Discurso no Senado Federal

TOMBAMENTO DAS RUINAS DE AIRÃO, NO AMAZONAS.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • TOMBAMENTO DAS RUINAS DE AIRÃO, NO AMAZONAS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/1996 - Página 19988
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, PRESERVAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, MUNICIPIO, VELHO AIRÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), AMEAÇA, INVASÃO, FLORESTA.
  • DEFESA, TOMBAMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, SOLICITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN).
  • VANTAGENS, RESTAURAÇÃO, POSSIBILIDADE, TURISMO, ECOLOGIA, HISTORIA, PARTICIPAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA.
  • REQUERIMENTO, REMESSA, DISCURSO, ORADOR, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), INSTITUTO BRASILEIRO DO TURISMO (EMBRATUR).

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a exemplo de Macunaíma, que declarou serem os males do Brasil muita saúva e pouca saúde, poderíamos incluir a falta de memória como um dos problemas que mais afligem o nosso País. Refiro-me ao processo de degradação que sofrem alguns sítios históricos, sem que as providências dos órgãos responsáveis sejam tomadas a tempo.

Há alguns meses, mais precisamente em março, ocupei esta tribuna para reclamar providências quanto ao tombamento das ruínas de Airão, no Amazonas. O Jornal do Brasil do dia 24 de novembro publica uma reportagem informando que o assunto continua pendente. O mais grave é que, se nada for feito com urgência, não haverá mais o que se tombar.

Airão é um marco da história da colonização brasileira e da ocupação da Amazônia. Fundada no século XVII pelos jesuítas, essa comunidade resistiu até dez anos atrás. Trezentos anos de povoamento não foram capazes de fazer à cidade os danos do abandono, que, em uma década, a reduziram a ruínas. Por isso, volto a tratar do assunto. E voltarei tantas vezes quantas forem necessárias, até ver concretizado esse projeto do povo amazonense e da comunidade científica que hoje tem apoio até da própria UNESCO.

Como já disse antes, tendo sido fundada pelos jesuítas, que ali fizeram o aldeamento dos índios da região, a cidade guarda a memória de três séculos da ocupação amazônica, tendo sofrido a influência dos ciclos econômicos que ali tiveram lugar, desde a primitiva colheita de drogas do sertão, dos descimentos e aprisionamentos de indígenas, passando pelo ciclo da borracha até chegar ao declínio do comércio ribeirinho, provocado pela mudança do eixo econômico para Manaus.

Depois da ocupação original, Airão voltou a crescer no século XIX, com a exploração da borracha, que garantia o luxo em plena selva. Relatam os historiadores que ali se realizavam ostensivas festas, nas quais as damas exibiam a moda, as jóias e os perfumes refinados que a riqueza e a ligação quase que exclusiva com a Europa permitiam às famílias proprietárias.

Com o fim do ciclo da borracha, o fluxo de riqueza parou de alimentar a vila. A antiga família que dominava a região abandonou a cidade e deu lugar a um novo clã, desta vez vindo do Nordeste, os Bezerra, que, por setenta anos, sustentaram um ativo comércio em Airão.

Em 1950, havia cerca de duzentas casas na vila, o que não é pouco para a Região Amazônica, considerando-se a distância de duzentos e cinqüenta quilômetros de Manaus. Mas, além da decadência econômica, uma praga de formigas - e o título do matéria do Jornal do Brasil foi exatamente: Uma cidade abandonada às formigas - que, se não eram as saúvas de Macunaíma, eram formigas-fogo, aos poucos, expulsou os habitantes para a Vila Tauapecaçu, hoje chamada Novo Airão.

Passados alguns anos da infestação das formigas, não é possível afirmar com exatidão que essas tenham sido mesmo a principal causa de abandono de Airão pelos moradores. As disputas políticas locais podem ter contribuído, além, é claro, da crise do extrativismo. De qualquer forma, há registro de vários ataques dos insetos.

Estudos recentes, que muito provavelmente estão corretos, avaliam que algum desequilíbrio no meio ambiente provocou a invasão da cidade pelas formigas. A recuperação da história de Airão poderá vir à luz com os estudos do Prof. Victor Leonardi, da Universidade de Brasília.

Mas o que é mais importante - e urgente -, Srªs e Srs. Senadores, não é tanto saber das razões que levaram ao abandono da cidade. O essencial agora é evitar que as ruínas sejam de todo cobertas pelo avanço da floresta. Saibam que, desde o abandono da cidade pelo último morador, em 1985, árvores de três a quatro metros já cresceram dentro das casas. Além disso, a ação de depredadores, que saquearam a igreja e o cemitério, tem acelerado a degradação do patrimônio arquitetônico, que é um dos mais representativos do século XVII. O fato é que não há mais uma única casa inteira em Airão. O diretor do Museu Amazônico, Geraldo Pinheiro, teme que daqui a algum tempo não haja nada a preservar, se não forem imediatamente tomadas medidas preservacionistas.

Graças à divulgação das ruínas, feita pela imprensa e por vídeos, exibidos até na Europa, e também devido à mobilização feita em torno do tema, iniciou-se um processo de tombamento. Como todos sabem, esse ato cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, um órgão do Poder Executivo. Já em março, informei do andamento do processo naquela instituição. Vem agora o Jornal do Brasil informar que não houve progresso e que o tombamento físico - destruição total das ruínas - corre o risco de ocorrer antes do registro do patrimônio nos livros de tombo do IPHAN.

Venho, mais uma vez, apelar ao IPHAN, pois esse órgão, não obstante as dificuldades de recursos que sempre sofreu, vem realizando um trabalho imprescindível desde que foi criado há meio século. Que o IPHAN tome as providências com mais agilidade, para que, além das ruínas da cidade, os sítios arqueológicos com inscrições rupestres de habitantes ancestrais da região possam ser preservados.

Uma vez decretado o tombamento, será possível iniciarem-se as atividades de restauração dos edifícios e vias, o que será melhor viabilizado com a ajuda da iniciativa privada. A Lei do Incentivo à Cultura - Lei 8.313, de 1991 - possibilita substanciais incentivos fiscais para empresas que se disponham a investir em cultura, uma prática, infelizmente, ainda distante dos hábitos nacionais.

O chamado ecoturismo pode ganhar muito com a inclusão de Airão em seus roteiros, já que, além das razões históricas apontadas, a cidade tem a seu favor o fato de se localizar no Rio Negro, uma das mais ricas paisagens naturais do Amazonas. Para que isso se concretize, é necessária a intervenção da Empresa Brasileira de Turismo - Embratur, à qual também dirijo o meu apelo.

E como fecho deste discurso, Sr. Presidente, tenho a alegria de verificar que, sendo V. Exª também de uma região que a natureza fez pródiga, pois representa o Mato Grosso Sul, há de se sensibilizar com o final do meu pronunciamento, com o qual me acerco com estas palavras.

Quero fazer coro com o pescador João Bezerra, último morador a abandonar a cidade e candidato a tomar conta do sítio histórico, quando esse for tombado. Na sua simplicidade, João afirma que resgatar a cidade não seria um tombamento - ou seja, uma queda - mas a ressurreição daquela cidade. E aqui vai o apelo a V. Exª para que defira o requerimento.

Por essa razão, Sr. Presidente, requeiro seja dada ciência deste pronunciamento aos órgãos competentes, ao Instituto do Patrimônio Histórico, à EMBRATUR, e sobretudo, para que no Senado Federal possa ecoar o que já por várias vezes ecoou na imprensa, em edição de domingo, com manchete de oito colunas. Essa é a forma pela qual um amazonense dá a sua contribuição a um dos sítios históricos mais notáveis, que, desde o século XVII, existe na minha terra.

Com isso concluo, esperando o deferimento do meu requerimento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/1996 - Página 19988