Discurso no Senado Federal

AVANÇOS SIGNIFICATIVOS ALCANÇADOS PELO PODER PUBLICO, NO QUE TANGE A EDUCAÇÃO NO PAIS. URGENTE NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DE IMPERIOSA MUDANÇA DOS PADRÕES DA EDUCAÇÃO BASICA, ESPECIALMENTE DO ENSINO FUNDAMENTAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • AVANÇOS SIGNIFICATIVOS ALCANÇADOS PELO PODER PUBLICO, NO QUE TANGE A EDUCAÇÃO NO PAIS. URGENTE NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DE IMPERIOSA MUDANÇA DOS PADRÕES DA EDUCAÇÃO BASICA, ESPECIALMENTE DO ENSINO FUNDAMENTAL.
Aparteantes
Mauro Miranda.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/1996 - Página 20852
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • BALANÇO, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, MELHORIA, ENSINO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, MATRICULA, CRIANÇA.
  • NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO BASICA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PAULO RENATO SOUZA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), CONTINUAÇÃO, TRABALHO, MURILIO HINGEL, EX MINISTRO DE ESTADO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ENSINO MEDIO, SEGUNDO GRAU, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, ENSINO SUPERIOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não foram poucas as vezes em que, ao longo deste ano, vim a esta tribuna para discutir um tema absolutamente fundamental para o Brasil - a educação. No momento em que encerramos nossos trabalhos legislativos, julgo oportuno voltar ao assunto, na tentativa de proceder a uma espécie de balanço do que foi possível fazer, dos eventuais êxitos e insucessos, das idéias ou propostas que ainda não se materializaram.

Tenho, para mim, que o quadro da educação brasileira, sobretudo aquele que envolve diretamente o Poder Público, se não é tranqüilizador, pelo menos ultrapassou o campo da tragédia. Se muitos de seus resultados são ainda inaceitáveis - como o índice de repetência, os indignos salários dos professores, a frágil formação dos profissionais do magistério, por exemplo -, há que convir que avanços significativos foram obtidos.

Em primeiro lugar, pode nosso País se orgulhar, nos dias de hoje, de garantir matrícula a cerca de 95% das crianças em idade escolar. Se ainda não é o ideal, e isso somente será possível quando atingirmos a cobertura total das crianças com sete anos de idade, estamos próximos da conquista e, com os números que ostentamos atualmente, chegamos a um patamar aceitável em termos internacionais.

Duas questões, no entanto, se colocam de imediato, e sua resolução irá exigir vontade política, firmeza de decisão e imprescindível parceria entre a sociedade e os Poderes constituídos. Refiro-me à urgente necessidade de ampliação da educação infantil - antigamente chamada de pré-escola - e à imperiosa mudança dos padrões de educação básica, especialmente do ensino fundamental, composto de oito séries.

No primeiro caso, Sr. Presidente, pode-se dizer, com o apoio da experiência acumulada por vários países e por inúmeros estudos produzidos por especialistas de renome internacional, que a educação infantil não pode mais ser vista como "excesso de cuidados" ou "exagero de pais abonados". Na realidade, ao receber cuidados de uma escola preparada para trabalhar com essa faixa etária, a criança não apenas desenvolve hábitos de socialização como efetivamente se prepara para a alfabetização. Assim, ao lado das práticas lúdicas tão necessárias ao crescimento saudável, a criança também é levada a conhecer os rudimentos da língua e a ter os primeiros contatos com as operações matemáticas básicas.

O óbvio resultado desse trabalho será conferido já nas primeiras series do ensino fundamental. Dadas as pré-condições, o aluno contará com muito mais facilidade para assimilar os novos conteúdos, necessariamente mais complexos, e, desse modo, inverter radicalmente os índices de repetência que hoje nos envergonham.

O segundo ponto - a performance da educação básica - é, muito provavelmente, a mais crítica questão a envolver nosso sistema educacional. Superada a barreira do acesso à escola -repito, nosso problema deixou de ser arquitetônico, não é mais alguma coisa a ser resolvida com tijolos e cimento, a despeito de tantos interesses que, neste caso, são contrariados -, o enorme desafio que temos pela frente é a qualidade do ensino. Para vencê-lo, há que se ter clareza quanto aos alvos a serem atingidos, um eficiente e contínuo sistema de avaliação, recursos em quantidade e adequadamente aplicados, real profissionalização do magistério e, tão ou mais importante, o efetivo comprometimento da comunidade com sua escola.

O que foi ou está sendo feito nesse campo? Por uma questão de justiça, deve-se lembrar do trabalho que o Ministério da Educação e do Desporto começou a desenvolver no Governo de Itamar Franco, quando da gestão do Ministro Murilo Hingel. Ao assumir integralmente o Projeto "Educação para Todos", coordenado por órgãos e agências das Nações Unidas e envolvendo os dez países mais populosos e com maiores taxas de analfabetismo em todo o mundo, Hingel desencadeou o Plano Decenal de Educação para Todos. Em um espaço de cerca de dois anos, União, Estados e Municípios, comunidade escolar, organizações não-governamentais se mobilizaram de maneira a permitir que, ao fim de um trabalhoso e democrático processo, as propostas aprovadas pudessem ser materializadas.

Foi o que ocorreu entre os últimos dias de setembro e o início de outubro de 1994. Reunidos em Brasília, delegados vindos de todas as partes do País deram vida à Conferência Nacional de Educação para Todos, em cuja sessão de encerramento foi aprovado o texto consolidado que serviria de diretriz para o Plano Decenal. Pouco tempo depois, em cerimônia no Palácio do Planalto, contando com a presença do então Presidente Itamar Franco, era assinado um acordo nacional pelos representantes das três esferas governamentais e da sociedade. Assim, com a chancela da União, via Ministério da Educação e do Desporto, do Conselho dos Secretários Estaduais de Educação, dos Conselhos Estaduais de Educação, CONSED, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, a UNDIME, e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, CNTE, era divulgado um documento voltado para o fortalecimento da educação básica e valorização do magistério, inclusive fixando cronograma para a implantação do piso salarial dos professores.

Iniciada a administração de Fernando Henrique, algo de muito positivo aconteceu. Para um País acostumado à descontinuidade administrativa, em que cada novo governo tem pretensão de reinventar a roda, na presunção que a história se inicia com ele, as metas propostas pelo novo titular do MEC, Paulo Renato de Souza, não conflitavam com o que estava sendo posto em prática. Assim, mesmo que nem sempre se explicitasse isso, foram mantidas determinadas políticas na área educacional, algumas das quais positivamente ampliadas e aprofundadas.

Foi assim que o programa de descentralização da merenda escolar continuou sua marcha, indo além: o dinheiro que já estava chegando ao município acabou por ser entregue à própria escola. Foi assim com os recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), descentralizados a partir de critérios bem definidos e, principalmente, com a política que privilegia a educação básica. Apesar de discordar de alguns aspectos presentes no Plano Decenal, o atual Governo assumiu integralmente a causa, culminando com a proposta de emenda constitucional, felizmente aprovada, que instituiu o Fundo de Valorização do Magistério e a alteração das cotas e dos mecanismos de distribuição do salário-educação.

A criteriosa análise dos livros didáticos a serem adquiridos e distribuídos pela Fundação de Assistência ao Estudante, a FAE, às escolas públicas de ensino fundamental, assim como a preocupação de fazê-los chegar às mãos dos alunos em tempo hábil, são atitudes tomadas pelo MEC e que contribuem, sem dúvida alguma, para a melhoria do desempenho escolar.

Outro ponto a ser destacado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diz respeito à tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a tão discutida e aguardada. Com projeto inicial apresentado à Câmara dos Deputados no já distante ano de 1988, o Senado Federal finalmente conseguiu se pronunciar e, aprovando o Relatório do Senador Darcy Ribeiro, pôde encaminhar a matéria para nova manifestação da Câmara. Não se trata, aqui, de tecer comentários sobre as alterações promovidas por esta Casa ao projeto que recebeu há dois anos. O importante é que o assunto está presente a ser resolvido, concluindo um penoso processo que se arrasta há tanto tempo.

Embora saibamos todos que uma lei, por melhor que seja, não tem o poder mágico de resolver os graves problemas da educação, também temos consciência de que um instrumento legal adequado desempenha importante papel no estabelecimento dos rumos corretos para o sistema educacional. É por isso que esperamos a aprovação do projeto, que poderá acontecer amanhã em exame na Câmara dos Deputados, com o sentimento de que a nova lei possa realmente fixar diretrizes e bases de uma educação atenta ao seu tempo e em condições de responder satisfatoriamente às necessidades do conjunto da sociedade.

Concluindo o quadro da educação básica, temos o ainda chamado "segundo grau". Eis um setor de crescente importância na atualidade, cujos deploráveis resultados exigem rápida e eficiente intervenção governamental. Em primeiro lugar, porque atende a um número absurdamente reduzido de adolescentes e jovens brasileiros. Estatísticas recentes nos informam que menos de 40% da clientela potencial são absolvidos por esse nível de ensino. Ora, numa época de economia profundamente internacionalizada, em que a competição extremada requer altas taxas de produtividade, como forma de o País não ser tragado pela concorrência, o mínimo que se espera é que a mão-de-obra seja qualificada, num contínuo e permanente processo educativo.

Nesse sentido, é fundamental que toda a educação básica - claramente entendida como ensino fundamental e ensino médio - seja oferecida a todos, com qualidade e sem exclusão. A média de quatro anos e meio de escolaridade do trabalhador brasileiro é ridícula, sob o ponto de vista econômico, e inaceitável, sob o prisma ético-político da cidadania. Além disso, há que se ressaltar o péssimo desempenho daqueles que conseguiram entrar e cursar o nível médio.

Os resultados da mais recente avaliação nacional, divulgados há bem pouco tempo, mostram nitidamente o quanto precisa ser mudado no ensino médio. A pesquisa serviu, ainda, para desmistificar a tese, segundo a qual a educação oferecida pelas instituições privadas estariam muito à frente daquela oferecida pela rede pública. Ao contrário, o que os números mostraram foi uma total equivalência das particulares com as estaduais e as municipais e, atenção, todas elas bem abaixo da rede federal - escolas técnicas, agrotécnicas e colégios de aplicação mantidos por universidades. Aliás, o desempenho positivo da Rede Nacional de Educação Tecnológica aponta para os cuidados que devem ter aqueles que sugerem sua drástica transformação.

O ensino superior esteve na berlinda, talvez pela necessária ênfase que se conferiu ao ensino fundamental. Dois temas estiveram na Ordem do Dia, ao longo do ano: a configuração de uma autêntica autonomia universitária e a aplicação, pela primeira vez, do Exame Nacional de Cursos. Em ambos os casos, apesar de serem atitudes meritórias, parece ter faltado uma dose de habilidade política na apresentação e na discussão das propostas. Talvez tenha deixado de existir, por parte de quem abriu a discussão, a sempre bem-vinda humildade de se colocar na posição de interlocutor, aberto ao que o outro lado tenha a dizer, ainda que dele discorde. Assim, as universidades federais puseram-se na defensiva quanto ao projeto de autonomia e ajudaram a questionar a validade do chamado "provão".

O Ministério da Educação está promovendo, nesta semana, aqui, em Brasília, um amplo seminário para fazer toda essa avaliação das políticas que já conseguiu implementar e das propostas que tem para o ensino fundamental e o ensino de segundo grau, técnico e de nível superior no Brasil. O Ministro Paulo Renato está pessoalmente coordenando esses trabalhos e recebendo sugestões de toda a comunidade educacional do País.

Não sei se por falha de comunicação ou por morosidade mesmo o próprio Conselho Nacional de Educação parece não ter tido a agilidade que dele se esperava em relação ao estabelecimento de normas e condições para a autorização de funcionamento e para o reconhecimento de cursos superiores, assim como para a criação ou transformação de universidades. Aí está um setor que precisa se expandir, onde o Poder Público não tem mais como investir, mas no qual não pode abrir mão de sua presença supervisora, até mesmo como garantia de qualidade do ensino.

O Ministro Paulo Renato está propondo agora que as instituições privadas de ensino superior publiquem seus balanços, o resultado financeiro da sua atividade e sugere que 60% do que a universidade particular ou as instituições de ensino superior particulares arrecadem seja convertido também em fundo para remuneração dos professores.

Ao finalizar, Sr. Presidente, reitero minha opinião de que o panorama da educação brasileira está sendo transformado. Seja porque a sociedade está mais consciente de seus direitos e luta por vê-los garantidos, seja porque o próprio mercado requer produtores e consumidores mais qualificados, seja porque o Estado brasileiro, com o Presidente Fernando Henrique à frente e o Ministro Paulo Renato, está redescobrindo suas funções singulares e essenciais, o certo é que estão deixando para trás o descompromisso, o descaso para com a educação.

O Sr. Mauro Miranda - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Mauro Miranda.

O Sr. Mauro Miranda - Senador Lúcio Alcântara, quero parabenizá-lo pelo seu pronunciamento e integrar-me dentro dele. Embora não pertença ao Partido do Ministro Paulo Renato, reconheço nele um dos melhores Ministros do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem tido a coragem de assumir determinadas responsabilidades que nenhum outro Ministro da Educação fez até hoje, de descentralizar a questão da merenda escolar, de instituir o voto e o provão, que gerou tanta polêmica, mas que sacudiu toda a universidade brasileira. De um modo geral, houve os que discordaram e os que foram a favor, mas o provão foi um marco histórico na educação universitária brasileira. Agora, também introduz essa medida de requisitar nos meios dos profissionais liberais para que se adaptem rapidamente para fazer quase que um mutirão de um professorado mais preparado. Congratulo-me com V. Exª por esse pronunciamento e com o Presidente Fernando Henrique Cardoso por ter escolhido um excelente Ministro para a área de educação, neste momento, que marca decisivamente uma nova época na educação brasileira.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem razão, Senador Mauro Miranda, porque o Ministro Paulo Renato, naturalmente dentro da orientação geral do Governo, traçada pelo Presidente Fernando Henrique, vem introduzindo modificações substanciais em relação à política de educação no Brasil. E V. Exª referiu-se a várias delas, como a descentralização da distribuição da merenda escolar, a dotação das escolas com equipamentos de vídeo e de antenas parabólicas para captação de cursos de ensino a distância, de adestramento dos professores, a proposição de reforma da Constituição e por meio de projetos de lei que o Senado, assim como a Câmara dos Deputados, aprovaram. Tudo configura um panorama novo da educação e espero que essas providências, implantadas o mais rapidamente possível, aliadas agora - acredito que o Ministro está com esse desafio nas mãos para o ano de 1997 - a mudanças no ensino superior, que são da maior importância.

Nós todos, aqui, durante este ano, viemos à tribuna para reclamar do problema dos hospitais universitários, da questão dos salários dos professores de ensino superior, do desaparelhamento das universidades brasileiras - eu mesmo tenho colocado isto como desafio para o Ministro - e, certamente, precisamos encarar essa questão do ensino superior no Brasil, porque sem uma elite capacitada do ponto de vista científico e tecnológico, também será impossível romper essa barreira do subdesenvolvimento e da pobreza.

Por fim, conseguimos, como dizia, fazer da educação um tema importante na agenda nacional: no Parlamento, na imprensa, no sindicato, em todo o lugar, a educação tem sido colocada como objeto de debate. Isso é muito bom. É sinal de que estamos em um caminho para a construção de um País preocupado em superar as suas deficiências estruturais e fazer dos seus habitantes autênticos cidadãos.

A educação deixou de ser a prioridade retórica para ser uma prioridade real do Governo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/1996 - Página 20852