Discurso no Senado Federal

MERCADO INFORMAL DE TRABALHO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • MERCADO INFORMAL DE TRABALHO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1996 - Página 20579
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • ANALISE, DIVERGENCIA, OPINIÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, RENDA, ASSALARIADO, PLANO, REAL, MOTIVO, AMPLIAÇÃO, ECONOMIA INFORMAL.
  • ELOGIO, PROCESSO, DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ANALISE, EFEITO, ECONOMIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, EMPREGO, ECONOMIA INFORMAL, DESEMPREGO, SETOR, INDUSTRIA.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, TREINAMENTO, TRABALHADOR, REFORÇO, PROGRAMA, SEGURO-DESEMPREGO, PRIORIDADE, FLEXIBILIDADE, MERCADO DE TRABALHO, REDUÇÃO, CUSTO, EMPREGADO.
  • NECESSIDADE, MELHORIA, TRATAMENTO, GOVERNO, COMERCIANTE AMBULANTE, MOTIVO, FALTA, OPÇÃO, EMPREGO.

         O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as profundas transformações que se têm operado na estrutura da economia, desde o início desta década, parecem ter desorientado muitos dos analistas da sociedade brasileira, ao ponto de ser muito difícil a obtenção de consenso e a formulação de teses pacíficas quando o assunto se refere a nível de renda da população e a desemprego. De resto, nada mais natural do que a mudança provocar um certo desconforto no que diz respeito à utilização de balizas teóricas a que se estava acostumado até então para interpretar a realidade nacional.

         No caso da questão que quero abordar no presente discurso -- o mercado informal de trabalho --, as opiniões divergem a respeito de ter aumentado ou não o grau de informalidade da economia nos últimos anos. Uns afirmam que, depois do Plano Real, o desemprego na economia formal aumentou e a população perdeu poder aquisitivo, -- o que teria levado muita gente para a economia informal. Outros negam que isso tenha acontecido: dizem que a taxa de emprego não se alterou e que, pelo contrário, a população teve ganhos reais de renda, por conta do fim do imposto inflacionário.

         Parte dos problemas de divergência quanto às conclusões sobre o emprego e sobre a renda real dos assalariados no período pós-Real deve-se ao fato de que muitas estatísticas a esse respeito são formuladas no âmbito da cidade de São Paulo e adjacências, cuja economia passa por um momento especial que não reflete, de forma alguma, o que está acontecendo no resto do Brasil. É fato que o desemprego aumentou na Capital do Estado de São Paulo desde o início da década. Se houve, também, na cidade de São Paulo, queda no poder aquisitivo dos trabalhadores assalariados, -- como afirma, por exemplo, a Fundação SEADE/DIEESE, -- com certeza o que caiu foi a massa salarial, menor em razão de uma maior taxa de desemprego, e não o rendimento médio do trabalhador empregado.

         O que deve ser levado em consideração, todavia, é a situação específica da economia de São Paulo, a qual está passando por um processo de alguma desindustrialização graças à transferência de muitas de suas indústrias para regiões brasileiras mais atrasadas, nas quais é menor o salário pago à mão-de-obra. Pode parecer estranho que eu tenha utilizado a locução "graças a" para me referir ao deslocamento de São Paulo por parte de algumas indústrias, mas esse uso foi proposital. Pois a que estamos assistindo hoje senão a um processo de desconcentração industrial no Brasil, justamente o que temos perseguido há anos por meio de políticas públicas ineficazes? Atualmente, a própria transformação do mercado, sem necessidade da interferência do Poder Público, está deslocando muitas indústrias, que antes aglomeravam-se apenas no Centro-Sul do País, para outras regiões, que, dessa forma, poderão desenvolver-se e progredir.

         Por acaso, devem-nos causar júbilo as dificuldades que muitos trabalhadores, em São Paulo, estão passando porque perderam seu emprego, estando obrigados a inchar o mercado informal daquela cidade? Certamente que não. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para minorar-lhes o sofrimento e para que possam recolocar-se no mercado formal. No entanto, não podemos perder de vista que, se quisermos mesmo distribuir melhor a riqueza em nosso País e industrializar outras regiões mais distantes do Centro-Sul, uma conjuntura como essa, ainda que transitória, seria inevitável.

         Há muito o Brasil depara-se com o grave problema representado pelo mercado informal, em especial, pelo mercado de trabalho informal. É indiscutível que o grande número que temos de trabalhadores informais, os quais não contam com os benefícios garantidos pela legislação trabalhista, constitui um dos indicadores mais dramáticos de nosso desenvolvimento insuficiente e injustamente distribuído. Precisamente esse é um dado que se encontra em todos os países atrasados: a grande percentagem de trabalhadores informais em relação ao número total de trabalhadores. Aliás, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, na América Latina, 57% dos trabalhadores são autônomos ou não têm registro. Em nosso País, acredito que a percentagem de trabalhadores autônomos ou sem registro deve ser pouco inferior a esse número.

         A classificação de trabalhador autônomo esconde, dentro de si, um profissional do trabalho precário muito comum nos centros urbanos brasileiros: o camelô, ou, como o chamam em São Paulo, o marreteiro. Ou empurrados pelo desemprego ou pelos rendimentos insuficientes conseguidos no mercado formal de trabalho, muitos brasileiros fazem a opção (que, paradoxalmente, não deixa de ser uma falta de opção) por montarem uma barraca em alguma rua movimentada para vender bugigangas.

         Fazendo parte, há muito tempo, da paisagem urbana brasileira, os camelôs têm aumentado, em número, nas cidades industriais. Isso se deve ao fato de que a política de abertura comercial e de exposição à concorrência estrangeira tem levado as indústrias nacionais à necessidade de grandes reestruturações. Se não há consenso de que a taxa de desemprego total tem crescido nos últimos anos, todos concordam, todavia, em que o desemprego no setor industrial aumentou.

         De acordo com o IBGE, de 1993 para cá, 460 mil pessoas passaram à informalidade, em razão de demissões na indústria. Seria natural que, por ser o maior centro industrial do País, São Paulo tivesse a situação mais dramática de todas, o que é confirmado pela Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação SEADE/DIEESE. Na Grande São Paulo, -- segundo a instituição citada, -- dos 356 mil postos de trabalho criados nos dois últimos anos, nada menos do que 300 mil foram de autônomos e assalariados sem carteira assinada. Uma série temporal mais longa, apurada pela mesma instituição também para a Grande São Paulo, indica que, nos últimos 11 anos, o número de trabalhadores sem registro aumentou 70%, contra um crescimento de apenas 8% dos trabalhadores registrados.

         Ora, a demissão na indústria cria um problema de difícil solução, em que mais e mais trabalhadores, -- atualmente não só os de baixa qualificação, mas mesmo os qualificados, -- engrossam as estatísticas do trabalho informal e acumulam-se nas ruas das cidades vendendo artigos baratos para sobreviver. Alguns desses postos de trabalho perdidos na indústria podem vir a ser recuperados no momento em que amadurecerem os diversos investimentos que se têm realizado graças à estabilização da moeda. Todavia, muitas dessas vagas serão irremediavelmente eliminadas por conta da adoção de tecnologias industriais poupadoras de mão-de-obra. Assim, assistimos, perplexos, ao aumento do desemprego no setor industrial e perguntamo-nos: que fazer?

         Uma solução óbvia para o problema é o investimento em educação básica e em treinamento profissional, de modo a preparar o trabalhador brasileiro para lidar com as novas tecnologias, cuja sofisticação exige um nível mais alto de escolaridade. Mas, embora não deva ser desdenhado, o investimento em educação somente produzirá frutos a longo prazo. Bem, outro caminho a ser trilhado é o fortalecimento do programa do Seguro-Desemprego, o que vem sendo estudado pelo Governo, que cogita estender os prazos da concessão do benefício. Mas, apesar de imprescindível, o Seguro-Desemprego é um programa de caráter assistencial que lida com os efeitos produzidos pelo desemprego, e não com seu combate.

         Vale dizer que o aumento do desemprego é um problema mundial que causa espanto a todas as nações, que não sabem muito bem que fazer para minorá-lo. Amiúde o impulso humanista de muitos para aumentar a assistência financeira aos desempregados esbarra em dois óbices: de um lado, Estados nacionais já assoberbados por compromissos sociais, que os tornam deficitários, endividados e causadores de inflação; de outro lado, o fato de que, se os benefícios forem muito generosos, induzirão as pessoas que os recebem a viver de assistência social, desestimulando-as a procurar trabalho.

         No Brasil, tem aumentado o coro daqueles que defendem o que se convencionou chamar flexibilização do mercado de trabalho. Quem é contra a flexibilização argumenta que ela corresponde a uma política selvagem, cuja única conseqüência seria eliminar direitos dos trabalhadores, sem resultado prático algum.

         Contudo, algumas evidências desautorizam a tese dos contrários à flexibilização. Se tomarmos o que está acontecendo no mercado de trabalho dos países desenvolvidos, observaremos que, -- à parte o Japão, cuja situação trabalhista tem características culturais específicas e diferentes da dos países ocidentais, -- enquanto a taxa de desemprego nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha é bastante modesta, ela é altíssima nos demais países da Europa Ocidental. Ora, todos esses países são muito semelhantes em termos de desenvolvimento e de nível de tecnologia adotada em seus parques industriais. O que os distingue é o grau de regulamentação do mercado de trabalho e o custo indireto do empregado pago pelas empresas aos sistemas estatais de assistência ao trabalhador. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, a regulamentação e o custo de contratar são relativamente menores em comparação com os existentes nas demais nações da Europa.

         Por isso, penso que deveríamos tentar, no Brasil, alguma desregulamentação do mercado de trabalho, além de eliminar certos custos indiretos da mão-de-obra que aumentam o ônus da contratação sem, em contrapartida, carrear grandes benefícios para o trabalhador. Não seria uma desregulamentação selvagem e totalizante, mas, sim, seletiva. Poderíamos, por exemplo, permitir alguns tipos de contratação temporária, por tempo determinado, além de facilitar o trabalho em tempo parcial.

         Quanto aos custos indiretos do trabalho, não vejo sentido em manter certos fundos que são pessimamente administrados pelo Governo em nome do trabalhador, quando não ocorre roubalheira pura e simples: são os casos do FGTS e dos PIS/PASEP. A existência desses fundos onera demais o custo de contratação, desestimulando-a, enquanto a vantagem do trabalhador é pouca, pois grande parte de seus recursos são apropriados pelo Governo, que cobre com eles seus buracos orçamentários e os empresta por motivos políticos em transações de baixa rentabilidade. Na ausência do PIS/PASEP, que financia o Seguro-Desemprego, esse programa seria gerido com recursos tributários. Seria mantida, é claro, a indenização ao trabalhador em razão de demissão imotivada.

         Outrossim, uma iniciativa que merece meu aplauso por poder significar uma melhoria no emprego é a medida provisória recentemente editada que trata do regime tributário das micro e pequenas empresas. Ao facilitar e desburocratizar o cumprimento das obrigações fiscais das micro e pequenas e ao diminuir sua carga tributária, a Medida Provisória certamente estimulará o fortalecimento daquelas empresas, que são reconhecidamente as maiores empregadoras do Brasil.

         Por fim, gostaria de dizer que, enquanto não amadurecem as soluções para o desemprego no País e enquanto não há uma reversão na tendência de maior desemprego industrial, não se pode tratar os trabalhadores ambulantes simplesmente como um caso de polícia. Têm sido freqüentes os relatos de maus tratos perpetrados contra os camelôs, principalmente em São Paulo, por parte de agentes policiais. Com a repressão exacerbada aos camelôs, crescem os casos de corrupção envolvendo fiscais municipais, que cobram taxas para que os ambulantes não sejam importunados, e crescem as ocorrências criminais nas cidades, como conseqüência do desespero de muitos trabalhadores que vêem negado seu direito de tentar sobreviver por meios honestos.

         Não quero dizer que tratar do problema representado pelos camelôs seja matéria simples. Sabemos que muitos contraventores se aproveitam da existência de grande número de ambulantes para vender contrabando, da mesma forma que muitos lojistas fazem o mesmo ao colocarem produtos para serem comercializados sem nota fiscal e, dessa forma, sonegarem impostos devidos ao Fisco. Entretanto, devemos sempre ter em mente que a ampla maioria dos vendedores ambulantes estão nessa situação por falta de alternativa. Por mais que a aglomeração de camelôs nas ruas das cidades atrapalhe nosso movimento e agrida nosso senso estético, temos de dar às pessoas desfavorecidas uma oportunidade de sobreviver dentro da lei.

         Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1996 - Página 20579