Pronunciamento de Benedita da Silva em 13/12/1996
Discurso no Senado Federal
VIAGEM DE S.EXA. A ALEMANHA, PARA PARTICIPAR DE CAMPANHA ORGANIZADA POR ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS CONTRA O TRABALHO INFANTIL. EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS NAS PLANTAÇÕES DE LARANJA NO PAIS.
- Autor
- Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIAL.:
- VIAGEM DE S.EXA. A ALEMANHA, PARA PARTICIPAR DE CAMPANHA ORGANIZADA POR ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS CONTRA O TRABALHO INFANTIL. EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS NAS PLANTAÇÕES DE LARANJA NO PAIS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/12/1996 - Página 20646
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- REGISTRO, LANÇAMENTO, CAMPANHA, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, ORGANIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), OPOSIÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, CULTIVO, LARANJA, PRODUÇÃO, SUCO NATURAL, BRASIL.
- OBJETIVO, CAMPANHA, FISCALIZAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, EFEITO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL.
- NECESSIDADE, ANALISE, PROBLEMA, TRABALHO, CRIANÇA, RELAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, ESPECIFICAÇÃO, AMBITO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
- ANALISE, EXPECTATIVA, ALTERAÇÃO, MERCADO EXTERNO, LARANJA, NECESSIDADE, QUEBRA, MONOPOLIO, PRODUÇÃO, SUCO NATURAL, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO.
A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, em primeiro lugar, eu gostaria de dizer a V. Exª que desnecessárias se tornam as suas explicações porque compreendi perfeitamente, mas, de qualquer forma, agradeço-lhe a gentileza.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, hoje, falar a respeito da minha viagem à Alemanha. Fui convidada para participar da abertura de uma campanha que tem suas raízes no Brasil. E por quê? Porque trata verdadeiramente do trabalho infantil. Estamos assistindo, no País, a uma triste realidade: as crianças brasileiras estão perdendo sua infância, estão sendo exploradas.
Essa é uma campanha de grupos e de organizações não- governamentais. Desde a Câmara dos Deputados tenho defendido a criança. Também tenho acompanhado as CPIs instaladas no Congresso Nacional, primeiro na Câmara dos Deputados e, mais recentemente, no Senado Federal. A CPI desta Casa, presidida pela ilustre Senadora Marluce Pinto, está investigando a exploração do trabalho infantil.
Faço, com muita consciência, esta intervenção porque entendo que para nós há um desafio muito grande, pois sabemos que as desigualdades sociais existentes no País fazem com que tenhamos de conviver com a chamada mão-de-obra infantil. O que estamos observando não é apenas a convivência com a mão-de-obra infantil; é a convivência com a mão-de-obra infantil explorada, escravizada.
Essa campanha tem um lema que considero relevante e quero comentá-la desta tribuna. É uma campanha pelo "Suco Justo". E por que isso? Porque sabemos que existe considerável mão-de-obra infantil no plantio e na colheita de laranja no Brasil.
No Brasil há três milhões e meio de crianças trabalhando, segundo dados oficiais, que não computam aquelas com menos de 10 anos, apenas as com idade entre 10 e 14 anos. São 3 milhões e meio de crianças trabalhando na agricultura. E o Brasil detém 46% do mercado mundial de sucos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um enorme desafio saber qual é a situação, na economia brasileira, da mão-de-obra, já que o Brasil exporta 60% do suco que produz para o mundo.
Sabemos que a União Européia consome 62% dessa exportação. A Alemanha, que é um dos maiores importadores, compra aproximadamente 200 mil toneladas de suco, por ano, do Brasil. Noventa e quatro por cento do suco que a Áustria consome é proveniente do Brasil. A Suíça também consome suco do Brasil.
Observaram esses países e essas organizações não governamentais que o nosso suco chega às suas mesas por um custo muito baixo, por não ser levada em conta a situação da mão-de-obra do país de onde eles têm importado esses sucos.
E quero aqui apontar alguns pontos que me chamam a atenção nesse particular: São Paulo concentra 80% da produção de laranjas do País. Sabemos que cada caixa vale 18 centavos de dólar para quem a colhe - apenas 18 centavos de dólar; e que cada caixa vale U$2,10 para o produtor. Uma caixa de laranjas pesa 28 quilos e uma criança enche 80 caixas por dia, num total de 2 toneladas ao dia - esta é a média. A criança que trabalha na colheita nasce e morre nos laranjais, sem que seja criada uma nova perspectiva para ela.
Por isso, é importante e justificada a campanha do "Suco Justo", pois seu objetivo é melhorar a situação dessas crianças nas plantações.
Uma ação ecumênica de jovens da Alemanha, em parceria com gente do Brasil, considera importante levar até as escolas - e tem feito isso - , para as crianças, que consomem muito suco, a informação de que elas estão tomando aquele suco enquanto outras crianças não estão na escola, pois, naquele momento, carregam caixas de laranjas.
Criou-se então uma organização, que é como a Confederação das Organizações Não-Governamentais, que se chama Transfer. Esse organismo tem a sua ação desenvolvida em países democráticos, onde não há exploração à criança ou qualquer discriminação, e mantém rigorosa fiscalização nas negociações e vendas nos países onde atua. Ela tem interesse em atuar no Brasil, porque ela já tem experiência na fiscalização do comércio do café, do chocolate, do chá, etc, para atingir objetivos sociais.
A campanha dessa organização tem, prioritariamente, a finalidade de utilizar a fiscalização dos negócios para obter ganhos na área social.
Sabemos que há 450 pequenos produtores, na América e na Ásia, que, junto com a Transfer, comercializam os seus produtos com o fim de obter o retorno social.
Nessa campanha também contamos com centrais de consumidores desses países, porque entendemos que é uma solidariedade em patamar mais elevado.
Neste momento eu gostaria de chamar a atenção da Casa para o fato de que estamos realmente vivendo um novo momento no intercâmbio internacional. Sabemos que existe uma nova onda de preocupação com as cláusulas sociais. E o que a primeira reunião da Organização Mundial do Comércio estabeleceu como princípios sociais? Que não se deve ter trabalho infantil; que não se deve ter trabalho escravo; que não se deve ter discriminação racial, de gênero, etc.
Então, é bom lembrar aos que estarão, neste final de semana, participando, em Fortaleza, da reunião do Mercosul, que o Mercosul está nivelando por baixo a questão social. É extremamente importante levar em consideração o que se está fazendo, porque nós sabemos que a laranja é importante para a economia do Brasil.
Por isso, eu quis fazer o paralelo e trazer para a tribuna esse problema. Não podemos dissociar o trabalho infantil do crescimento econômico, precisamos entender o problema da mão-de-obra, porque há os que, sem uma visão social mais ampla dos direitos humanos, acham que, por serem pobres, as crianças devem ser exploradas. Evidentemente, existe, até por iniciativa familiar, a necessidade social de colocar o filho primeiro no trabalho - e eu que o diga - para depois colocá-lo na escola.
Mas não podemos ter isso como diretriz de política social para um País como o nosso, que é a décima economia do mundo. Não podemos, evidentemente, esquecer que este País precisa crescer e que os indivíduos também, que as crianças, exploradas como têm sido, ainda estão sob o regime das letras mortas das intenções, porque não tivemos a capacidade de constituir, verdadeiramente, um fórum que pudesse alterar a regra preestabelecida de que criança pobre não é criança, é menor, e, por conseguinte, deve trabalhar e ser explorada, sem que haja, verdadeiramente, uma prioridade para ela, para que possa estar nas escolas e não nas lavouras, nas agriculturas, nas ruas, na prostituição e em tantas outras atividades, pelas razões que aqui me ponho a expor.
Mas nós sabemos que dentro de 5 anos, apesar de reconhecer que a laranja é muito importante para a economia do Brasil, o mercado vai sofrer uma revolução, vai sofrer alteração. Quem, evidentemente, está tratando - e eu sempre faço isso - da questão racial, da questão da criança e da mulher, ou de qualquer uma outra situação, não pode perder de vista a questão da globalização da economia e, por isto, fazendo este paralelo, eu vejo que a África do Sul começa a concorrer com o Brasil nessa questão da laranja. E teremos, dentro de cinco anos, uma revolução, porque estão aí o Paquistão e Israel, e não estamos atentando para essa questão.
Temos quatro indústrias que impõem condições para produtores de laranjas no Brasil, e é preciso que haja também uma quebra desse monopólio. Temos a Citrosucos, Cutrale-Coimbra, Futresp, Branco Péres Citros que estão evidentemente determinando as regras do mercado. Não é possível que possamos conviver com o fato de que cada caixa de laranja possa valer US$0,18 para quem colhe.
Ora, dizem que o trabalho infantil se faz por conta dos pais dessas crianças, as empresas apenas contratam o trabalho do adulto e não o da criança. Isso não é verdadeiro. Nós até sabemos que alguns levam essas crianças, colocam os seus filhos para ajudar, na medida em que eles têm que, por produção, colher determinado número de caixas de laranja. Mas é evidente também que, em alguns casos, essas crianças são diretamente contratadas, até porque fazem o trabalho e não têm essa consciência da exploração, o fazem apenas para uma complementação de salário.
É importante que possamos trazer para cá a necessidade de um debate. Proporei que levemos à CPI que está investigando o trabalho infantil representantes dessas áreas, para que ali possam informar e prestar esclarecimentos com relação a essa exploração que estamos assistindo na questão do plantio e da colheita de laranja no País.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigada.