Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O TEOR DAS MEDIDAS PROVISORIAS QUE FAZEM PARTE DA REFORMA TRIBUTARIA DO GOVERNO FEDERAL, ADOTADAS EM OUTUBRO PASSADO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O TEOR DAS MEDIDAS PROVISORIAS QUE FAZEM PARTE DA REFORMA TRIBUTARIA DO GOVERNO FEDERAL, ADOTADAS EM OUTUBRO PASSADO.
Aparteantes
Junia Marise, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1996 - Página 20435
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PROVIDENCIA, GOVERNO, REDUÇÃO, DEFICIT, SETOR PUBLICO, PREJUIZO, REFORMA CONSTITUCIONAL, EXCESSO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), INEFICACIA, EFEITO, ECONOMIA.
  • DETALHAMENTO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AMBITO, PREVIDENCIA SOCIAL, EMPRESA ESTATAL, REDUÇÃO, DESPESA, PESSOAL.
  • CRITICA, GOVERNO, DESVALORIZAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, ANALISE, FALTA, RESPONSABILIDADE, SERVIDOR, DIVIDA PUBLICA, DENUNCIA, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • SOLICITAÇÃO, INCLUSÃO, PAUTA, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, REGULAMENTAÇÃO, RESTRIÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), RESTAURAÇÃO, PRERROGATIVA, LEGISLATIVO.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o corte dos gastos públicos, no montante de R$ 6,5 bilhões, anunciado em outubro último, revela a grande necessidade de o governo federal ter de apresentar ao mercado internacional algo que possa servir de demonstração de uma ação concreta, em termos de controle do déficit fiscal, já que as reformas tributária, previdenciária, administrativa e até agrária não foram aprovadas.

No entanto, a julgar pelas reações do Congresso e da própria sociedade, as medidas não vieram ajudar muito a imagem do governo Fernando Henrique Cardoso. O Relator da Reforma Administrativa, Deputado Moreira Franco (PMDB/RJ), logo no primeiro momento, comparou-as a um "Adorno de buquê de flores", acusando-as de prejudicar a referida reforma, a par de deplorar o uso de medidas provisórias e decretos. Aliás, um sentimento praticamente generalizado nas duas Casas Congressuais.

E, em termos de economia, com efeito, as medidas não trarão maior fôlego para a União. Restando, sim, um grande ônus político para o governo FHC, pois os cortes de gastos anunciados beiram a perversidade, com o que se gerou um clima de forte "intranqüilidade, medo e expectativa na população", como disse o próprio relator da reforma administrativa. A começar do fato de constar, entre as medidas, a demissão de 55 mil servidores não-estáveis.

Mas vejamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de modo mais detido, quais são as principais modificações a que o governo pretendeu proceder.

Analisemos primeiramente a Medida Provisória que altera as leis 8.212 e 8.213, referentes à área da Previdência. Esta, em suma, promoveu, entre outras, as seguintes mudanças:

a) Unifica alíquota de contribuição do produtor rural pessoa física e do segurado especial, inclusive no que respeita ao SENAR, visando-se a unificar a contribuição do produtor rural em 2,5% para o INSS, além de 0,1% para acidente de trabalho e 0,1% para o SENAR.

b) concede aposentadoria por idade apenas se o segurado não auferir rendimentos de aposentadoria de qualquer outro regime previdenciário. Dessa forma, a aposentadoria por idade não poderá servir à complementação de renda para pessoas já amparadas por outro regime previdenciário. Antes da medida, as contribuições vertidas nesses casos eram suficientes para financiar a aposentadoria.

c) Fica vedado o uso do tempo de atividade não-contributiva do trabalhador rural para fins de carência, contagem recíproca e averbação de serviço. Com o que se acaba a utilização dos tempos de atividade rural, para a obtenção de benefícios urbanos de valor superior ao benefício rural.

Agora, as mudanças relativas às empresas estatais:

a) Por meio de Decreto, determina-se a alienação de ativos não operacionais das empresas estatais federais não-financeiras, com o objetivo de extinguir as despesas referentes à manutenção de ativos não produtivos e tornar viável recursos adicionais para a redução do endividamento ou acréscimo de investimentos. Pretende-se uma receita adicional de cerca de R$ 250 milhões.

b) Através de Resolução do Conselho da Coordenação e Controle das Empresas Estatais - CCE, fixa-se o quadro próprio de pessoal das empresas estatais, eliminam-se a revisão da estrutura organizacional e a redução de horas extras, com vistas a conter despesas administrativas e operacionais das estatais e possibilitar ganhos de produtividade. A estimativa é a de redução de 94.000 vagas existentes.

c) Por Resolução da mesma instância antes referida, limita-se a concessão de vantagens e benefícios para os empregados das empresas estatais aos valores mínimos previstos na legislação em vigor, para diminuir gastos com benefícios e vantagens já existentes, reduzindo privilégios e o crescimento potencial das folhas de pagamento. A resolução alcança basicamente os novos empregados.

d) Ainda por Resolução da CCE, estabelecem-se normas para contratação de serviços, abrangendo todas as estatais federais, com as quais de extingue a indexação nos contratos e se estabelecem orientações para repactuações de preços, em contratos com prazo superior a 12 meses.

No caso dos gastos com pessoal, as principais medidas para redução de despesas foram as seguintes:

a) Extinção, para todos os servidores públicos federais, respeitados os direitos adquiridos daqueles que já fazem jus ao benefício da Licença Prêmio por Assiduidade, que garante ao servidor três meses de licença remunerada a cada cinco anos de efetivo exercício. Em seu lugar, fica criada a Licença Capacitação, a ser concedida de acordo com o interesse da Administração Pública Federal. Estima-se uma economia com a não conversão em pecúnia, quando do falecimento do servidor da licença não gozada igual a R$ 5 milhões. A hipótese de ganho com maior prazo de permanência em serviço pelo servidor equivaleria a R$ 432 milhões.

b) foi aumentado de dois para três anos, renovável por igual período, o prazo limite para o gozo de licença não remunerada (para trato de assuntos particulares). Medida esta, extensível aos servidores não estáveis. Com isso, busca-se reduzir a despesa com pessoal, uma vez que o servidor não percebe sua remuneração no período da licença. A economia estimada é de R$ 30,9 milhões.

c) Foi modificado o sistema de licenciamento de servidor para o exercício de mandato classista. O servidor licenciado não mais será remunerado pelo serviço público. Ademais, fica estabelecido que o número limite de associados para fins de autorização da licença obriga o cadastramento das entidades no MARE. A economia prevista é de R$ 6,9 milhões.

d) Fica vedada a acumulação de proventos de aposentadorias com remuneração de novo cargo efetivo (servidor civil ou militar, que se submeta a novo concurso público), salvo nos casos permitidos pela Constituição Federal. A medida visa a atender a determinação constitucional e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e atinge todos os aposentados que, a partir da constituição de 1988, tenham realizado concurso público e assumido cargo efetivo na administração pública. A economia estimada é de R$ 42 milhões.

e) Foi autorizada a exoneração de servidores não-estáveis, garantido-lhes a indenização de um mês de remuneração por anos de efetivo exercício no serviços público federal no ato da exoneração. Atinge todos os servidores contratados entre outubro de 1983 e outubro de 1988, sem concurso público, num total estimado de 55.000. Estima-se uma despesa com indenizações da ordem de R$ 275 milhões e uma economia estrutural de R$ 385 milhões/ano.

f) Vedou-se a extensão aos advogados da Administração Pública da verba de sucumbência e da jornada de trabalho de horas diárias. A medida, portanto, extingue o direito a honorários dos advogados da Administração Pública Federal pelo êxito nas ações.

g) Os servidores civis aposentados e os pensionistas do Poder Executivo Federal terão agora que atualizar seus cadastros.

h) Ficou extinto, para todos os servidores que aposentarem a partir da data da medida, o benefício que lhes permitia a aposentadoria com o padrão da classe de vencimento imediatamente superior ao que se encontrava na atividade. O benefício, em média, correspondia a um valor 20% superior à remuneração da atividade e seria incompatível com o perfil de financiamento da seguridade social do servidor público. A economia estimada é equivalente a R$ 78 milhões.

i) Através de Decreto, alterou-se a regulamentação dos contratos de serviços de higiene e vigilância pela Administração Pública Federal, Fundações e Autarquias. A Administração Pública estabelecerá o preço máximo dos serviços a serem contratados.

j) Modifica-se o critério de concessão do Adicional por Tempo de Serviço - ATS, que passa da característica de anuênio para quinqüênio, para todos os servidores que completarem cinco anos de atividade no serviço público federal. A expectativa é de uma economia de cerca de R$ 42,4 milhões, por cinco anos.

k) Fica estabelecido o prazo de cinco anos para que o servidor passe a incorporar aos vencimentos parcela do valor de sua função comissionada, ao invés de um ano. A medida atinge todos os servidores. A economia estimada, nesse caso, seria da ordem de R$ 53,2 milhões.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejo-me na necessidade de tecer nesta tribuna as seguintes considerações, concernentes a essas medidas:

1) Politicamente, por mais que se possa explicá-las como necessárias para conter o déficit público, salta aos olhos sua carga de perversidade, na medida em que, mais uma vez, se coloca o funcionalismo público na condição de bode expiatório.

2) Não há, em sã consciência, como se relacionar, em termos de culpabilidade, os gastos com o funcionalismo com esse déficit, pois, na verdade, o que mantém o setor público garroteado financeiramente são os enormes encargos correspondentes aos acentuado e crescente endividamento público, decorrente do modelo de estabilização adotado com o Plano Real, que se baseia, ao lado do ancoramento cambial, na manutenção de uma fortíssima âncora monetária. Ao contrário disso, como os seus salários defasados, pois desde janeiro de 1995 não tiveram qualquer reajuste para repor as perdas inflacionárias, os servidores é que vêm, sem dúvida alguma, sendo uma das variáveis de redução do déficit. Significa que está contribuindo além de suas forças para que o rombo do Tesouro não aumente além do teto maximamente admissível.

3) Mesmo assim, pergunta-se: o que é que temos neste momento, em termos de déficit orçamentário do Tesouro? No mês de outubro, tomando-se os números até aqui disponíveis, o déficit foi de R$ 8 bilhões, conforme anunciado pelo próprio Secretário do Tesouro, Murilo Portugal, com o que o rombo acumulado no ano chegou a R$ 6,39 bilhões, ou seja, quase o triplo dos R$ 2,2 bilhões registrados no mesmo período do ano passado.

4) Agora, vejamos que os gastos com pessoal, em outubro, foram 15,7% maiores que os de setembro, mas os gastos com juros, no mesmo período, tiveram um crescimento de 91,7%. Todo esse desempenho negativo, ao mesmo tempo em que se verificou um recorde de arrecadação tributária no país, que representou nada menos de 31% do Produto Interno Bruto (PIB).

5) A nosso juízo, então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as medidas têm muito mais o sentido de impressionar positivamente os centro de pressão exógena, sobretudo as organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, bem como os investidores internacionais, que, nos últimos meses, vinham criticando a lentidão com respeito às reformas.

No entanto, em termos de economia, ou seja, no tocante a uma concreta e substantiva redução de gastos, as medidas não terão maior impacto. O montante estimado de ganho é de R$ 6,5 bilhões, mas isso dificilmente será conseguido. Se considerarmos todas as restrições possíveis aos cortes previstos, como as indenizações, contestações jurídicas, modificações nas medidas impostas pelo Congresso, para não falar na necessidade de contratação de novos funcionários para várias áreas prioritárias, como o Fisco, aprovados em concursos anteriores e dos estímulos à adesão ao Programa de Demissão Voluntária (PDV) (como é o caso dos 25% sobre a indenização para os servidores que entrarem no Programa nos primeiros cinco anos), o corte será muitíssimo menor do que se alardeia.

E, com efeito, segundo levantamentos feitos por alguns economistas, o máximo que se economizará com as medidas, no próximo ano, não ultrapassará R$ 400 milhões, ou seja, não chegará a 9% do orçamento de pessoal.

Desse modo, Sr. Presidente, faz-se necessário que o Congresso, através de um debate aprofundado com a sociedade, em suas duas Casas, se organize para modificar a essência dessas medidas, contribuindo objetivamente para que as mudanças verdadeiramente necessárias, com vistas às reduções substantivas de despesas do setor público e, conseqüentemente, propícias à eliminação dos déficits fiscal e público, possam ser adequadamente adotadas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que pasma é que essas medidas sejam tomadas ao arrepio da Constituição, mediante constantes Medidas Provisórias que, de modo um geral, são reeditadas pelo Senhor Presidente da República, porque de tantas que elas são não chegam a ser apreciadas pelo Congresso Nacional. Da nossa pauta do Congresso Nacional agora mesmo constam dezenas de Medidas Provisórias que não foram apreciadas. O próprio Governo não tem interesse que haja quorum no Congresso Nacional para, constantemente, reeditá-las. É o caso justamente das mais polêmicas entre elas a que me refiro neste instante. Além de outras, Sr. Presidente, como a que, por exemplo, estabeleceu a contribuição previdenciária dos inativos; como a que dispõe sobre o Proer, já reeditada várias vezes e, segundo a imprensa, ultimamente reeditada, com modificação substancial, para atender a reivindicações dos Governadores de São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro, tendo em vista a necessidade de atenderem melhor os acordos, para pagamento dos débitos estaduais respectivos.

Por outro lado, temos que levar em conta a necessidade premente de se fazer um estudo mais aprofundado em torno dessa questão do servidor público. Há que se distinguir entre o servidor público da Administração Direta e o empregado da empresa estatal. O servidor público da Administração Direta, já o dizia o ex-Ministro Aluizio Alves, no seu tempo, quase não custa aos cofres da União. O que realmente representa uma despesa maior aos cofres da União são os empregados das empresas estatais, da Petrobrás, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, da Vale do Rio Doce e assim por diante. Por quê, Sr. Presidente? Porque os servidores públicos da Administração Direta têm direito à sindicalizaçã e à greve, mas não dispõem de poder de barganha para negociar suas reivindicações salariais ou de outra ordem com o Governo Federal, que não os olha. Pelo contrário, quando os sindicatos dos servidores públicos procuram dialogar, o que se vê são ameaças de demissão, de corte de ponto etc, etc. Enquanto isso, os sindicatos das estatais são fortes. O que dizer do sindicato dos petroleiros, dos bancários, dos securitários, dos eletricitários e assim por diante? Todos eles têm poder de barganha porque podem parar o País e, por isso, têm melhores condições de remuneração.

Penso que é uma injustiça muito grande querer se debitar ao servidor público da Administração Direta, pelo aumento do déficit público.

O déficit público tem outras origens. Inclusive, Sr. Presidente, como eu disse há pouco no meu pronunciamento, a razão maior do déficit público é a grande despesa que a União tem com o pagamento de juros a quem compra os seus títulos no mercado financeiro.

Diante do volume da sua dívida interna, como não dispõe de recursos fiscais para pagar em dia os seus devedores, o que o Governo faz? Ele emite novos títulos, juros sobre juros, para pagar os títulos vencidos. E quem paga, Sr. Presidente, é o Tesouro Nacional, é o contribuinte.

Portanto, o déficit público vem muito mais do serviço da dívida pública do que da manutenção do serviço público na Administração Direta.

De outra parte, Sr. Presidente, é preciso que se diga também que a autorização pedida, por exemplo, numa dessas Medidas Provisórias, para que o Poder Executivo demita servidores não estáveis, é de estarrecer.

Lembrei aqui uma vez - e repito agora - que, quando era Presidente do Senado, presidi uma delegação do Congresso que foi ao Oriente, mais expressamente à China continental e à Coréia do Sul, fui surpreendido por um telefonema do então Presidente José Sarney para dizer que o meu Vice-Presidente em exercício, Senador José Ignácio Ferreira, acabava de devolver uma Medida Provisória, por julgá-la flagrantemente inconstitucional. Por quê, Sr. Presidente? Porque, na época, o Senhor Presidente da República pedia, naquela medida, autorização ao Congresso para demitir funcionários não estáveis.

Ora, isso está na Constituição. É atribuição do Senhor Presidente da República. O Congresso não tem que se envolver nessa matéria. Pois isso mesmo, agora, está contido nessa Medida Provisória, entre os vários dispositivos que ela contém.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Humberto Lucena, pedi o aparte para solidarizar-me com as suas palavras. Concordo em gênero, número e grau com o que V. Exª disse. Acredito que não devemos interferir, que o Executivo deve executar as deliberações do Congresso Nacional, e que nós não devemos ser executivos do Executivo. Isso seria uma inversão de papéis, e cabe a ele cumprir o seu papel, e a nós cumprirmos o nosso. Parabéns a V. Exª.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª pelo seu aparte. 

Sr. Presidente, quero repetir o que já disse aqui. Se essas e outras Medidas Provisórias forem votadas nominalmente no Congresso Nacional, votarei contra, porque prefiro ficar com a minha consciência.

Eu não posso, de maneira nenhuma, concordar com o desrespeito a direitos individuais e sociais que foram assegurados pela Constituição.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senadora.

A Srª Júnia Marise - Estou ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª, que se manifesta contrariamente a esse procedimento, que já se tornou rotina no Governo Federal, rotina do Presidente da República, de legislar em nome do Congresso Nacional. É o que está acontecendo hoje no País. Essa rotina está se transformando, para o Congresso Nacional, num imperativo a exigir que ele assuma a sua posição de fato. Por várias e várias vezes temos debatido, no Senado Federal, as prerrogativas dos Senadores, as prerrogativas desta Casa, de debater, de analisar e até mesmo de emendar os projetos que vêm da Câmara dos Deputados, para que o Senado não seja apenas uma Casa carimbadora. Portanto, Senador Humberto Lucena, o pronunciamento de V. Exª vem em um momento muito oportuno. Vozes se levantam mostrando a posição de cada Senador, de cada Deputado Federal e do conjunto da sociedade brasileira, que está assistindo, perplexa, aos desmandos do Executivo, que legisla em nome do Congresso Nacional. As medidas provisórias são editadas e passam a vigorar 24 horas depois. E o Congresso Nacional tem passado mais de 6, 8 meses, mais de um ano sem discutir, sem debater essas medidas provisórias. A grande maioria delas, nociva aos interesses e aos direitos adquiridos da sociedade brasileira, muitas vezes mereceria, como merece, o reparo, o debate, a avaliação profunda do Congresso Nacional. É um momento de fundamental importância este em que V. Exª assume, com coragem, a tribuna do Senado Federal, para manifestar o seu repúdio a atitudes que, repito, transformaram-se em rotina do Governo Federal. É o momento de o Congresso Nacional e, principalmente, do Senado Federal exigir o debate no prazo de 30 dias, como requer cada medida provisória, para que ela não seja e venha a ser reeditada, como vem acontecendo ao longo dos últimos meses. É importante a posição de V. Exª e espero que a sua voz tenha ressonância nesta Casa e no Congresso Nacional, a fim de que possamos oferecer a nossa contribuição às iniciativas do Governo Federal. O que está acontecendo é que, na verdade, não interessa ao Governo, ao Presidente da República, que o Legislativo debata e examine as medidas provisórias. Por isso as Lideranças do Governo no Congresso, a todo momento, vêm postergando a inclusão das medidas provisórias na Ordem do Dia: para evitar o debate e estejam aqueles, como V. Exª, como nós, da Oposição, atentos a todas as edições das medidas provisórias. Considero este assunto da maior importância e não poderia deixar de aparteá-lo, contribuindo para o debate que suscita neste momento.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito grato a V. Exª, nobre Senadora Júnia Marise.

Devo lembrar a V. Exª e à Casa que, há poucos dias, ocupei esta tribuna para tratar especificamente do chamado abuso da edição das medidas provisórias. Inclusive publiquei, nos jornais de Brasília e do meu Estado, um artigo sobre isso - e, se não me engano, também no Jornal do Brasil -, chamando a atenção para esse absurdo.

Esse não é um assunto de natureza partidária, mas institucional, que tem a ver com as prerrogativas do Congresso Nacional, do Senado e da Câmara dos Deputados.

Na medida em que se avolumam essas Medidas, nós deixamos de existir como Poder Legislativo. Eu, por exemplo, apresentei vários projetos aqui, alguns foram aprovados e estão na Câmara, mas esses não prosperam. Quantos Senadores e Deputados têm projetos na mesma situação! Por quê? Porque não interessam.

E digo mais. É um absurdo também que projetos de lei, como os apresentados pelo Senador José Sarney, Presidente desta Casa, que inclusive exaltei recentemente em discurso, referentes à micro e pequena empresa, por exemplo, tenham sido posto de lado depois de aprovados no Senado, estando na Câmara, parados, para que as matérias que consubstanciam passassem a ser tratadas em Medida Provisória.

Os projetos do Presidente do Senado foram marginalizados. E em substituição ao que eles continham - em vez de se esperar a decisão da Câmara - o que ocorreu foi a edição de Medida Provisória, evidentemente bem recebida no seu conteúdo, porque ampara a micro e a pequena empresa, num desrespeito ao Poder Legislativo.

Sr. Presidente, desejava, ao término deste pronunciamento, fazer um apelo aos Srs. Líderes partidários, especialmente ao Sr. Presidente José Sarney - que não está no momento, e a quem lhe peço que transmita -, já que os Presidentes do Senado e da Câmara, pelo que li na imprensa, vão ampliar a agenda da convocação extraordinária, que seja inserida na mesma a Proposta de Emenda Constitucional que está em andamento nesta Casa, da lavra do Sr. Senador Josaphat Marinho, numa Comissão Especial, e já agora com o parecer do Senador José Fogaça, na CCJC, se não me engano com o apoio até do próprio Poder Executivo, que dispõe justamente sobre uma nova disciplina para o uso das medidas provisórias.

Vamos aproveitar a convocação extraordinária para votar essa Proposta de Emenda Constitucional, a fim de que possamos restaurar, com altivez e com coragem e com mais dignidade e competência, as prerrogativas do Poder Legislativo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1996 - Página 20435