Discurso no Senado Federal

DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/1996 - Página 20666
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • DENUNCIA, EXISTENCIA, OCULTAÇÃO, BRASIL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DISCRIMINAÇÃO, POBREZA.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, ROGERIO FERREIRA PANSERA, CIDADÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, OMISSÃO, AUXILIO, LUCIANO SOARES RIBEIRO, VITIMA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PUNIÇÃO, REU.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO, SOCIEDADE, CONSTRUÇÃO, DEMOCRACIA, RAÇA, BRASIL, DEFESA, VALORIZAÇÃO, NEGRO, HISTORIA, PRODUÇÃO, CULTURA, ENSINO.

             O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para, mais uma vez, enfocar o problema da discriminação racial em nosso País. Em discurso aqui proferido em 24 de outubro último, eu afirmava que, por não termos, em nossa história, episódios cruentos de intolerância racial, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, talvez pudéssemos concluir que as relações inter-raciais no Brasil sejam pacíficas e igualitárias. Ao acreditarmos nisso, porém, caímos na chamada "armadilha ideológica": enxergar somente o que julgamos ou queremos ver, e não aquilo que está diante de nossos olhos.

             Qualquer análise detida, fundada em índices sociais ou na simples observação de nossos costumes, afirmava eu naquela ocasião, revela a triste verdade: sob a máscara da cordialidade há uma sociedade violenta e racista, racismo esse que se manifesta preponderantemente contra o negro e contra o pobre. Como, infelizmente, grande parcela dos negros são pobres, são eles duplamente marginalizados e excluídos em nossa sociedade.

             Passados, entretanto, mais de quarenta dias daquele meu pronunciamento, novos casos clamorosos de discriminação por causa da cor tiveram evidência em nossos meios de comunicação e ainda permanece sem solução aquele episódio revoltante acontecido na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, no dia 7 de junho último, para o qual chamei a atenção desta Casa. Nessa cidade, o jovem Luciano Soares Ribeiro foi atropelado, enquanto passeava de bicicleta. Tido como marginal, esse jovem deixou de receber, no tempo certo, os devidos socorros, tanto do atropelador quanto dos hospitais locais, vindo, por isso, a falecer dois dias depois. O atropelador, Rogério Ferreira Pansera, além de não prestar qualquer socorro à vítima, ainda declarou ter atingido um negro que conduzia uma bicicleta roubada, não o socorrendo por julgá-lo um assaltante, como se um corpo totalmente dilacerado e inerte fosse capaz de atentar contra o seu luzidio BMW. Pois bem, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, esse jovem atropelador continua livre, impune, escudado, quem sabe, no peso do dinheiro e na influência que, por certo, a família exerce na cidade, numa clara demonstração de que, no nosso País, a lei só é dura para quem não tem costas largas, embora se possam atribuir-lhe ao menos quatro delitos: atropelou uma pessoa; não prestou socorro; difamou a vítima, atribuindo-lhe o crime de roubo sem ter conhecimentos dos fatos; e, por fim, ofendeu-a por causa de sua cor.

             Há poucos dias, recebi do pai desse garoto uma carta indignada, pedindo ajuda para que os culpados pela morte de seu filho sejam punidos. O medo que o aflige é de que o tempo apague toda a indignação que tomou conta das pessoas na época desses acontecimentos. Em atenção ao seu pedido, fiz o que julgo deveria ter feito: encaminhei a sua correspondência ao Ministro da Justiça, Deputado Nelson Jobim, com o pedido para que as devidas providências fossem tomadas. Nesta ocasião, torno a encarecer-lhe o pedido para que o Ministério tudo faça para que prevaleça a justiça.

             Pessoas que cometem esse tipo de atrocidade precisam ser severamente punidas na forma da lei, para que o fato sirva de exemplo e outras pessoas não cometam a mesma falha. O crime de racismo, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, é um dos mais hediondos e reprováveis que existem, pois as vítimas não têm a mínima culpa pela razão por que são discriminadas; elas o são não pelo que fazem de errado, mas pelo fato de existirem e terem uma tez que as distingue dos demais. Por isso, esse crime deve ser duramente combatido e punido.

             Com mais intensidade nos dias atuais, uma significativa parcela da sociedade e o Governo está firmemente empenhada em criar no País a democracia racial e em restringir a incidência dos crimes raciais. O grande desafio que se impõe é sair de uma democracia representativa, que a cada dia se solidifica mais, para uma democracia social em que a cidadania venha em decorrência da igualdade de tratamento e oportunidade proporcionada a todos.

             Nesse sentido, a criação pelo Presidente da República do Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra já foi um grande avanço e, com certeza, daí advirão medidas significativas para se resgatar a importância dos afrodescendentes na nossa história e na formação da nossa nacionalidade.

             Para que esse resgate seja realmente significativo, entendo serem necessárias algumas medidas simples, como, por exemplo: dar o devido destaque aos heróis negros da nossa história, como já ocorreu com Zumbi, recentemente erigido à condição de herói nacional; introduzir personagens negros em papéis de importância nas programações de rádio e televisão; rescrever alguns episódios da nossa história, tendo por parâmetro a ótica dos negros, especialmente no que tange à luta pelo fim da escravidão; criar incentivos para que se produzam filmes, se encenem peças teatrais e se escrevam livros em que essa problemática seja o tema principal; fazer um trabalho com os professores para que as idéias anti-racistas e pró-igualdade de todos sejam sutilmente incluídas nas escolas; por fim, é preciso que os negros sejam incentivados a terem orgulho de sua cor e de sua cultura.

             A recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu como discriminatória em decorrência da cor a demissão, em 1992, do técnico em eletrônica da Eletrosul Vicente Francisco do Espírito Santo e, por isso, determinou a sua reintegração aos quadros da empresa, é um marco significativo na luta dos negros pelo reconhecimento da sua dignidade e um forte indício de que, com a colaboração da Justiça, a situação poderá mudar para melhor.

             Nesse rol de acontecimentos que colaboram para o sucesso da causa negra, podemos também incluir a eleição do Sr. Celso Pitta para a Prefeitura de São Paulo. A sua boa atuação nesse cargo, sem dúvida alguma, muito contribuirá para a afirmação dessa imensa parcela da sociedade, dado o tamanho do desafio que terá de enfrentar. Só nos resta torcer para que seja bem sucedido e que, com a sua atuação, mostre que, para vencer, basta ser capaz. No seu encalço, muitos outros negros serão incentivados a também concorrerem a cargos eletivos, perdendo o medo de mostrar o seu valor.

             Por outro lado, é triste constatar que na contramão desses acontecimentos apareça um Pio Guerra que, com o seu destempero verbal, ofenda a Senadora Benedita da Silva, uma das pessoas mais atuantes e combativas desta Casa. Melhor lhe fora manter-se nos estritos limites da Confederação Nacional da Agricultura, em que não precisava falar para o Brasil todo ouvir, do que alçar vôo mais amplo, na condução dos destinos do SEBRAE.

             Fato semelhante a esse foi também protagonizado pelo Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, ao negar o visto para que o menino Carlos Alexandre Rossi passasse um mês naquele País em viagem de estudos. Alegar que ele poderia ter motivos para não retornar ao Brasil é, no mínimo, patético, em se tratando de uma criança de seis anos que viajaria em companhia de outros alunos da mesma idade. O que se seguiu a essa negativa foi uma série de justificativas injustificáveis na qual embarcou até o Senador e reverendo Jesse Jackson ao não reconhecer o erro e tentar arranjar justificação para a decisão do Consulado de seu País.

             Outro fato lamentável, que também guarda similitudes com aquele ocorrido em Canoas, foi protagonizado aqui em Brasília por um filho da Adida Cultural da Embaixada do Togo: por estar trafegando de bicicleta sobre a calçada foi abordado por policiais militares, que, não satisfeitos em chamar-lhe a atenção por estar pedalando em lugar inadequado, ainda o ofenderam por causa de sua cor. Se isso é feito com pessoa de uma representação estrangeira, é fácil imaginar o que ocorre com aqueles que não têm o manto diplomático sob que abrigar-se.

             De modo semelhante a esses fatos, muita coisa mais acontece por esse Brasil afora, que não é divulgada para que os outros saibam. Essa situação precisa, entretanto, acabar. É preciso que brancos, negros, mulatos e descendentes de outras etnias reconheçam que, em função da raça, ninguém é melhor do que ninguém e, em decorrência disso, é imperioso que haja igualdade de oportunidade para todos. No caso específico das mulheres -- também muito discriminadas em nosso mercado de trabalho e em nossa sociedade -- é auspicioso verificar que muitas delas já despontam com sucesso no mundo empresarial; é reconfortante saber que a Academia Brasileira de Letras -- até pouco tempo atrás um reduto estritamente masculino -- vai ser presidida por uma mulher. Em todos esses episódios, o que pesou foram a capacidade e o valor de cada uma delas.

             Assim também acontecerá com os negros, se todas as pessoas forem tratadas de acordo com a sua capacidade e não por sua aparência. Cabe às autoridades zelar para que essa igualdade seja respeitada e cuidar com firmeza para que os excessos e os abusos sejam punidos.

             A comunidade negra, por sua vez, precisa ser instada e incentivada a levantar a cabeça e a sacudir a poeira que décadas seguidas de humilhação sedimentaram em sua mente e mostrar que tem valor e que, com esforço e determinação, pode vencer.

             Todos nós precisamos fazer a nossa parte, para que, em nossa Pátria, o clima de fraternidade, de entendimento e de respeito a todos seja uma realidade e possamos ter um lugar de paz, em que todos têm o seu lugar, a sua vez, no qual cada um pode mostrar o seu valor.

             Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/1996 - Página 20666