Discurso no Senado Federal

CONQUISTAS SOCIAIS, CULTURAIS E POLITICAS NO SECULO XIX. REFLEXÕES SOBRE OS QUASE 100 ANOS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, QUE SERA COMEMORADO NO PROXIMO ANO. ELEIÇÃO DA ESCRITORA NELIDA PIÑON A PRESIDENCIA DA ACADEMIA, VERDADEIRO AVANÇO E RECONHECIMENTO DO PAPEL FEMININO NA SOCIEDADE LITERARIA CONTEMPORANEA E NA CONQUISTA DE ESPAÇOS SOCIAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • CONQUISTAS SOCIAIS, CULTURAIS E POLITICAS NO SECULO XIX. REFLEXÕES SOBRE OS QUASE 100 ANOS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, QUE SERA COMEMORADO NO PROXIMO ANO. ELEIÇÃO DA ESCRITORA NELIDA PIÑON A PRESIDENCIA DA ACADEMIA, VERDADEIRO AVANÇO E RECONHECIMENTO DO PAPEL FEMININO NA SOCIEDADE LITERARIA CONTEMPORANEA E NA CONQUISTA DE ESPAÇOS SOCIAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Ney Suassuna, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/1996 - Página 20848
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, NELIDA PIÑON, ESCRITOR, POSSE, PRESIDENCIA, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), EXPECTATIVA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, ACADEMIA, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o século estava terminando. Aos enciclopedistas - que com seus ensinamentos modificaram o panorama político da encantada época das luzes - sucederam os românticos, descomprometidos com as regras e os modelos.

Um período de rara beleza eclipsava-se diante da humanidade impotente para deter sua marcha. O século estava terminando. Se o anterior havia sido o do Iluminismo, o século XIX, com certeza, foi o século do heroísmo, das paixões avassaladoras, dos aventureiros galantes. O grande exército de Napoleão Bonaparte regressara às suas fronteiras, vencido e humilhado, enquanto metais ensurdecedores pareciam impulsionar o compositor Wagner. Só um decênio bastou para exterminar a mais bela floração lírica do Velho Mundo. Shelley, Byron, Novalis esgotam-se, um a um, como a luz de uma vela numa cela escura.

No Brasil, do Amazonas ao Prata, os movimentos e as alterações ocorridas na Europa contagiam os espíritos. O grito dos inconfidentes é, finalmente, respondido no Ipiranga e não consegue silenciar Garibaldi e sua Revolução Farroupilha, nem a Cabanagem e muito menos a Balaiada e a Sabinada. As almas gêmeas de Zumbi dos Palmares chegam à libertação, permitindo que Nabuco, André Rebouças, Cruz e Souza, José do Patrocínio e Machado de Assis assistam ao reencontro com nossas raízes africanas, com a Abolição da Escravidão.

Sim, o século estava terminando. No horizonte adelgaça-se o momento das incertezas que Oscar Wilde, premonitório, pinçou na abertura do seu De Profundis:

      "A dor é um momento prolongado que não se pode dividir em estações. A única coisa que podemos fazer é registrar seus caprichos e escrever a crônica do seu retorno."

Obrigo-me a refletir a respeito da sombria sentença, amparando-me na lógica eliotiana expressa no primeiro dos Quatro Quartetos:

      "O tempo presente e o tempo passado

      Estão ambos talvez presentes no tempo futuro.

      E o tempo futuro contido no tempo passado.

      Se todo tempo é eternamente presente

      Todo tempo é irredimível".

Sr. Presidente, pertenço a uma geração resultante de duas grandes guerras, que assiste, perplexa, ao massacre diuturno dos poderosos sobre os menos afortunados; a fome espraiar-se nos quintais do Terceiro Mundo; o envenenamento dos mares; a devastação das florestas. Onde, minha voz? O outono do meu século viaja rápido e nada posso para estancar-lhe a pressa. Resta-me o sonho e corro para renová-lo.

Posso imaginar os intelectuais da época na sala de redação da Revista Brasileira, praticando novo ato de rebeldia. Afinal nas suas vidas não havia sido isto uma constante? Eram eles Artur Azevedo, Guimarães Passos, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José Veríssimo, Filinto de Almeida, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo e Valentim Magalhães.

O século XIX mergulhava no crepúsculo, mas a aurora abria suas portas à Academia Brasileira de Letras, que amanhecia sua forma e vida. Parte de nossa mais pura intelectualidade reunia-se ali para constituir-se entidade cultural, repudiando o decreto que a criava oficialmente, para comemorar o sétimo aniversário da Proclamação da República.

Machado de Assis é aclamado para presidir o encontro e convida Rodrigo Octávio e Pedro Rabelo para Secretários. Lúcio de Mendonça recorda o desejo dos escritores simpáticos à idéia da instalação sem atrelamentos, e Inglês de Sousa apresenta um projeto de estatutos. As decisões são rápidas, tornando a rebelião irreversível. Contudo, ainda gastaram sete meses de cuidadosa preparação complementar. A 20 de julho de 1897, acontece a sessão inaugural da Academia Brasileira de Letras, às 8 horas da noite.

Nascia a Academia e morria o século. E nascia numa ação de liberdade, pois a cultura quando verdadeira dispensa o monitoramente exercido pelo poder estatal. Na sua fala inaugural, Machado de Assis sinaliza os objetivos:

      "Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com alma nova, e naturalmente ambiciosa".

E continua:

      "Tal obra exige, não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso".

E agora que vejo no horizonte o final do século das nossas gerações, paro nas minhas reflexões sobre os quase 100 anos da Academia Brasileira de Letras, que será comemorado no próximo ano, e questiono a ousadia e a coragem dos "tempos heróicos". Um tempo em que não se pensava fechar as portas da Imprensa Nacional e Machado de Assis era um dos seus tipógrafos. Um tempo em que o Colégio Pedro II, a Biblioteca Nacional e o Supremo Tribunal Federal tinham, pela ordem, a José Veríssimo Teixeira de Melo e Rodrigo Octávio como Reitor, Diretor e Ministro. Tempo em que Euclides da Cunha dispunha dos jornais para revelar a ignomínia de Canudos. Tempo da ousadia sem limites, quando Rui Barbosa, por delegação dos confrades, recebe Anatole France discursando no idioma do homenageado. Tempo das doações sem exigências, quando o livreiro Francisco Alves de Oliveira, sem herdeiros forçados, torna a Academia sua herdeira universal. Tempo da autocrítica e da humildade, quando Rui Barbosa, não freqüentando a Casa com a assiduidade que a Casa merecia, renuncia ao título de acadêmico. Tempo das apaixonadas e destemidas definições culturais, quando Graça Aranha pronuncia sua conferência "O Espírito Moderno", em defesa do movimento modernista, e rompe com a Academia.

A permissão para as mulheres participarem desse augusto ambiente foi o último grande gesto de afirmação da Academia, mas que só aconteceu a partir de 1977, quando Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Telles foram aceitas em seus quadros. Porém, devo registrar que foi com a eleição de nossa querida Nélida Piñon à presidência da Academia que podemos constatar o verdadeiro avanço e o reconhecimento do papel feminino na sociedade literária contemporânea. A eleição de Nélida significa verdadeiramente um avanço na luta das mulheres pela conquista de espaços sociais, considerada por muitos como a maior e mais importante revolução pacífica desse nosso século outonal.

Nélida Piñon, que durante os anos de regime militar, jovem escritora, jamais soube calar-se, levando sua indignação às mais diversas manifestações públicas contra aqueles que insistiam em perpetuar-se à força no poder; Nélida Piñon, de origem espanhola, nascida e criada no Brasil, considerada um dos maiores expoentes da literatura latino-americana, que soube inserir na nossa cultura uma visão feminina de profunda sabedoria, que soube contribuir para com a defesa da nossa liberdade, com a sua audácia na invenção da vida e da linguagem, é merecedora de toda a nossa admiração, de todo nosso apoio em sua gestão frente à presidência da Academia Brasileira de Letras. Manifesto minha alegria, meu orgulho, meu contentamento e minha expectativa pela sua eleição.

Esperamos que fatos políticos e sociais relevantes mereçam um posicionamento da Academia pois muitos deles passaram sob o silêncio acadêmico.

O Estado Novo e o golpe de 1964, as repetidas e longas estiagens nordestinas, provocando movimentos migratórios e o conseqüente inchaço dos grandes centros urbanos, gerando problemas que nos afligem e envergonham, não obtiveram as respeitáveis vozes de repúdio. Decide-se retirar do currículo o ensino do latim, fundamento do nosso próprio idioma, e a Casa das Letras não busca coibir o absurdo. A educação brasileira encontra-se em perigo e a academia mergulha num mutismo inexplicável. Sua própria história está passando em silêncio pela sociedade, talvez porque tenha se isolado, hermética e estática, como se fosse um templo sagrado, somente acessível aos deuses imortais.

A Academia Francesa, espelho da nossa, teve um gesto de grandeza digno de ser registrado: tendo excluído a Molière, registrou sua própria indignação: "Nada faltou à sua glória; ele faltou à nossa".

Registro, pois, a eleição e posse da escritora Nélida Piñon na presidência da Academia Brasileira de Letras, primeira mulher a presidir uma academia de letras no mundo.

São palavras de Nélida Piñon, sobre a suposta qualidade feminina de buscar o diálogo, que levou ao consenso dos acadêmicos em torno do seu nome:

      "Não adianta pensar que mulher é igual ao homem. Mulher é diferente. E eu sou de um temperamento de concórdia, eu gosto de conversa. Acho que as dificuldades, a não ser aquelas radicais, terminais, podem ser contornadas".

Não sou uma intelectual, mas como cidadã mulher não poderia deixar de prestar esta homenagem.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com prazer, nobre Senador.

O Sr. Bernardo Cabral - Em primeiro lugar, Senadora Benedita da Silva, quero discordar da última frase do discurso de V. Exª, quando diz que não é uma intelectual. Tanto o é que produz um discurso denso, com remissões fantásticas a Oscar Wilde, Anatole France, traçando um perfil e um paralelo entre as Academias Francesa e a Brasileira - e pouco importa se, aqui ou acolá, algum assessor possa lhe ter socorrido. A verdade é que V. Exª faz um registro altamente justo e sincero, porque parte de uma lutadora como V. Exª. Se traçássemos um paralelo, registraríamos que, enquanto Nélida Piñon é uma vencedora nas Letras, V. Exª o é na política. O registro de V. Exª ao derredor de uma das mais difíceis posições para uma mulher conquistar, a presidência da Academia Brasileira de Letras, talvez seja, quem sabe, uma espécie de prenúncio para que amanhã possamos ter também uma mulher na Presidência do Congresso Nacional. Associo-me às palavras de V. Exª, pedindo-lhe que as faça chegar ao conhecimento da imortal Nélida Piñon. Parabéns.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, pois, de antemão, sabia que o faria.

Esta Casa, considerada a Casa da Sabedoria, muitas vezes tem se calado. Mas este momento é extremamente importante, não apenas para mim. Verdadeiramente, não sou uma intelectual, pois aprendi, em primeiro lugar, na universidade da vida, apenas depois tive a oportunidade de cursar as Faculdades de Estudos Sociais e de Serviço Social. Mas, independentemente de ser ou não uma intelectual, sendo esta a "Casa da Sabedoria", da qual temos absoluta certeza fazerem parte tanto a intelectualidade como a representação política da sociedade brasileira - inclusive temos no Presidente da Casa, Senador José Sarney, um representante desse contexto - eu quis, nobre Senador Bernardo Cabral, juntar essas duas homenagens. Em primeiro lugar, resgatar o papel da Academia Brasileira de Letras, e, num segundo momento, fazer essa homenagem singela a Nélida Piñon, por sua presença marcante na Academia Brasileira de Letras. É importante unirmos a nossa voz e a da Academia Brasileira de Letras às necessidades prementes deste País.

Por isso não poderia deixar de registrar, próximo ao primeiro século da Academia Brasileira de Letras, o fato de que, somente em 1977, uma mulher ocupou, pela primeira vez, uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

O Sr. Ney Suassuna - Permita-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte ao nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senadora, ouvindo o pronunciamento de V. Exª, quero registrar o meu temor e minha alegria. Alegria por ver que uma brilhante mulher ocupa mais um lugar de destaque. São tantos os lugares de destaque que as mulheres têm ocupado e tamanho tem sido o crescimento das mulheres que aí está o meu temor, temor de que, daqui a pouco, nós, homens, sejamos ultrapassados pela eficiência e crescimento do sexo feminino.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço-lhe o aparte, mas não tenha V. Exª essa preocupação. Quis a natureza que nós, mulheres, pudéssemos dividir com os homens tudo aquilo que junto possuímos. E a natureza fez com que nós pudéssemos garantir, juntamente com o homem, a responsabilidade, não apenas da perpetuação da espécie, das transformações, mas também dos compromissos, das mudanças. E é isso que estamos fazendo. Observe V. Exª que disse em meu pronunciamento e enfatizei na resposta ao aparte do Senador Bernardo Cabral que só em 1977 chegava a primeira mulher à Academia Brasileira de Letras. E somente agora temos a primeira mulher, no mundo, a ocupar a presidência de uma academia.

Somos assim, homens e mulheres: recuamos e avançamos assustadoramente. V. Exª pode ter certeza de que cumpriremos rigidamente - eu, como cristã - o que a Bíblia coloca no sentido de que somos um; somos uma só carne e um só pensamento, não apenas pelo laço matrimonial, mas pelo compromisso de seres humanos.

O Sr. Ney Suassuna - O meu medo, Excelência, é de as mulheres se tornarem extremamente eficientes - e digo isso porque, nas minhas instituições, a grande maioria é de mulheres, que dificilmente largam o posto. Acredito que quando essa comparação, no sentido da eficiência, for feita dentro do nosso gênero humano, verificar-se-á que talvez esses postos fiquem perpetuados nas mãos das mulheres. Tomara, porque, com toda a certeza, vai ser muito mais agradável.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon - Perdoe-me, querido Senador do meu Partido, mas não é uma questão de ser agradável ou não. É uma realidade. Na verdade, quando V. Exª, Senadora Benedita da Silva, e as mulheres daqui e as da Câmara dos Deputados iniciaram, nesta Legislatura, um movimento no sentido da valoração da mulher - um percentual maior de mulheres nas nominatas e candidatos - parecia que era um movimento a mais. Mas hoje vemos que esse importante, sério e correto movimento aos poucos vem ganhando campo. Ou seja, as mulheres vêm ocupando suas posições. Na verdade, isso veio de uma maneira muito mais rápida do que imaginamos. V. Exª tem toda razão de estar na tribuna. Não há dúvida. Há pouco tempo quem falava de uma mulher ocupar uma Cadeira na Academia Brasileira de Letras? E até o mês passado quem falava que no meio de todos aqueles homens sairia como Presidente uma mulher? Pois bem, a escritora Nélida Piñon foi eleita. V. Exª está fazendo um apelo muito importante. S. Exª tem nas mãos a possibilidade de avançar. É claro que a Academia Brasileira de Letras é importante, é respeitável, mas ela deve avançar. Além de reunir os intelectuais, os imortais, de tomar o chá das cinco, além de tudo o mais, tem condições de abrir uma discussão em cima de temas que podem dizer respeito à cultura, mas também que interessam à sociedade, em geral. Por exemplo, o debate de que a cultura não é um privilégio de uma elite, mas que todo ser humano, que é social, tem condições de ter cultura, e o direito a isso. Essa é uma grande tese, que a primeira mulher eleita para a Presidência da Academia tem condições de levar adiante. V. Exª tem toda razão em sentir euforia, porque este é um momento de grande euforia, significando que está havendo uma transformação. Vivemos uma época ridícula e estúpida. Se metade do mundo é constituída de homens e a outra metade de mulheres, por que as grandes obras, as grandes pinturas, as grandes músicas, praticamente, são feitas por homens? Porque não se deu chance às mulheres. Ou será que alguém, ridiculamente, imagina que seja porque os homens têm condições e as mulheres não? É porque elas não tiveram chance - uma sociedade machista, organizada de uma forma ridícula, impediu que a tivessem. É verdade que há um aspecto - V. Exª há de concordar - que merece ser discutido, ou seja, a presença do filho, da família. A mulher realiza-se por um lado; embora não tenha tido um papel social de destaque, não tenha tido ou tenha perdido chances enormes de se realizar profissionalmente, ela sempre se realizou como mãe. Se a família existiu, cresceu e se desenvolveu, foi porque ela carregou o fardo da manutenção dos filhos, com o carinho, o afeto, o amor e a seiva necessária para que aquele ente prosperasse. Porém, no mundo moderno, nesta realidade, a mulher chegou à conclusão de que tem condições de desenvolver uma dupla tarefa. Durante muito tempo, nobre Senadora, quem desenvolveu essa dupla tarefa foram as mulheres simples. Sou da cidade de Caxias do Sul; quando os imigrantes italianos lá chegaram, foi feita uma reforma agrária na região, em que se deu 25 hectares de terra - no meio do mato, sem absolutamente nada, há 150 anos - para as famílias. Eles lutaram e trabalharam. Ali, a mulher já tinha dupla jornada de trabalho: fazia a comida, alimentava os filhos, cuidava deles e da casa e também ia com o marido trabalhar, lá no meio da mata, plantando, colhendo, numa tarefa igual à do marido. Quando esse, nos finais de semana, ia jogar bocha, ia às festas, ia se divertir, ela fazia os serviços permanentes da casa. Ainda hoje, quantas mulheres, que são operárias, trabalham para manter o lar junto com o marido e também fazem os trabalhos domésticos! Se ela pode fazer isso, por que não pode também ser intelectual, médica, empresária, artista, avançando em seu papel na sociedade? Isso ela está fazendo agora. Se V. Exª observar qualquer universidade, irá verificar que o número de mulheres que nela ingressam é quase o dobro do número de homens. Isso acontece nas universidades e em outras áreas. Recentemente, no último concurso realizado no Rio Grande do Sul, foram aprovados sete candidatos para o cargo de Procurador - sete mulheres. Não falo somente palavras bonitas, para dizer que a mulher tem mais ternura, mais afeto, mais sensibilidade - o que é verdade; o mais importante é que a outra metade do mundo que ainda não tinha tido chances agora vai ter. Além disso, a mulher tem mais sensibilidade, competência e condições para decidir. Também possui mais espírito de abnegação - é só observarmos os presídios, os índices de violência, para constatar que é infinitamente maior o número de homens que cometem crimes do que o de mulhres. V. Exª tem toda a razão. Viva a Srª Nélida! Que ela represente o novo alvorecer da sociedade brasileira. Meus cumprimentos a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que dispensa qualquer comentário.

Parabéns a Nélida Piñon! Esperamos que em sua gestão, a Academia centenária não se resuma à saudade e ao silêncio. Que não seja apenas o solitário busto do negro Machado de Assis. Mais, muito mais. Será que pelas mãos suaves de Nélida Piñon retomará a rebeldia e regressará às origens, agora que o século vai acabar? É o que espero.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/1996 - Página 20848