Discurso no Senado Federal

MUDANÇAS NAS SOCIEDADES DOS PAISES E NA PRODUÇÃO MUNDIAL, EM VIRTUDE DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO. POLITICA EXTERNA.:
  • MUDANÇAS NAS SOCIEDADES DOS PAISES E NA PRODUÇÃO MUNDIAL, EM VIRTUDE DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA.
Aparteantes
Benedita da Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/1996 - Página 20627
Assunto
Outros > DESEMPREGO. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, MUNDO, AMBITO, SOCIEDADE, PRODUÇÃO, DESEMPREGO.
  • ANALISE, MOTIVO, DESEMPREGO, ESPECIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, RECESSÃO, ECONOMIA.
  • COMPARAÇÃO, POLITICA DE EMPREGO, PAIS ESTRANGEIRO, OPÇÃO, REDUÇÃO, SALARIO, OBJETIVO, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO.
  • CRITICA, OPÇÃO, CONTRATO DE TRABALHO, CARATER PROVISORIO, DEFESA, POLITICA, GOVERNO, CRIAÇÃO, EMPREGO, BRASIL.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, RENUNCIA, ASSINATURA, CONVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos assistindo, nos dias de hoje, ao movimento de internacionalização, de globalização da economia. Não sei dizer se isso é bom ou mau - talvez haja uma parte boa e uma parte má em tudo isso.

Estamos assistindo a grandes transformações nas sociedades dos países e nos blocos econômicos que se têm formado: mudanças nos sistemas de produção, no intercâmbio econômico entre os países, e todas essas mudanças repercutem dramaticamente na vida dos trabalhadores. Muitos, inclusive, têm afirmado que o mal deste fim de milênio é o desemprego. Autores de diferentes correntes econômicas e políticas se unem para declarar o desemprego a praga deste fim de século.

A expressão é de Roberto Campos. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, ele fez, inclusive, uma epígrafe muito interessante sobre a diferença entre recessão e depressão, econômicas evidentemente. Diz ele: "No primeiro caso - no caso da recessão - os meus amigos ficam desempregados. No segundo - a depressão - eu é que fico desempregado", segundo expressão de um líder sindical americano citado por ele.

O brilhante sociólogo e cientista político americano Rifkin publicou um livro que se chama "O Fim dos Empregos", onde afirma, entre outras coisas, que há 800 milhões de desempregados em todo o mundo, o maior número desde a depressão dos anos 30, e que a terceira grande revolução industrial vai ser muito diferente das anteriores.

Há, portanto, uma preocupação enorme em relação ao emprego e às oportunidades de trabalho diante desse novo cenário da economia.

Em função dessas transformações, existem desempregos que resultam de alterações estruturais. Todos sabemos que o avanço tecnológico resulta, na maioria das vezes, na produção a custo mais baixo e na produção mais moderna, mas, por outro lado, ele acarreta liberação de mão-de-obra e, portanto, desemprego. Esse é o chamado desemprego estrutural. E há, também, o desemprego que resulta da recessão econômica, da falta de desenvolvimento, da falta de criação de novas oportunidades de trabalho.

O Brasil lança, anualmente, no mercado de trabalho, um contingente enorme de pessoas, e apenas uma pequena parte é absorvida pela economia, ou seja, encontra uma oportunidade de trabalho. Assim, se o Brasil só cresce 3% a 3,5% ao ano, como vem acontecendo nos últimos anos, e lança essa massa enorme de pessoas no mercado de trabalho, o que se vê é que, apesar de o número de empregos ter aumentado, o número de desempregados também aumentou, porque a oferta de mão-de-obra é muito maior do que o número de postos de trabalho criados.

O que se vê no mundo inteiro, hoje, são duas tendências, que estão muito bem tipificadas nos Estados Unidos e na União Européia. Hoje, os Estados Unidos apresentam uma taxa de emprego que talvez seja uma das maiores de toda a sua história; praticamente não há desemprego. Só que esses empregos novos foram criados à custa da redução do salário médio dos trabalhadores. Quer dizer, há mais empregos nos Estados Unidos, mas as pessoas estão ganhando menos do que ganhavam anteriormente.

Por outro lado, na União Européia, o número de empregados caiu muito; há muito desemprego. A Espanha, por exemplo, tem taxas elevadíssimas de desemprego, de 14% a 16%; a França também convive com altas taxas de desemprego. Ocorre que, na União Européia, o valor dos salários se manteve praticamente o mesmo, não houve queda.

Portanto, a questão do desemprego pode ser enfrentada de duas maneiras: ou se aumenta o número de empregos reduzindo-se os salários, ou seja, à custa de perdas salariais e de perda de privilégios dos trabalhadores, ou, então, se mantém o valor dos salários, mas se aumenta bastante o desemprego. A primeira situação parece ser a que está dominando o cenário mundial. É aquilo que Simon Schwartzman, Presidente da Fundação IBGE, chamou um dia desses, em artigo no Jornal do Brasil, de "precarização do emprego".

Isso quer dizer que não se pode mais alimentar aquele sonho de um emprego estável, com salários constantes, sem risco de desemprego, o sonho de se trabalhar durante toda a vida útil em uma mesma empresa. A pretexto de se aumentarem as oportunidades de trabalho, o número de postos de trabalho, está-se reduzindo-se os salários, retirando-se garantias sociais, e com isso está-se precarizando o emprego, ou seja, tornando-o muito mais instável, muito mais inseguro.

Mesmo aqui no Brasil, estamos vendo algumas providências nessa direção. A Câmara acabou de aprovar o projeto do chamado emprego provisório, pelo prazo de dois anos, em que o trabalhador perde alguns direitos que tem no seu contrato de trabalho regular.

A Itália acabou de criar a situação do contrato provisório de trabalho. A Espanha também o fez, só que ali o que ocorre hoje é que cerca de 50% de todos os contratos de trabalho existentes estão sob a forma de contrato provisório.

O que se deseja com isso é facilitar as empresas, facilitar a situação dos empresários para que eles contratem mais pessoas. Na verdade, o empresário não pratica filantropia: ele contrata os empregados de que necessita para o negócio. Se a empresa produz mais, tem mais mercado, ele contrata mais; se os negócios diminuem, não há mercado, não há produção, ele contrata menos. O empresário baliza o recrutamento de mão-de-obra não pela sua consciência social, por mais recursos que ele tenha, porque, do contrário, seu negócio correrá perigo. Ele contrata apenas o número de pessoas que precisa, seja o contrato precário ou não.

Precisamos analisar com cautela para saber até que ponto essas medidas econômicas podem, de fato, aumentar as possibilidades de trabalho no Brasil. As medidas relacionadas com a microempresa podem favorecer o desenvolvimento da economia, criar postos de trabalho, propiciar o surgimento de novos empresários e uma série de outras soluções que envolvam maior mobilização da comunidade e mais oportunidades de trabalho. É preciso termos cuidado nessa análise, para saber se realmente estamos contribuindo para aumentar a oferta de emprego com medidas como o contrato provisório, ou se estamos apenas criando empregos inseguros, precários, que em nada beneficiam o trabalhador.

A Srª Benedita da Silva - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, Senadora Benedita da Silva.

A Srª Benedita da Silva - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª enfoca um tema realmente preocupante. Já diz a música popular brasileira que "sem trabalho o homem não tem honra". Sabemos que é importante criar condições de empregos, mas empregos seguros e não pura e simplesmente frentes de trabalho momentâneas que dão a ilusão de que há trabalho, mas que, na realidade, não dão emprego. V. Exª sabe perfeitamente que não podemos conviver com os atuais índices de desemprego. Mas não podemos também, nesta época, deixar de implementar alguma política que garanta, ainda que por tempo limitado, essas frentes de trabalho, tal é o nível de desemprego e as dificuldades sociais que estamos criando. Evidentemente, não podemos contar apenas com a ação social dos empresários, porque ela inexiste. A política de criação de empregos deve ser prioridade não apenas em nossos discursos, mas também em nossas ações em prol de uma solução verdadeira, imediata e sólida. Senador Lúcio Alcântara, V. Exª é um orador que sempre trata de temas que são motivo de preocupação nacional e internacional. Neste aparte, gostaria de enfatizar a necessidade de incrementarmos nossas políticas públicas, porque elas certamente criarão mais empregos para a população. Na medida em que tratarmos do saneamento e da habitação popular, estaremos criando empregos, que não serão poucos, pois esses setores envolvem não apenas o trabalho nas diversas áreas da construção civil - alicerce, alvenaria, acabamento -, mas também outras atividades comerciais paralelas, como, por exemplo, a produção de comida para os trabalhadores, atividade que pode envolver quase toda uma família. Promovendo-se uma boa política de saneamento básico e de habitação popular, teremos condições de dar empregos a muita gente durante muitos anos. Portanto, compartilho da preocupação de V. Exª e reitero minha recomendação no sentido de levarmos os nossos governantes, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, a implementar políticas públicas que garantam emprego. Muito obrigada a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senadora Benedita da Silva.

Portanto, temos que encarar este aparente dilema que se nos apresenta: criar empregos mais precários e inseguros para um maior número de pessoas, ou criar empregos seguros e estáveis para um menor número de pessoas e, conseqüentemente, enfrentar altas taxas de desemprego. Mas parece que não é bem assim. Há uma outra solução - V. Exª, inclusive, apontou uma delas a que eu ia me referir: é justamente a implementação de políticas públicas que podem gerar empregos. Não se trata de empregos públicos, isso é outra coisa. Não estou falando em aumentar o número de funcionários públicos; estou falando de políticas públicas que aumentem a oferta de empregos.

No ano passado, esteve aqui no Senado, na Comissão de Assuntos Sociais, o Sr. Ignacy Sachs, polonês que vive em Paris e estuda muito a economia brasileira. Ele falou sobre planos da Índia e China, que têm grandes programas de criação de emprego a partir de políticas públicas.

A França está convivendo com o problema do desemprego. Li na Folha de S. Paulo matéria sobre as soluções que ela está encontrando. Pedi informação à Embaixada francesa e recebi a seguinte resposta: a França faz projeto antidesemprego e reinsere no mercado de trabalho 300 mil pessoas mediante o que eles chamam de contratos de iniciativas locais. Seriam empregos de, no mínimo, 30 horas semanais no setor de serviços, remunerados com base no salário mínimo horário. Os contratos seriam propostos por coletividades locais e associações e seriam criados num período de cinco anos. O Estado subvencionaria esses empregos durante certo tempo. Os principais programas dessa lei são chamados renda mínima de inserção, alocação de solidariedade específica e alocação de parente isolado e têm, respectivamente, 950 mil, 450 mil e 150 mil beneficiários. Quer dizer, pelos números citados, mais ou menos um milhão e meio de empregos estão sendo criados na França por meio de um projeto antidesemprego, e seu Governo é conservador! O vencedor das últimas eleições na França, o Presidente Jacques Chirac, é considerado uma das estrelas do liberalismo. No entanto, está desenvolvendo uma política de criação de empregos.

V. Exª disse muito bem: um homem sem emprego é um homem sem futuro, um homem sem perspectiva, um homem sem esperança e a caminho da marginalização, ele e a família dele.

Por fim, quero mencionar ainda que, nesse contexto de alterações da política de emprego ou das relações trabalhistas no Brasil, houve recentemente a denúncia a respeito da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho. Sinceramente fiquei surpreso com isso, porque o Brasil foi signatário dessa convenção. Nós a aprovamos no Senado, e, de repente, nosso Governo resolve renunciar à condição de signatário dela.

Tudo isso é motivo para refletirmos e nos empenharmos na mobilização social pela criação de empregos. É claro que isso envolve também uma política educacional. Ontem aprovamos aqui um projeto de grande importância para o Brasil. Agora vamos dar, de fato, prioridade ao ensino fundamental. Aqui, no Brasil, o mercado de trabalho já está rejeitando quem não tem o 1º grau completo, situação de 52% dos brasileiros, e rejeitando quem, após determinada idade, perde o seu trabalho. Essas pessoas não têm oportunidade de conseguir novo emprego. O mercado desemprega, e o trabalhador não é reciclado para que possa ter outra oportunidade em atividade diferente. Essas são questões que realmente suscitam muito debate e discussão.

Levanto aqui esse tema, porque muitas vezes ele não figura em nossa pauta de trabalho. Apelo para o Presidente Fernando Henrique, a fim de que Sua Excelência, com a sua face social-democrata, invista cada vez mais no programa de criação de oportunidades de trabalho e de amparo ao trabalhador, inclusive melhorando as condições do seguro-desemprego, que não pode ser abandonado, sobretudo num momento de transformações econômicas que se dão com liberação de mão-de-obra.

Essa era a razão da minha intervenção na manhã de hoje, confiante de que o Governo possa mobilizar todos os seus Ministros, Ministérios e agências governamentais, para, no contexto de uma política mais ampla, preocupar-se de maneira decisiva com o desemprego no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/1996 - Página 20627