Discurso no Senado Federal

MANIFESTAÇÃO FAVORAVEL DE S.EXA. AO PRONUNCIAMENTO DA SENADORA MARINA SILVA, QUE ABORDOU O TEMA DO CRESCIMENTO DO DESRESPEITO AO SER HUMANO. COBRANDO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMA AMPLO DE COMBATE A FOME E A MISERIA NO BRASIL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • MANIFESTAÇÃO FAVORAVEL DE S.EXA. AO PRONUNCIAMENTO DA SENADORA MARINA SILVA, QUE ABORDOU O TEMA DO CRESCIMENTO DO DESRESPEITO AO SER HUMANO. COBRANDO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMA AMPLO DE COMBATE A FOME E A MISERIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/1996 - Página 20982
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, MARINA SILVA, SENADOR, REFERENCIA, CRESCIMENTO, DESRESPEITO, HOMEM.
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, POLITICA, COMBATE, FOME, MISERIA, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, li o pronunciamento da Senadora Marina Silva, onde S. Exª diz que está preocupada com o crescimento do desrespeito ao ser humano.

Confesso que sou um admirador da Senadora. A Senadora Marina Silva trouxe ao Congresso o cheiro popular, da gente simples, da gente humilde. Aliás, não é apenas a Senadora Marina Silva, justiça seja feita. Temos a ilustre Senadora Benedita da Silva, do Rio de Janeiro, e, do meu Estado, a ilustre Senadora Emilia Fernandes. Estamos sentindo a presença cada vez mais positiva da mulher no Senado Federal.

Mas a Senadora Marina da Silva tem o gesto, a fórmula, o tom de voz para falar das coisas simples com a profundidade de alma de quem conhece, sente e vive os problemas sociais. Lá do interior da Amazônia, moça praticamente analfabeta, seringueira, conseguiu estudar, fazer uma faculdade, avançar, progredir e chegar ao Senado da República. O importante é que a Senadora Marina Silva não perdeu, no Senado da República, o sentimento e a singeleza de ver e compreender a alma popular. É este o perigo pelo qual passamos permanentemente, Sr. Presidente, nesta Casa: nós nos preocupamos com as questões que enxergamos praticamente todos os dias, os problemas das pessoas que vêm aos nossos gabinetes, ao gabinete do Presidente da República e dos ministros, daquelas pessoas que conseguem chegar a Brasília, porque têm condições de lutar pelo que é seu.

A Senadora Marina da Silva diz que está angustiada com o sentimento de desrespeito humano que, na sua opinião, vem se manifestando em várias partes do mundo. A ser ver, cresce uma indiferença dos cidadãos mais favorecidos contra os que se encontram em situação inferior. Ela apregoa a necessidade de que todos abracem a utopia de evitar que a raça humana perca o seu sentido ético. A rigor, pode ser uma utopia imaginarmos que a raça humana tenha que manter o sentido ético da sua existência. É verdade que o mundo cresce de uma forma fantástica no seu desenvolvimento tecnológico, que o mundo avança de uma maneira monumental na tecnologia. Hoje existe o computador, a informática, a Internet. Não precisamos nem ir a um país de Primeiro Mundo para ver a tecnologia, por exemplo, na produção de alimentos - podemos constatar isso indo à Embrapa. A cada dia, novos avanços em várias áreas. Descobriram até água na Lua.

Estou preparando um projeto, pode parecer estranho, para levar à Comissão de Relações Exteriores, para convocarmos o Itamaraty. Devemos proceder como na Antártida, onde representações de vários países trabalham juntas para promover o futuro daquela região. Não se sabe o que ocorrerá, mas todos os países estão lá representados, inclusive o Brasil.

Foi descoberta a existência de água na Lua e busca-se a fase dasua colonização. Ainda que estejamos sob o comando tecnológico dos Estados Unidos, a ONU deve estar presente quando se faz previsão para o futuro. Não se pode prever o quanto o mundo avançará e crescerá. Mas, quanto às questões sociais, éticas e morais, tem razão a Senadora Marina Silva. No planeta Terra, há cinco bilhões de habitantes e metade dessa população vive à margem da riqueza; por volta de um bilhão de pessoas passa fome.

Na reunião realizada na FAO, em que se discutiu o problema do abastecimento e da fome no mundo, os governos dos países desenvolvidos não aceitaram o fato de que esse problema é da responsabilidade de todos, principalmente dos países mais desenvolvidos. Isso não foi aceito. Eles assumiram que os países mais desenvolvidos farão um esforço para ajudar no combate à fome, mas não admitiram que esse problema também é da responsabilidade deles.

A verdade é esta: vivemos num País e num mundo onde há fome e há miséria. A verdade é que temos um Brasil com níveis de crescimento reais. Ao final deste ano, teremos que concluir - até vamos fazer justiça - que, no Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, quem trabalha e tem salário no fim do mês - tenho visto isso no Rio Grande do Sul -, está comprando pão pelo mesmo preço e até pode comprar mais, porque o quilo do pão e o litro do leite não aumentaram durante o ano. O preço do frango praticamente não subiu e os gêneros básicos de alimentação popular mantiveram seus preços.

Gosto de ir sempre aos bairros e às vilas de vez em quando, porque me sinto bem em me aproximar da gente simples. Acho que é obrigação minha caminhar e conversar com essa gente, para sentir o cheiro do povo e ver a distância entre o que pensamos que estamos fazendo aqui e aquilo que está acontecendo na base. Reconheço que quem tem salário, quem está trabalhando, até está comendo melhor, mas também sei que também tem aumentado o índice de desemprego, que hoje é uma angústia.

Por que a CUT, o PT ou seja lá quem for, não conseguem fazer nenhuma greve de operários? Há quanto tempo não temos greves de operários? Podem tentar fazer greves no ABC, mas de funcionários públicos, de categorias elevadas, mas o povão não faz greve, porque hoje o seu interesse é manter o emprego. Ninguém faz greve para aumentar o salário, porque sabe que, se fizer, estará sujeito a engrossar a fila dos desempregados.

São coisas naturais, Sr. Presidente. É só vermos os índices da importação e teremos a resposta. Houve determinado período em que, na minha região, o Vale do Rio dos Sinos, produtora de calçados, contabilizou-se o número de 42 mil desempregados, fruto da importação fantástica de calçados que se fez, notadamente da China. Vejam o caso dos produtores de algodão. Estamos importando tecido de uma maneira fenomenal. Dentro de pouco tempo, praticamente, teremos diminuído a produção de algodão. E, diga-se de passagem, o algodão é uma cultura cujo emprego de mão-de-obra é intenso.

A economia está sofrendo; onde a economia sofre, existe desemprego; onde há desemprego, há injustiça social. A verdade, Sr. Presidente, é que fico muito machucado.

Senador Humberto Lucena, assistimos agora a um grande movimento, que deve ter sido deflagrado na Paraíba, bem como em São Paulo, Senador Romeu Tuma, denominado de o Natal sem Fome. Isso tem o dom de me machucar, tem o dom de me atingir.

Quando fui Governador, permiti a campanha, não podia ser contrário a ela, mas isso me massacrava: Natal sem Fome. Então, nos outros 364 dias pode haver fome? É cruel. Deveríamos ter um grande projeto para que no Brasil não exista fome.

A Senadora Mariana Silva diz que se deve evitar que a raça humana perca o seu sentido ético, que se deve sempre buscá-lo. Para mim, Sr. Presidente, cada um tem a sua responsabilidade.

No início do meu governo, tive que enfrentar várias greves. Foi muito difícil, porque durante 24 anos o mesmo grupo esteve no poder: Dr. Ildo Meneghetti, Coronel Peracle Barcelos, Synval Guazzelli, Amaral, Triches, Jair. Quando entrei, todos esses se uniram, e o PT, naquela época, iniciando, foi quem mais bateu em mim, como também o PDT do Dr. Brizola.

Depois que assumi, enfrentei 15 dias de greve geral, inclusive da Magistratura. Só não entrou em greve a Brigada Militar. Eu estava cercado, a intenção era me derrubar. Perguntavam-me várias vezes o que eu estava sentindo. Eu dizia que tudo aquilo não me preocupava, pois fazia parte da democracia.

Durante muito tempo, preparei-me para a vida pública. Andei por esse Rio Grande, conheço canto por canto, biboca por biboca, favela por favela, e trago imagens da imensidão que encontrei. O que me doía é que, sentado na mesa do Governador do Estado, a cada dia, antes de me retirar, perguntava-me: O que fiz hoje que garanta que há menos pessoas passando fome? O que fiz hoje que garanta que há menos gente morando debaixo da ponte? O que fiz hoje que garanta a melhoria de vida de meu povo?

Sr. Presidente, esse deveria ser o pensamento do Senado em seu conjunto. Deus me perdoe, mas eu, no lugar do Presidente da República, não sei se conseguiria dormir.

Está certo que o Senhor Presidente da República mande para cá projetos e o Senado os vote. Está certo, estamos preocupados em construir um Brasil que o Sr. Fernando Henrique colocará no Primeiro Mundo; está certo, estão abrindo a nossa economia, estamos desenvolvendo, crescendo, avantajando, mas não é a primeira vez que se fala nisso.

Já tivemos a época do "Milagre Brasileiro", na década dos 70, quando se dizia que o Brasil crescia mais que o Japão. Já tivemos a época de fazer o bolo e o bolo estava crescendo, crescendo e nos diziam: esperem porque brevemente será distribuído o bolo à sociedade.

Essa linguagem de esperar já é conhecida, mas o que fazer para equacionar um problema do tamanho do Brasil? Acredito que a solução está em resolver os seus problemas fundamentais. É isso o que foi dito pela Senadora. Os Senadores da República, pais da Pátria, sentados aqui neste Congresso, sabemos qual é o nosso grande compromisso ético? Não sei. No entanto, Sr. Presidente, se V. Exª, o Senador Humberto Lucena, o Senador Iris Rezende, qualquer um de nós que tenha filho que estivesse passando mal, nenhum estaria aqui, mas à beira de sua cama. Cada um de nós, se conhecesse o problema de um filho que não tivesse dinheiro para curar-se, certamente não comeríamos fora, ou trocaríamos de carro, ou qualquer outra coisa. É certo que todo o dinheirinho seria guardado para enviar ao filho. Se algum de nós tivesse um filho sem casa para morar, que não tivesse um lar para habitar, que estivesse em uma favela aos pedaços, ou morando embaixo da ponte, ninguém sairia de casa e passaria Natal e Ano Novo numa praia ou na casa de campo. Pensaríamos em vendê-la para que nosso filho pudesse construir a sua. Isso, com certeza, faríamos! Mas somos os pais da Pátria; estamos aqui no Senado da República para fazer o que é necessário, para exigir o que é necessário. Como se pode conceber um país do tamanho do Brasil, que tem trinta milhões que passam fome e o Governo não ter um plano popular para produzir alimento para essa gente? Como se pode conceber um país como o Brasil, que tem milhões que moram embaixo de pontes ou em favelas e não haver um plano de construção popular para essa gente?

Sr. Presidente, nós estamos terminando o ano, votamos, trabalhamos, debatemos as nossas teses e vamos voltar para casa, abraçar nossas famílias e dizer: "Puxa, estamos cansados, foi arroxado esse ano". Pode ter sido, mas será que cada um de nós fez a sua parte?

Sr. Presidente, chefiei a delegação brasileira na posse do Presidente do México, representando o Governo Itamar Franco. Fui conhecer o Programa Solidariedad do governo mexicano. Confesso que me impressionei tanto que trouxe de lá - fiquei um dia a mais -, da sede do Solidariedad, o dossiê sobre o programa. Eram pacotes e pacotes e eu os mandei para o comitê de campanha do Sr. Fernando Henrique Cardoso, porque a informação que eu tinha era a de que ele estava montando algo semelhante.

O Programa da Fome, Sr. Presidente, nasceu de uma maneira singela. Já disse aqui e faço questão de repetir devido ao seu significado: o Lula me procurou - eu, quando Líder do Governo - no gabinete do Senador Suplicy. Ele me pediu que eu marcasse uma reunião dele com o Ministro da Fazenda. Perguntei-lhe o porquê daquele pedido. Ele então me disse que tinha um projeto, fruto de estudos feitos pelo PT, que traçava estratégias de combate à fome que ele gostaria de entregar ao Ministro. Quando me deu o projeto, perguntei-lhe por que ele queria entregar aquilo para o Ministro da Fazenda e não para o próprio Presidente da República. Respondeu-me ele que achava que o Presidente não o receberia. Disse-lhe que se tratava de um projeto da maior importância e que o Presidente o receberia. Fui ao Presidente, que, não só fez questão de receber Lula, como pediu que toda a equipe do PT que tinha montado o projeto também comparecesse. O Presidente Itamar recebeu Lula e sua equipe com os Ministros do Planejamento, da Fazenda, da Ação Social, enfim, vários Ministros que compunham o seu Governo. Após aquela reunião, mais três reuniões foram realizadas e o Governo adotou o programa proposto pelo PT. Criou-se então o Programa de Combate à Fome tendo Betinho como Presidente. A idéia foi do Lula. Encaramos, absolutamente, Betinho como Presidente e para Secretário Executivo escolheram o Bispo de Duque de Caxias, uma pessoa espetacular, pelo seu trabalho, dedicação e competência.

O Governo fez o projeto com todos os Ministros participando dele. Eu participava, como Líder do Governo, de todas as reuniões, e o projeto andou sem cheiro de Governo, sem propaganda de Governo, sem interferência do Governo. Quando havia interferências - como quando Lula e o Bispo conseguiram que as agências do Banco do Brasil se transformassem em agências do Projeto Contra a Fome - eram diretamente do Bispo e do Betinho, sem interferência do Governo. E o Projeto se deslanchou; foi um grande Projeto.

Devido a esse Projeto, quando o Presidente me colocou como chefe da delegação brasileira nessa viagem ao México, trouxe então o programa do Solidariedad. Eu imaginava que nós, num Governo que não tinha nenhum preparo, substituímos, de última hora, um Governo que saiu pelo impeachment e não tinha nada. Pegamos um projeto no ar, que era apresentado pelo PT. E tínhamos feito aquilo.

O Sr. Fernando Henrique Cardoso com a sua social democracia, tem um capítulo inteiro dedicado a isso, eu imaginava que seria fantástico. O Solidariedad, no México, criou milhares e milhares de entidades de dez pessoas. No México, numa rua, numa escola, em qualquer local, se há um problema, cria-se um comitê - um comitê de dez pessoas que querem resolver aquela situação. Oficializado aquele comitê, o Governo entra com a verba e faz com que aquela obra social seja realizada diretamente pelos interessados.

Eu julgava que o programa no Brasil seria uma maravilha, Sr. Presidente. Eu estava presente à reunião com o Fernando Henrique, Presidente da República já eleito, mas ainda não havia assumido o cargo, e o Sr. Itamar Franco era o Presidente da República. Nessa reunião, o Fernando Henrique disse que havia um movimento insistindo para que a sua esposa fosse a a presidente desse movimento; mas ele era contrário. E eu lhe disse: Fernando, coloca a tua mulher. Ela é altamente competente, é capaz, tem gabarito, e o que é mais importante, Fernando: lembre-se das dúvidas, das interrogações, dos dramas relacionados à questão, porque envolve vários Ministérios, e, normalmente, há ciúme uns dos outros, cada um tem o seu projeto e quer aparecer mais. Às vezes fica difícil fazer o plano andar. Se a tua mulher é que está ali, se a tua mulher é que preside, se é ela quem dá as ordens - a mulher do Presidente da República -, é mais fácil o plano andar.

No entanto, eu imaginava que seria o Programa de Combate à Fome, do Betinho, ampliado quase ao infinito. Eu imaginava que o Programa Solidariedad tinha sido feito com maior profundidade. Eu falei inclusive várias vezes - até é ridículo falar, Sr. Presidente -, mas quando fui Governador do Estado, meu querido e hoje falecido Presidente André Foster, foi à Metroplan, um órgão do Governo e criou o Programa Ação nas Vilas, que abria as portas para que todas as entidades que quisessem fazer obras sociais pudessem apresentar propostas ao Governo, que faria o orçamento, o planejamento e ajudaria na execução do projeto, dando o dinheiro.

Sr. Presidente, tive a oportunidade de assistir, nesse trabalho Ação nas Vilas, a algo de que não me esqueci. Contei essa história há dez dias, ao lado do caixão de André Foster, quando, em nome do partido, levava a ele a minha saudação de despedida.

André Foster fez questão de me levar àquela vila e mostrar aquelas casas separadas por um valo, praticamente numa miséria total de lodo e de fossa. Aquela gente vivia ali dos dois lados, com alguns palanques servindo de ponte. Aquele pó, aquele cheiro e aquela escuridão davam pena.

O Governo assumiu o compromisso de fazer o planejamento, de dar o dinheiro para aquelas pessoas sanearem o valo.

Meses depois, o André me levou lá para ver o que aconteceu. Levei um susto. Haviam saneado aquele riacho. Depois, pediram e conseguiram as pedras para fazer o calçamento. Então, vi uma avenida asfaltada com pedras e iluminada, porque eles haviam conseguido cinco postes de luz. Além disso, aquelas pessoas tinham colocado uns cinco ou seis bancos onde podiam se sentar.

O que cinco meses antes era barro, lodo, fossa e escuridão, passou a ser uma avenida calçada com paralelepípedo, iluminada e com bancos para se sentar.

Disse para o André, ao lado de seu caixão, que eu nunca tinha visto alegria tão grande, nem crianças e adultos tão felizes como aqueles. Uma obra que não tinha custado quase nada, algumas pedras, uns postes de luz, alguns canos, e a comunidade fez o trabalho.

Isso pode ser feito. É claro que não existe empreiteira, não precisa estar no Orçamento, não há corretagem, não é necessário emenda de deputado ou de senador. É claro que ninguém ganha, é claro que tudo é feito ali pelo preço de custo e os próprios trabalhadores fazem o trabalho. Por que estou falando isso? Apenas para dizer quantas coisas o Senhor Fernando Henrique Cardoso poderia fazer com o seu Programa Comunidade Solidária e não está fazendo. O Programa está distribuindo bolsas de alimentação, está ajudando algumas cidades, por intermédio de prefeitos - o que é positivo, não estou discutindo -, mas está muito longe daquilo que poderia ser feito.

Por isso, Senadora Marina Silva, V. Exª tem razão quando se preocupa com a possibilidade de o mundo vir a perder a esperança no que pode ser a utopia de imaginar que podemos ser solidários. Solidários na ética, que consiste em cada um fazer a sua parte e não essa história de esperar que presidente, senador, governador ou qualquer autoridade tomem a iniciativa. Não, cada um de nós deve fazer sua parte.

A humanidade é composta de brancos e negros, ricos e pobres, velhos e jovens, chineses e japoneses, católicos e maometanos; mas, na verdade, somos irmãos. E cada um tem que fazer o que pode, cada um tem que fazer a sua parte, cumprir sua missão.

Em se tratando de nós, Sr. Presidente, não temos desculpa: somos os príncipes da República, somos os Senadores que têm oito anos de mandato. Não só tivemos educação, como pudemos cursar uma universidade, pudemos educar os nossos filhos, temos onde morar, onde viver, o que comer.

Temos aqui um Congresso onde podemos legislar. Não legislamos porque não queremos. Temos aqui um Congresso onde podemos cobrar ações do Presidente da República. Não cobramos porque não queremos. O discurso da Senadora era dirigido a nós: onde estamos nós na utopia da viabilidade do mundo em que todos tenhamos a ética?

Mais um Natal se aproxima, Sr. Presidente, um Natal, se Deus quiser, para muitos, sem fome. Creio que neste final de ano, nesses três anos que faltam para o próximo milênio, esta Casa pode e deveria fazer também um esforço para construir um País melhor.

O que podemos fazer para nos adaptarmos a esse novo milênio? O que podemos fazer para sair da rotina do dia-a-dia, do marasmo que significa o nosso trabalho, a nossa ação? A gente vem, a gente vai, a gente fala, a gente lê, a gente faz-de-conta porque, na verdade, tudo é um faz-de-conta. Quando é que vamos transformar o faz-de-conta no fazer para que as transformações realmente existam?

Um bom Natal, Sr. Presidente, aos nossos funcionários, de modo especial aos mais humildes, aos mais simples, àqueles que são funcionários do Senado ou funcionários de empresas que prestam serviços ao Senado, mas com aquelas diferenças de salários tão grandes, Sr. Presidente.

Apresentei projeto no sentido de que, no Brasil, o maior salário não fosse vinte vezes o menor. Na Alemanha, essa diferença é de sete vezes. O Presidente da General Motors não ganha mais do que sete vezes o operário que ganha o menor salário. O fato é que o operário que ganha menos na General Motors ganha o suficiente para viver com dignidade, para ter casa, educação, saúde, alimentação; então, sete vezes mais já é muito. Nós nos queixamos de nosso salário, Sr. Presidente, mas quantas vezes ele é maior que o do funcionário que trabalha aqui no Senado? As transformações são necessárias.

Levo minhas felicitações ao Presidente do Senado, Senador José Sarney, aos meus colegas de Senado, aos funcionários que trabalham conosco na cobertura parlamentar, aos homens de imprensa, que não fazem muito a cobertura do plenário, mas fazem a cobertura da vida política. Levo minhas felicitações, de um modo muito especial, em um sentido até figurativo, aos mais simples, às pessoas mais sofredoras desta Casa, àqueles que a rigor estão aqui neste Senado, que andam pelos mesmos tapetes que nós andamos, caminham pelo mesmo granito - estamos fazendo reformas para que esta Casa fique mais bonita -, mas, na verdade, vivem as mesmas dificuldades da gente simples, modesta, que perfila pelo Brasil. O meu abraço.

Desejo de que o discurso da Senadora Marina tenha repercussão. Espero, Sr. Presidente, que possamos pelo menos discutir, ter coragem de dizer o que é e o que não é. O que falamos aqui, a Senadora Marina Silva e eu, pode ser uma utopia, pode ser um sonho, é verdade, é sonho quando falamos ela ou eu. Mas o que é o mundo, Sr. Presidente, o que representa o crescimento da humanidade senão todos os nossos sonhos?

Que bom seria, Sr. Presidente, se os 81 Senadores pudessem sonhar com a utopia de que pode haver ética no mundo!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/1996 - Página 20982