Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 272, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DE VENDA DE ARMAS DE FOGO E DE ARMAS BRANCAS, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • JUSTIFICANDO A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 272, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DE VENDA DE ARMAS DE FOGO E DE ARMAS BRANCAS, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/1996 - Página 21034
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROIBIÇÃO, VENDA, ARMA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a fome é o grande fantasma que aflige a humanidade neste final de século e assusta as pessoas que têm, por missão, que governar os seus destinos.

Quando falamos de fantasmas, não estamos usando uma figura de linguagem, mas estamos captando o efeito perverso da desnutrição; ela transforma seres humanos em deformações de seres humanos, em verdadeiros fantasmas.

Quando nos deparamos com duas fotografias como aquelas estampadas na capa da revista Veja de algumas semanas atrás, de uma mesma criança que há três anos era só pele e osso, um arremedo de gente e, hoje, está forte e corada, simplesmente por ter sido alimentado, duas reações vêm a nossa mente: a primeira, motivada pelo impacto inicial de total incredulidade no que se vê. A segunda, passada a primeira impressão, já de certa alegria por saber que é preciso bem pouco para que uma pessoa desnutrida seja salva da morte, basta que ela seja alimentada.

É triste constatar que grande parcela da nossa população definha por inanição, que a fome esteja disseminada por todos os lados.

A fome e seus subprodutos (marginalidade, preguiça, revolta, violência injustiça social,...) estão explícitos nos campos, nas ruas de qualquer cidade e principalmente nas metrópoles, que, como sempre, cumpre o seu falso papel de eldorado e acabam por mal abrigar hordas de famintos esperançosos: a mendicância que está em cada esquina, em cada barzinho de calçada, em cada vitrine de comida.

É muito simples falar que basta comida para acabar com a fome. O grande problema, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é, no entanto, como adquirir comida, já que o dinheiro é curto e o seu preço elevado para o montante de recursos de que dispõe a maioria das famílias.

A solução é, a meu ver, baixar o preço de gêneros de primeira necessidade. Essa baixa, em princípio, virá do aumento de produtividade e da redução dos custos. No caso específico do Brasil, a produtividade de nossa agricultura vem melhorando a cada ano e tem-se até verificado uma redução no preço dos alimentos.

Essa redução aconteceu, entretanto, por obra quase exclusiva dos produtores, que se encarregaram de reduzir suas despesas. Poderia ela ser mais significativa se a carga tributária incidente sobre os alimentos fosse mais coerente e não fosse tão exagerada.

O número de tributos que no Brasil onera os alimentos é tão grande que fez de nosso País um campeão mundial na política de tributar comida. Computando-se todos os impostos e taxas das esferas federal, estadual e municipal, chega-se a 43 tributos, o que torna o seu recolhimento muito complexo e muito elevado o valor total a ser pago nos cofres públicos.

Enquanto nos países desenvolvidos existe uma alíquota reduzida para alimentos básicos, que gira em torno de 7%, aqui, no Brasil, o somatório de taxas e impostos onera os alimentos em 32,3%, em média.

Dados levantados pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação - ABIA - praticamente foram ratificados pelo economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Rezende, que chegou ao índice cinco décimos mais elevado de 32,7%.

Essa porcentagem faz do Governo aquele sócio indesejado da indústria de alimentos, que não trabalha, pouco colabora para que o empreendimento dê certo e, no final, ainda abocanha um terço não do lucro, mas daquilo que é arrecadado como renda bruta.

Alterar esse quadro é fundamental para a sobrevivência da atividade agrícola e para afugentar o fantasma da fome.

Não se admite, no mundo moderno desenvolvido, que um Governo vá com tanta gana sobre a economia, como faz o Governo brasileiro, acuando o setor produtivo, notadamente o de alimentos.

Não resta dúvida de que o apetite tributário do Governo funciona como um grande desestímulo ao setor produtivo.

Dessa forma, pode-se perfeitamente creditar à conta do Governo a razão da alta dos preços dos alimentos e, por conseguinte, da fome que atribula a nossa população.

Para mostrar a grande influência que os tributos exercem sobre os produtos, o Departamento Econômico da ABIA montou um quadro enfocando a trajetória do arroz desde que é vendido em casca pelo produtor até a sua aquisição pelo consumidor.

O quilo do produto ao consumidor seria de 55 centavos de dólar, aí incluídos taxas e impostos. Depurando-se do seu preço os tributos, o preço final cairia para 35 centavos, donde se vê que 37,1% do seu preço, 20 centavos, são tributos.

Em outros alimentos essenciais, como óleo, macarrão, café e açúcar, unicamente a alíquota do ICMS e as contribuições sociais aumentam o seu preço em 29,25%; no frango, 26,83%; e na carne, feijão, arroz, pão e sal, 21,14%.

Enquanto isso, torno a repetir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em outros países a alíquota média é de 7%, havendo alguns em que a alíquota é zero.

Um levantamento elaborado por essa mesma associação em 28 países da América e da Europa demonstra que em 14 não há qualquer taxação sobre os alimentos básicos, e em apenas 5 ela é superior a 12%.

Em nenhum, porém, chega-se ao absurdo de onerá-los em mais de 32%, como ocorre no Brasil.

Vou repetir, Sr. Presidente: um levantamento elaborado por essa mesma associação em 28 países da América e da Europa demonstra que em 14 não há nenhuma taxação sobre alimentos básicos, e em apenas 5 ela é superior a 12%. No Brasil, ela é de 32%. É calamitoso!

O quadro tributário brasileiro apresenta algumas outras perversidades: os consumidores mais prejudicados são justamente aqueles de renda mais baixa. Quanto menor o orçamento familiar, maior o peso dos impostos e taxas incidentes sobre os alimentos.

Um levantamento também efetuado pela ABIA na publicação A Tributação dos Alimentos, Por que Mudar, Como Mudar, demonstra que as famílias que têm renda de até dois salários mínimos pagam ao Governo cerca de 10% do que ganham na forma de tributos sobre os alimentos.

As que recebem entre cinco e seis salários mínimos pagam 9%, e aquelas com rendimento superior a 30 salários gastam só 3% do que recebem em tributos sobre alimentos.

Trata-se realmente de algo calamitoso, Sr. Presidente. Os mais pobres são os que mais pagam, são os mais onerados, são os que pagam mais impostos.

O economista Fernando Rezende, em entrevista à Agroanalysis de fevereiro de 1996, publicação da Fundação Getúlio Vargas sobre economia agrícola, chama a atenção para outra realidade perversa do nosso sistema tributário: tributa-se até a intenção de produzir.

Explica ele:

      "Na compra de sementes, fertilizantes, defensivos, entre outros insumos, o agricultor está sendo tributado sobre algo incerto, que não sabe ainda se vai dar resultado. Se houver uma frustração de safra o agricultor pagou imposto sobre a intenção de produzir e não sobre a produção que não se materializou."

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com a palavra o nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Ney Suassuna, é evidente que a essa altura já dá para perceber que o fio condutor filosófico do discurso de V. Exª é a fome, em um paralelo com a tributação em nosso País. Esse quadro dantesco que V. Exª registrava no início do seu discurso, um discurso denso, apropriado, leva-me a afirmar que a fome mata mais que qualquer pelotão de fuzilamento. O que é curioso é que geralmente ela incide sobre os recém-nascidos e sobre as crianças em desenvolvimento. E o que é que se vê? Que a partir daí essas crianças acabam sendo levadas ao sepulcro e essas sepulturas terminam por não ter inscrição. É a fome. Quando V. Exª diz - e anotei - que a alíquota sobre os alimentos é 32%, é terrível, para não dizer perverso, o meio, o caminho pelo qual se acaba transformando uma incidência tributária num resultado mortífero. É evidente, Senador Ney Suassuna, que uma análise dessa natureza não pode deixar de ter ressonância no quadro governamental que é responsável pelo aspecto tributário, porque V. Exª não critica, V. Exª constrói. V. Exª está apontando o caminho e indicando solução. V. Exª não ocupou a tribuna apenas pelo prazer de vergastar, de chicotear, de censurar. Quero tecer, mais do que um encômio, um elogio, o meu muito obrigado por estar ouvindo, nesta tarde, um discurso dessa seriedade. E isso convalida a tese que ainda há pouco eu defendia de que o Senado é insubstituível no regime federativo. Cumprimentos.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Exª. Realmente é gritante quando verificamos que no nosso País a taxação, os impostos sobre os alimentos ou até sobre a intenção de produzir, chega a 32%, quando dentre 28 países da América e da Europa 14 não cobram absolutamente nada e só 5 deles chegam a 12%.

Precisamos reverter essa situação. Não foi o Senhor Fernando Henrique Cardoso quem inventou isso. Sua Excelência já encontrou essa filosofia, essa prática, e, com toda certeza, ao seu lado, ajudando-o, lutando para que mudem essas condições, teremos, com toda certeza, a diminuição desses índices.

Muito obrigado. Os dizeres de V. Exª passam a ser a parte honrosa de meu discurso.

Chama, ainda, o economista Fernando Rezende, a atenção para mais uma distorção já inerente ao sistema e que, portanto, não afeta somente os produtos alimentícios: é o passeio das notas fiscais ou as vendas interestaduais fictícias.

Isso ocorre quando uma mercadoria produzida num Estado é vendida em outro.

Se fosse consumida no mesmo Estado em que é produzida, o ICMS seria de 18%.

Vendida para outro Estado, apenas 7% desse imposto serão recolhidos no Estado produtor e os 11% restantes serão recolhidos no Estado consumidor.

Como a fiscalização é insuficiente, emite-se nota fiscal de venda para outro Estado, paga-se alíquota interestadual reduzida, mas o produto não sai do Estado de origem. Ou seja: além de toda essa maldade, essa violência contra os mais pobres, ainda se leva à corrupção por ser excessivamente alta a tributação, compensando-se fazer isso.

A conseqüência dessa exagerada fome tributária é por demais conhecida de todos: a sonegação. Pode-se dizer que o sistema praticamente induz os produtores à informalidade ou à clandestinidade, por conseguinte, à sonegação.

Na comercialização da carne, do arroz, do feijão, do milho, essa prática é generalizada, sendo grande o volume desses produtos vendidos sem qualquer documento fiscal ou com eles adulterados.

Caso se corrigisse essa falha, teríamos, no que tange, por exemplo, à carne, um benefício suplementar para a população: o fim dos abates clandestinos significaria melhor qualidade do produto, pois haveria mais higiene no manuseio do produto e o controle sanitário seria mais efetivo.

Por tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a simplificação e a racionalização do sistema tributário brasileiro é imperiosa.

O grande entrave que faz com que tanto o Governo Federal quanto os Governos Estaduais e Municipais sejam reticentes em adotar essa simplificação é o medo de perder a arrecadação.

Esse problema, entretanto, será contornado com o aumento do consumo, com o crescimento do número de contribuintes e com a diminuição da sonegação.

Por que não nos miramos no que já fizeram outros países que taxaram os alimentos básicos de forma racional e ainda assim dão à agricultura todo o apoio necessário para que ela seja eficiente?

Por que não substituir a fome por impostos e uma mentalidade nova de que o importante é que aquela população esteja alimentada e bem nutrida?

Tributação moderada e bem distribuída não pesa sobre os preços finais dos produtos, mas faz com que o mercado consumidor se amplie. Assim, a população se alimenta melhor, os meios de produção crescem e o desemprego cai, e, no final, o Estado ainda termina arrecadando mais recursos através dos impostos.

Estima a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação - ABIA - que com o crescimento previsto de 5% do mercado consumidor, obtido simplesmente com a tributação dos alimentos dentro dos parâmetros internacionais e com uma fiscalização eficiente que restrinja a sonegação, a arrecadação do ICMS do Estado de São Paulo cresceria cerca de 6,98%.

No Brasil todo, cerca de 626 mil novos empregos seriam criados - 37 mil na indústria e 590 mil no campo.

Os benefícios sociais daí decorrentes em termos de saúde e bem-estar seriam difíceis de ser mensurados, mas nem por isso poderão deixar de ser considerados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é minha convicção profunda de que é esse o caminho a ser palmilhado por nosso País.

O Governo já demonstrou sensibilidade para os problemas que afligiam as micros e pequenas empresas com a criação do Simples; para os entraves que dificultavam as exportações o Governo acenou e implantou a desoneração do ICMS sobre produtos exportados.

É chegada a hora - deixo aqui este apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso - de o Presidente da República, como presente de Natal à população brasileira, como medida forte para o ano de 1997, cuidar do setor de alimentos para que seja incentivada a produção, quer adotando medidas que barateiem o seu preço para os consumidores, quer transferindo essa carga, que hoje é terrível para a classe pobre, para outras áreas, desonerando o setor de alimentos.

Espero que essas iniciativas não tardem.

Ao encerrar o meu discurso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dizer a todos os companheiros, aos funcionários da Subsecretaria de Taquigrafia, aos nossos auxiliares de plenário, da Secretaria-Geral da Mesa, que auguro que o ano de 1997 seja maravilhoso para todos, principalmente para o Brasil.

Desejo a todos, ao encerrar aqui a minha atividade neste ano, uma vez que voltaremos às nossas atividades em janeiro, um Feliz Natal e Boas-Festas para todos nós, brasileiros.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/1996 - Página 21034