Discurso durante a Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DOS PRODUTORES RURAIS COM A VOTAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE TRATA DO NOVO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR, NOS TERMOS ORIGINAIS DO EXECUTIVO.

Autor
Osmar Dias (S/PARTIDO - Sem Partido/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PREOCUPAÇÃO DOS PRODUTORES RURAIS COM A VOTAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE TRATA DO NOVO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR, NOS TERMOS ORIGINAIS DO EXECUTIVO.
Aparteantes
Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/1996 - Página 20942
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUMENTO, IMPOSTO TERRITORIAL RURAL, MOTIVO, POSSIBILIDADE, PROVOCAÇÃO, PREJUIZO, PEQUENO AGRICULTOR, MEDIO PRODUTOR RURAL, INCAPACIDADE, GOVERNO, NATUREZA TECNICA, NATUREZA FINANCEIRA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.

O SR. OSMAR DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje votaremos o ITR, o novo Imposto Territorial Rural que está trazendo uma grande preocupação aos produtores rurais, principalmente aos verdadeiros produtores, aqueles que têm a propriedade produtiva, não importando o tamanho. Neste País, tradicionalmente, condena-se o produtor que tem uma área maior de terras, como se isto fosse realmente uma agressão à sociedade. Agressão à sociedade é o que ocorreu, por exemplo, no Estado do Pará, com uma área de 4 milhões de hectares, que foi adquirida recentemente pelo empreiteiro paranaense, Cecílio do Rego Almeida, com o único objetivo de especular. Isso, sim, é agredir a sociedade, porque não podemos conceber a idéia de que apenas um proprietário de terra seja dono de uma área equivalente a um quinto de todo o Estado do Paraná, que tem 20 milhões de hectares. E ainda mais se esta terra está totalmente improdutiva, como é o caso. Aí sim, Sr. Presidente, acredito ser importante taxar, tributar, para que o proprietário ou seja obrigado a produzir, ou seja obrigado a colocar essa terra no estoque das terras destinadas à reforma agrária.

Vejo também um outro grave problema, Sr. Presidente. Mesmo que o ITR passe com a proposta original do Ministro Raul Julgmann, o Governo terá capacidade financeira e técnica para realizar a reforma agrária em toda essa terra, que poderá voltar às mãos do Governo? E o Governo, então, passará a ser o maior proprietário de terra em nosso País. Será que o Governo terá capacidade para assentar tanta gente em tanta terra? Não terá capacidade financeira nem técnica. Este é o primeiro problema.

Sr. Presidente, tenho a felicidade de ter V. Exª presidindo esta sessão, V. Exª que é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores conhecedores deste assunto em nosso País. Por isso, acredito que V. Exª entenderá a análise que vou fazer de um problema contido na Medida Provisória.

Há pouco, eu falava com o Relator, Senador Jader Barbalho, de alguns problemas que resultarão da aprovação dessa Medida Provisória. Imagine um produtor que tenha uma área de pasto de 500, 1000 ou 5000 hectares e que pretenda fazer um projeto técnico de recuperação dessa pastagem. Sabemos que isto é normal, principalmente no Centro-Oeste, onde o solo raso e as características do clima desta Região obrigam os pecuaristas a reformarem as pastagens de tempo em tempo. Pois bem, será feito um projeto técnico, que vai prever uma renovação de 20 a 30% da área, anualmente. É mais ou menos isso o que fazem as empresas de planejamento da Região. Não existe, na Medida Provisória, nenhum dispositivo que faça descontar do cálculo de produtividade da área total esta área que está em recuperação. E aí o imposto que cairá sobre a cabeça do produtor será pesado demais para ser pago. Ele não está especulando; na verdade, está investindo na sua terra, aplicando calcário e fósforo, corrigindo, recuperando, plantando um pasto novo; enfim, está investindo na produtividade.

Como a Medida Provisória não foi feita por técnicos ou pessoas que conhecem o assunto, o que ocorrerá? Esse pecuarista vai ser taxado pesadamente, ao invés de ser estimulado a fazer essa reforma na pastagem.

Esse é um ponto importante que gostaria de assinalar e deixar registrado, porque somente ele já seria suficiente para não votar favoravelmente à Medida Provisória.

Quanto ao segundo ponto, Sr. Presidente, nós, que vivemos no campo e convivemos com os problemas da agricultura, sabemos que é comum, em determinadas safras - e não falo só dos pecuaristas, mas também daqueles que produzem as lavouras anuais de soja, milho, trigo, arroz, feijão -, ocorrerem intempéries climáticas, como uma chuva excessiva na colheita, uma seca durante o desenvolvimento vegetativo da cultura, enfim, problemas climáticos que podem afetar a produtividade.

Também não há, na Medida Provisória - pelo menos que eu tenha constatado -, nenhum dispositivo que defenda, que proteja o produtor no caso de ocorrência, no ano anterior, de uma intempérie climática, o que poderá, evidentemente, pela Medida Provisória, obrigar o Governo a taxar pesadamente também aquele produtor.

Esses são dois problemas graves, que, no meu entendimento, já empurrariam a discussão dessa matéria para o ano que vem. Não poderíamos votar de forma açodada, precipitada, porque estaríamos aprovando um dispositivo legal que vai colocar sobre os produtores, sobre aqueles que realmente produzem neste País, um imposto pesado demais.

Um outro ponto, Sr. Presidente, é que existe o seguinte erro na Medida Provisória: entre uma propriedade de 1.000 ou de 5.000 hectares que seja produtiva, mas que tenha um grau de utilização da terra de 80 a 100%, e uma propriedade produtiva que tenha um grau de utilização da terra de 65 a 80%, portanto, menor, essa última vai pagar menos imposto do que a primeira. Não sei se isso foi um erro, um equívoco de quem formulou os índices ou a tabela para a cobrança do ITR, mas a verdade é que ele existe.

Já apontei três e vou apontar mais uma distorção, que considero extremamente grave e agressiva para com o setor da economia. Conversávamos antes desta sessão, e V. Exª questionava: qual o setor da economia que tem sustentado este País e que promoveu o seu desenvolvimento, inclusive industrial?

Acrescento dados: o agrobusiness, ou seja, aquilo que depende, efetivamente, da nossa agricultura, é responsável por 60% do comércio externo brasileiro e por 40% dos empregos que estamos ainda mantendo na atividade econômica do País. Portanto, merece o respeito do Governo e de toda a sociedade. Não estou aqui a criticar o Governo por tentar colocar em prática um dispositivo que possa agilizar ou dinamizar a reforma agrária.

Mas estou a criticar o instrumento que, ao invés de estimular o proprietário da terra, que a coloca em produção, desestimula-o. Os aumentos chegarão a 300% para as propriedades produtivas. Até sinto muito que o Líder do Governo no Congresso não esteja presente, porque seria o momento de discutirmos essa questão. Ouvi o Líder do Governo dizer que estamos acabando com as Capitanias Hereditárias, com a escravatura. Meu Deus do Céu! Será que o proprietário de terra pode ser assim denominado e até desrespeitado? Acredito que não, que se trata de outro equívoco. Alguém disse: uma área de 50 hectares paga R$8,00 por ano de imposto e, com o aumento, vai pagar R$25,00. Porém, se compararmos com o que existe nas economias mais desenvolvidas do mundo, veremos que lá se tributa a terra, sim, mas não se tributa a produção. Aqui, todos os dias, na mesa de cada cidadão brasileiro, sobre o prato de comida existe 25% de imposto - em alguns casos, até 32%. Portanto, não podemos comparar coisas que não são iguais; lá, não se taxa a produção, mas a terra. Aqui, tributa-se pesadamente a produção e iremos taxar também o capital e a terra, inclusive a produtiva.

O Boletim da Confederação Nacional da Agricultura, que tenho em mãos, traz uma questão que é outro ponto que desejo levantar:

      "Comparativamente, a alíquota imposta às propriedades produtivas com mais de 5.000 hectares é de 1.20% sobre o valor da terra."

Ou seja, é duas vezes maior que o IPTU cobrado, de 0.60%, de um prédio na Avenida Paulista, em São Paulo, seja ele de qualquer tamanho, de qualquer proporção. Nada tenho contra o proprietário urbano, mas isso não é justo para com um proprietário de terras, só porque tem a sorte de ter mais de 5.000 hectares; e não é todo mundo que tem essa sorte; eu gostaria de ter, mas não a tive; se a tivesse, estaria também indignado, porque esse imposto que está sendo cobrado sobre a propriedade produtiva, mesmo maior do que 5.000 hectares, é extremamente injusto e desestimulante, porque se paga metade do imposto na Avenida Paulista em relação aos 5.000 hectares que se vai pagar no Mato Grosso do Sul, no Mato Grosso, no Paraná, o que não é possível. Portanto, há outro equívoco nessa Medida Provisória; já contei quatro ou cinco, e poderia continuar apontando muitos outros.

Mas o fato principal é que estamos em um processo de globalização da economia, e a palavra soa como música nos ouvidos daqueles que falam da socialdemocracia como sua tese. Porém, entender a globalização da economia como está sendo entendida em nosso País, não consigo. Globalizar a economia não é abrir as fronteiras do nosso País e importar tudo, desestimulando, pela tributação ou pela importação desenfreada, a produção nacional. Isso tem expulsado um contingente enorme de mão-de-obra do campo, que não tem encontrado oportunidade de trabalho nas cidades.

Essa semana, um economista, após uma análise, concluiu que os municípios das grandes cidades não estão totalmente quebrados porque o setor de serviços absorve essa mão-de-obra; porém, os médios e pequenos municípios, que dependem do setor de produção primária e que não têm no setor de serviços uma intensa atividade, estão quebrando. Não há, portanto, empregos para os cidadãos que lá vivem, que estão vindo para os grandes centros, onde também os problemas se multiplicam.

O problema não é apenas olhar para o produtor rural, a fim de verificar se ele tem ou não importância para o Governo; alguns até vêem o produtor rural como uma pessoa de segunda categoria. Já ouvi aqui discursos agressivos e ofensivos a quem está trabalhando e que durante gerações vem tentando ampliar a sua terra; no entanto, muitos estão diminuindo a área que pertencia a sua família. Uma agressão dessa não pode ser levada para casa, porque é um desaforo.

O ponto central do problema é exatamente que, ao taxarmos a produção primária, ampliaremos um outro problema, o desemprego no campo e na cidade.

O Sr. Roberto Requião - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - Senador Osmar Dias, tudo isso acontece ao tempo, por exemplo, em que o Governo Federal e os Governos Estaduais dão incentivos e garantias absurdas para as montadoras de automóveis. Elas não estão investindo no Brasil, mas estão ganhando incentivos e aportes de capital, que eliminam, da forma mais absoluta, o risco do investimento. Elas estão sendo financiadas pelos Estados e pela União. Nesse mesmo momento, surge essa proposta desconecta do ITR. Mas se o Governo não gosta dos produtores, isso não ocorre no Senado da República. A nossa expectativa é a de que o Relator da matéria, o Líder do PMDB, Senador Jader Barbalho, exclua essas modificações referentes ao ITR das terras produtivas. No que se refere à terra produtiva, que fique a legislação como está, que mantenha os 20% na terra improdutiva, e, acima de tudo, que elimine todo o capítulo que fala das TDAs, informações que já vazaram com antecedência e se transformaram na maracutaia anunciada. Teríamos, dessa forma, corrigido esse processo. Conversei agora há pouco com o Senador Jader Barbalho, e S. Exª me adiantou que a orientação do seu parecer é realizar um substitutivo nesse sentido. Taxa-se terra improdutiva, mantém-se a situação atual, o statu quo ante das terras produtivas, e se elimina, por inteiro, o suspeitíssimo capítulo das TDAs. Dessa forma, o Senado da República terá corrigido um erro muito grande do Governo, principalmente no momento em que o mundo inteiro subsidia a agricultura, por considerar a produção interna estratégica, absolutamente indispensável no atendimento dos interesses do País. Tenho certeza, Senador, que o seu protesto será acolhido por inteiro, no parecer e no substitutivo apresentado pelo Relator do PMDB, Senador Jader Barbalho.

O SR. OSMAR DIAS - Muito obrigado, Senador Roberto Requião. Gostaria de acrescentar um dado que é contundente, que deveria ser levado em conta pelo Relator e até pelo Governo, que deveria rever sua posição: se tomarmos 1,2% dos proprietários de terras improdutivas em nosso País, chegaremos a uma área de 44% das terras do País; se tomarmos 55% dos proprietários de terras produtivas, esses que vão ser taxados com um aumento de até 350% na alíquota, vamos chegar a uma área de apenas 2,7%. Assim, até para efeito de arrecadação, isso não tem nenhum significado para o Governo, porque não vai acrescentar nada. Taxar as terras produtivas não vai acrescentar nada, repito, para a arrecadação do Governo, mas vai significar muito para o produtor, que já está inviabilizado. Isso tem a ver até com a desestruturação e destruição daquilo que é mais caro para o nosso País; ou seja, o modelo da pequena e média propriedade, que, em regra, é o que gera mais empregos. Estudo recente mostrou que cada nove hectares - uma propriedade pequena - geram um emprego. Isso é significativo no momento em que se luta para manter o emprego e para se gerar mais empregos.

Essa medida provisória é um passo no caminho inverso. É um retorno que fazemos no momento em que deveríamos estar agindo de maneira contrária; ou seja, estimulando a produção e não desestimulando-a, como estamos fazendo.

Lamentavelmente, Sr. Presidente, chegou essa Medida Provisória há pouco tempo, no Senado, e o debate não ocorreu. Estamos debatendo-a às vésperas do momento da votação. É lamentável, pois isso tem ocorrido com outras matérias importantes; e já votamos nesta Casa, na semana passada, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, que também traz algumas distorções apontadas aqui, mas infelizmente fomos atropelados por aquele mesmo argumento de que, se mudarmos, voltará à Câmara e daí não obedecerá ao princípio da anuidade.

Não estou aqui criticando o Governo, deixo claro. O que estou criticando é o conjunto das pessoas que decidem e, dentre elas, o Senado Federal, e o fazem dessa forma, Sr. Presidente, sem uma discussão, sem mais tempo para decidir assuntos importantes como temos decidido aqui.

O ITR poderia ser um instrumento muito positivo para estimular a reforma agrária. Mas, da forma como está, vai ser um instrumento negativo que desestimulará a produção e, aí, aquilo que se somar como efeito positivo da reforma agrária pode ser subtraído do efeito negativo aos produtores, principalmente os pequenos e produtivos.

Sr. Presidente, quis fazer esse registro, porque hoje vamos votar o ITR e tenho certeza de que vamos fazer uma votação nominal. Vou analisar com muita profundidade as alterações que serão feitas pelo Relator Jader Barbalho, pois quanto ao projeto original, confesso aqui, voto contra, em função dessas distorções.

Agradeço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/1996 - Página 20942