE mostra que a média salarial dos negros é pelo menos duas vezes menor que a dos brancos. Mas, é na escolaridade que os negros levam a maior desvantagem: enquanto 60% dos brancos são alfabetizados, apenas 37% dos negros sabem ler e escrever.

Eis, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, uma pequena amostra de números para destruir o mito da nossa democracia racial. O que existe, na verdade, é um cordial processo de exclusão econômica e social das populações negras do país.

Diante dessa realidade, o Grupo de Trabalho de Valorização da População Negra pretende propor a adoção de uma política específica de apoio e proteção dos negros, a exemplo da "afirmative action" norte-americana. A proposta traz sugestões, como a inclusão de um dispositivo na Lei de Licitações para permitir ao governo dar prioridade em suas compras às empresas que adotem o sistema de diversidade racial. Outra proposta é reservar 50% das vagas nas escolas para estudantes negros e pardos.

Como não poderia deixar de acontecer, essas propostas estão provocando polêmica até mesmo entre os membros do grupo de trabalho. Alguns acham que tais medida serão inócuas, na medida em que favoreceriam apenas uma pequena parcela dos negros e poderiam provocar reações racistas entre os brancos também excluídos.

Mas, em todo caso, só a existência do grupo de trabalho e as suas propostas em estudo já representam um grande avanço no tratamento que até agora vínhamos dando à questão do negro no país. Antes, a nossa postura mais comum era a de negação do racismo e a de sustentação do mito da democracia racial. Hoje já não aceitamos mais esse mito, discutimos abertamente o nosso racismo e procuramos soluções racionais para o problema.

Queremos, no entanto, Srs. Senadores, chamar a atenção para um ponto que consideramos de suma importância para o bom encaminhamento dessas questões.

Trata-se da constatação óbvia de que o problema da exclusão racial no Brasil, por maior e mais grave que seja, faz parte da exclusão social que atinge expressiva parcela da nossa população, quer seja branca, negra ou mestiça.

Diante desta constatação, nos parece que uma política de apoio à populações negras, na linha da "afirmative action" dos norte-americanos, só teria entre nós algum efeito prático, se fosse adotada dentro de um programa de políticas públicas de cunho universalista, nas áreas da educação, saúde, moradia, saneamento básico e outras.

A exclusão social no país é tão vasta e abrangente, e os problemas são de urgência tamanha, que, na prática, será muito difícil discernir que parcelas são mais excluídas do que outras. Por isso, a nosso ver, o caminho mais correto a tomar, num primeiro momento, é mesmo o das políticas públicas universalistas, acompanhadas de severas medidas de combate a qualquer manifestação de racismo ou de discriminação racial, de forma assegurar aos negros todos os direitos e garantias constitucionais.

Só a partir da implantação destas políticas públicas universalistas, é que poderia dar resultado qualquer política compensatória pelos 400 anos de escravidão, abandono e exclusão das nossas populações negras e mestiças.

Eis, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o nosso pensamento sobre a questão das minorias negras e mestiças pobres no país.

São questões que requerem firme decisão política, como a teve o Presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Grupo de Valorização da População Negra e ao regularizar a posse das terras dos quilombos.

Mas estas são questões que requerem muito discernimento e bom senso na sua condução, pois mexem com estratificações sociais seculares, o que pode criar maiores resistências dentro da sociedade envolvente. Mas, discernimento e bom senso não devem significar uma política do "deixa prá lá para ver como fica". Antes, pelo contrário, devem ser traduzidos em ações positivas do Governo Federal, do Congresso Nacional e do Judiciário, em favor das populações negras.

Esta é uma questão não apenas de justiça, de reparação aos negros por um passado de escravidão e de exclusão social. É, sobretudo, uma questão de grande urgência para o país em termos de desenvolvimento econômico com segurança e auto-sustentado. Pois, sem a inclusão da massa dos pobres, dos negros entre eles, estaremos condenados a conviver com uma guerra permanente entre a Bélgica e a Índia dentro das nossas fronteiras, com imenso dispêndio de recursos, tempo e energias.

Dessa forma, a questão dos negros no Brasil deixa de ser puramente racial para tornar-se um problema político, social e econômico, que requer solução urgente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/1996 - Página 19949