Discurso no Senado Federal

BALANÇO DO ANO POLITICO DE 1996. AUTORITARISMO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E SUBORDINAÇÃO DO SENADO FEDERAL A CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • BALANÇO DO ANO POLITICO DE 1996. AUTORITARISMO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E SUBORDINAÇÃO DO SENADO FEDERAL A CAMARA DOS DEPUTADOS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/1996 - Página 21103
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • CRITICA, ABUSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO.
  • CRITICA, PREVALENCIA, EXECUTIVO, PODER, LEGISLAÇÃO, PAIS, PREJUIZO, LEGISLATIVO.
  • CRITICA, SUBORDINAÇÃO, SENADO, RELAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRECIAÇÃO, MATERIA.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta penúltima sessão do ano legislativo, é natural que se procure fazer um balanço das atividades, um balanço do próprio ano político.

É lógico que um balanço feito por um parlamentar de oposição, de um Partido com uma bancada de cinco Senadores, se for feito apenas do ponto de vista estatístico, daquilo que consideraríamos vitória ou derrota, seria um balanço extremamente negativo. Mas não é por este caminho que pretendo enveredar. Pretendo fazer um balanço do ponto de vista do interesse do Poder Legislativo, particularmente do Senado da República.

É cristalino que a democracia brasileira está manca, porque, quando falamos que na democracia existem três Poderes independentes e harmônicos entre si, é de se supor que nesse tripé as três pernas tenham aproximadamente o mesmo tamanho.

Mas não é isso que estamos vendo na República Federativa do Brasil, em nosso sistema presidencialista, quando falamos nas medidas provisórias - aliás, coisa inédita no mundo. Existe um ditado que diz que aquilo que só tem no Brasil e em mais nenhum outro lugar do mundo ou é jabuticaba ou é bobagem. Como não estamos falando de jabuticaba, temos que registrar que caímos numa bobagem ou numa excrescência.

A grade verdade é que hoje temos uma absoluta hipertrofia do Poder Executivo e uma absoluta atrofia do Poder Legislativo. A grande verdade é que, no Congresso Nacional, nós só tratamos das bijuterias, as questões efetivamente importantes para a nação brasileira e para seu povo, as questões importantes das mais diversas áreas, seja no campo econômico, político, científico, tecnológico ou cultural, emanam apenas do terceiro andar do Palácio do Planalto. Ali está, efetivamente, o Poder Legislativo brasileiro.

O Presidente da República é o mesmo que, quando Senador, fez desta Casa vários pronunciamentos bastante rigorosos e firmes - alguns deles tive a oportunidade de ler aqui nesta Casa - contra a reedição de medidas provisórias, contra a forma com que o Presidente da República de então se utilizava desse instrumento, que de acordo com a Constituição Brasileira deveria ser restrito para assuntos de urgência e relevância. Esse mesmo Presidente que quando Senador fazia esses pronunciamentos não se fartou de reeditar sucessivas medidas provisórias. Na verdade, o Congresso tem se debruçado apenas sobre emendas constitucionais, porque esse caso não pode ser objeto de modificação por medidas provisórias, e emendas constitucionais sempre do interesse do Executivo, porque as propostas de emenda constitucional de iniciativa dos parlamentares não prosperam no Senado ou na Câmara dos Deputados.

Chegamos a uma situação em que temos 50 medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional e que o Congresso não vota. Algumas delas já tivemos oportunidade de homenagear no cafezinho, por iniciativa bem humorada do Senador Ney Suassuna, cantando parabéns e acendendo velinhas para uma que foi reeditada 42 vezes, para outra que foi reeditada 40 vezes, e para outra reeditada por 36 vezes.

E é este o nosso Congresso Nacional. Uma demonstração de que o Congresso Nacional não legisla é que o Governo edita medidas provisórias e nós não as votamos. Mas outra demonstração é que aquilo que votamos e com que o Governo não concorda, o Governo veta e o Congresso não aprecia o veto. Não estou encontrando a tabela de vetos, mas parece-me que ainda há veto de 1993, do Presidente Itamar Franco, que o Congresso Nacional até hoje não apreciou.

É uma situação absurda para o Congresso Nacional, para o Poder Legislativo brasileiro, e que nós não nos dispomos a modificar.

É preciso, inclusive, fazer uma análise mais precisa quando se diz que essa modificação não é feita por culpa do Congresso Nacional. É lógico que é por culpa do Congresso Nacional como instituição.

Mas a grande verdade é que o Congresso Nacional ainda não modificou isso, não vota as medidas provisórias, não vota as propostas de emenda constitucional, que pelo menos limitam as medidas provisórias, porque as lideranças do Governo nesta Casa e na Câmara dos Deputados não se dispõem a votar, não dão quorum para votar nas sessões do Congresso Nacional, porque preferem manter a coisa como está. É muito mais cômodo.

Temos que votar nesta Casa um projeto que é um verdadeiro zumbi, de 1991, do então Deputado Nelson Jobim, que pelo menos limita a possibilidade da reedição de medidas provisórias. Mas não votamos nunca. Já fizemos, várias vezes, requerimentos solicitando a sua inclusão na pauta, mas a Liderança do Governo não se dispõe a votar.

A alegação é a de que o projeto é inconstitucional. Mas, ao mesmo tempo, o Governo não pode votar contra o projeto, o que seria lógico, porque, se ele é inconstitucional, vamos rejeitá-lo e arquivá-lo. E não votamos também porque o projeto é do Deputado Nelson Jobim, e não fica bem rejeitar, sob alegação de inconstitucionalidade, um projeto do atual Ministro da Justiça, Nelson Jobim.

Quero ver como este Senado vai se comportar quando o Ministro Nelson Jobim for indicado Ministro do Supremo, o que provavelmente vai acontecer e vai passar pelo crivo do Senado. De acordo com a Constituição, para ser Ministro do Supremo é preciso ser aprovado pelo Plenário do Senado e ter notório saber jurídico. Estou curioso para saber como vão se comportar os Srs. Senadores que sempre dizem que o projeto de autoria do Deputado Nelson Jobim é inconstitucional quando tiverem que votar a indicação do Sr. Nelson Jobim para Ministro do STF. Ora, se S. Exª apresentou um projeto inconstitucional, S. Exª não tem notório saber jurídico. Se S. Exª não tem notório saber jurídico, não pode ter o seu nome aprovado pelo Senado para ser Ministro do STF. Confesso que estou curioso para ver como será resolvido esse episódio, que provavelmente acontecerá, no ano que vem, nesta Casa.

A verdade é que nós não votamos. Existem cinco ou seis propostas de emenda constitucional, no Senado, que visam acabar com a farra das medidas provisórias. Elas já entraram e saíram da pauta "n" vezes. Chegamos ao ponto de ter uma Comissão Especial do Senado, presidida pelo Presidente da Casa, Senador José Sarney, que tinha o objetivo de encontrar uma solução para as medidas provisórias. Foi indicado Relator o Senador Josaphat Marinho, que fez questão de registrar, por diversas vezes, que o seu parecer na Comissão não significava o seu pensamento, mas única e exclusivamente a sistematização de uma série de propostas que existiam em tramitação nesta Casa. Mesmo assim, esse parecer, por não ser do agrado do Presidente da República, acabou sendo "detonado" na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por um parecer do Senador José Fogaça, que melhora a situação em relação à atual, mas não resolve o problema. E nem esse parecer nos dispusemos a votar em plenário. E assim continua o nosso Congresso Nacional.

E no Poder Legislativo, que está absolutamente apequenado em relação ao Executivo, existe a situação particular do Senado que, dentro de um Poder Legislativo apequenado, está em situação mais subalterna em relação à Câmara. Temos "n" exemplos de projetos. Votamos, semana passada, o projeto que regulamenta a navegação de cabotagem. Ele ficou onze meses na Câmara dos Deputados. Lá foi criada Comissão Especial, foram ouvidas pessoas dos mais diversos setores, da Marinha, os armadores. Ele chegou aqui em regime de urgência, não passou pela Comissão de Infra-Estrutura, pela de Constituição, Justiça e Cidadania, pela Comissão de Assuntos Econômicos, embora nele houvesse flagrantes inconstitucionalidades. Nós o votamos em plenário, sempre sob o argumento de que é importante para o Brasil e o Senado não pode atrasar a votação, porque a Câmara já o debateu exaustivamente.

Isso valeu para o petróleo, para as telecomunicações, para as empresas nacionais, para a cabotagem e também, pasmem, para um projeto que é a própria essência da existência do Senado da República, a Casa que representa a Federação: votamos, em regime de urgência, um projeto que tratava da isenção do pagamento de ICMS para a exportação de produtos primários e semi-elaborados. Um projeto que dizia respeito principalmente aos Estados, que esta Casa, teoricamente, representaria.

Mas esse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, porque era de autoria do então Deputado Antonio Kandir, que depois virou Ministro, e havia interesse em aprová-lo, como projeto do Governo. Ele foi aprovado na Câmara, veio para cá e foi aprovado, a toque de caixa, em regime de urgência.

E depois temos que resolver os problemas dos Estados. Aprovamos um monte de isenções, sempre em regime de urgência, e depois temos que rolar as dívidas dos Estados, temos que encontrar solução para os Estados, quando não nos dispomos a nos debruçar sobre questões que dizem respeito à Federação, que é o motivo pelo qual estamos aqui. Este, a meu ver, foi o mais grave. Mas há "n" outros.

Na convocação extraordinária, provavelmente o Governo vai querer aprovar um projeto em regime de urgência, o que criou o famoso contrato temporário de trabalho, que o Governo alega que vai gerar mais empregos. Embora o exemplo dos países que aprovaram projetos semelhantes mostre que eles não contribuíram em nada para aumentar o emprego. Esse projeto ficou na Câmara mais de um ano. Teve adiada a votação por várias vezes, porque o Governo entendia que era um projeto antipopular e, portanto, não interessava votá-lo, antes da eleição, na Câmara dos Deputados. Esse projeto foi aprovado na Câmara com uma diferença de apenas 23 votos, com uma divisão muito grande na base governista. Portanto, era um projeto polêmico não apenas entre Governo e oposição, mas polêmico por natureza; um projeto em que, por exemplo, foi para a tribuna, na Câmara, para falar contra a sua aprovação, o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Deputado Aluísio, do PMDB de São Paulo. Aposto que o Governo vai querer aprovar esse projeto em regime de urgência, durante a convocação extraordinária no mês de janeiro.

Mais uma vez, vamos chegar aqui e espernear, espernear, mas os Srs. Senadores vão dar urgência e vão aprovar o projeto sem passar por nenhuma Comissão e sem chamar os setores envolvidos para um debate nesta Casa. Chamar os empresários, chamar os trabalhadores para demonstrar que esse projeto não é isso que o Governo anda dizendo, ou seja, que vai resolver o problema de desemprego no Brasil.

Enfim, aí não é uma discussão de oposição ao Governo; aí não é uma discussão entre direita e esquerda; não é uma posição do PT, do PSDB ou do PFL. É uma questão que diz respeito à própria continuidade desta Casa, como instituição importante para o fortalecimento da democracia.

A continuar essa postura por parte do Senado em relação a tantas matérias importantes, particularmente matérias inerentes ao princípio da Federação, cada vez vai ficar mais fortalecida a tese de que vamos aplicar uma situação unicameral no Brasil, ou seja, vamos extinguir o Senado. Inclusive, confesso que dentro do meu Partido, por ocasião da Constituição, eu não era parlamentar, mas era dirigente do PT, eu defendia a proposta de unicameralidade, de extinção do Senado. Não levarmos em consideração as questões federativas que poderiam ser prejudicadas na situação de uma república federativa como o Brasil. Mas a continuar como está, cada vez fica mais descartável a situação do Senado da República. Isso diz respeito às sessões propriamente ditas do Senado Federal e às sessões do Congresso.

Quero registrar que em dois anos de mandato de Senador nunca votei naquele painel do plenário Ulysses Guimarães, e isso não ocorreu por falta, já que estou sempre presente às sessões do Congresso, mas porque a interpretação que se deu ao Regimento do Congresso, na prática estabelece uma institucionalização de subalternidade do Senado em relação à Câmara.

Quando se pede verificação de votação na Câmara, diz-se que não se pode pedir verificação de votação no Senado enquanto não transcorrer o espaço de uma hora, quando a sessão do Congresso Nacional não é unicameral, mas conjunta, da Câmara e do Senado, e as votações se dão de forma separada. Se as votações se dão de forma separada, todos os procedimentos relativos à votação - e a verificação de quorum é um procedimento relativo à votação - têm que se dar de forma separada. Mas, como não é assim, os Srs. Senadores podem, inclusive, se esconder no anonimato, não precisam aparecer nas sessões do Congresso, porque sabem que nunca vai haver uma verificação de votação e eles nunca vão ter que votar uma matéria no Senado. Se a matéria vai a voto nominal na Câmara, como não se pode pedir verificação antes de uma hora, não se vota no Senado.

Essa é a interpretação que vem sendo dada para o Regimento Comum do Congresso Nacional. E o nosso Senado continua, cada vez mais, se situando em posição de inferioridade dentro de um Poder que - como já disse anteriormente - vem se colocando em posição de inferioridade em relação ao Poder Executivo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para não dizer que não consideramos nada de positivo, registramos que o Senado deu uma contribuição importante, não só o Senado, mas o Congresso de modo geral, em relação a alguns temas. Por exemplo, já votamos dois projetos que contribuirão para o avanço da reforma agrária no Brasil; votamos o projeto do rito sumário, que já foi à sansão; votamos o projeto do Ministério Público; já existe o parecer do Senador Ramez Tebet em relação ao projeto que regulamenta ou que disciplina as liminares, e espero - já houve promessa por parte do Líder do Governo, que espero seja cumprida - que esse projeto seja incluído na convocação extraordinária para que possamos votá-lo; como possivelmente o Senado fará modificações, dar-se-á tempo para a Câmara apreciar a matéria ainda durante a convocação extraordinária.

Gostaria também de lamentar que o Senado não tenha aprovado - os Srs. Senadores se recusaram - uma prerrogativa que propúnhamos restabelecer para o Senado, no que diz respeito à privatização. Como no Senado perder de pouco é vitória, acredito que o resultado da votação da última quinta-feira, quando o meu projeto foi rejeitado por quatro votos, tendo votos favoráveis em todos os Partidos - PSDB, PFL, PTB, PPB, enfim, de todos - demonstra de forma mais cristalina que a oposição à privatização da Vale do Rio Doce não é uma posição apenas da oposição sectária ou de esquerdistas saudosos. Creio que o resultado foi um bom sinal para o Executivo, porque pelo menos quase a metade desta Casa não concorda com a forma como vem se dando a privatização da CVRD.

Se considerarmos que nas emendas constitucionais de interesse do Governo que passaram por esta Casa, a votação mais apertada para o Governo foi na emenda do petróleo, de 52 a 17, perder um projeto por 28 a 24 foi um sinal muito bom que o Senado deu ao Executivo de que a questão da Vale não pode continuar sendo tocada desse jeito.

Feito este balanço, não do ponto de vista da Oposição, mas do ponto de vista de um Senador que quer fazer uma análise do fortalecimento do Legislativo, do Parlamento brasileiro e da democracia, quero encerrar desejando a todos os Srs. Senadores e a todos os funcionários um feliz Natal e que o ano de 1997 seja melhor do que o de 1996.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/1996 - Página 21103