Discurso no Senado Federal

AS VANTAGENS DO REGIME DEMOCRATICO. A IMPORTANCIA DO SENADO FEDERAL NO REGIME BICAMERAL. NECESSIDADE DO FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • AS VANTAGENS DO REGIME DEMOCRATICO. A IMPORTANCIA DO SENADO FEDERAL NO REGIME BICAMERAL. NECESSIDADE DO FORTALECIMENTO DO PODER LEGISLATIVO.
Aparteantes
José Eduardo Dutra, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 20/12/1996 - Página 21106
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • NECESSIDADE, REFORÇO, LEGISLATIVO, PAIS, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, DEMOCRACIA, AMBITO, POLITICA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero agradecer ao nobre Senador Henrique Loyola pela permuta. É que se não fosse isso eu não teria oportunidade de demonstrar como o regime democrático funciona bem. É por aí, por este caminho, que se pode verificar que nos parlamentos as opiniões divergem e, ao final, acabam se encontrando.

Neste instante, por exemplo, quero divergir do eminente Líder José Eduardo Dutra quanto à postura do Senado. Para mim, tenho a impressão de que a atuação do Senado não se mede por horas, mas por séculos. A tradição desta Casa, com a sua maturidade, com a sua compreensão e com a sua tolerância, até porque isto é uma característica de quem, como o eminente Senador que presidente esta sessão, embranquece os cabelos, dá à tona, emerge, vem a diferença da Câmara. Ali, onde eu passei, aprendi, vivi, sofri, há como o que um insopitável desejo, uma ardência do combate; aqui, da pacificação.

Veja V. Exª, Sr. Presidente, que já vem de mais de um mandato, que, no dia em que este País se transformar em um País unicameral, o Estado de V. Exª e o meu, e quem sabe até o do próprio Senador José Eduardo Dutra, estaremos soçobrando ao sabor das grandes bancadas que comporão apenas um Parlamento, que é a Câmara dos Deputados - porque, aí se representa o povo e não a Federação. E quando me refiro a pequeno, refiro-me em termos de representação e não em termos de qualificação, é bom que se diga, porque o eminente Líder do PT, assim como nós outros, faz parte de um Estado pequeno em termos de representação na Câmara. E aí a beleza da existência do Senado numa Federação: saber que o voto do Estado do Amazonas vale tanto quanto o do Estado de São Paulo. Vale a pena verificar que nem tudo está perdido.

Tenho visto, ouvido, lido muitas críticas ao Parlamento. Hoje quero deter-me quanto ao Senado, porque, pela primeira vez, nos últimos dois anos, ao longo de ter ouvido restrições e análises críticas, algumas até procedentes e outras absolutamente improcedentes, dizer que o Senado, e por que não completar o Congresso, nestas últimas horas, deu uma nítida prova de quem trabalha. E o que é lamentável, o que é de se deplorar, é que vez por outra, quando se coloca uma análise contundente, se arrolam todos os Parlamentares como se não houvesse aqueles que comparecem aqui diariamente e discutem, analisam, julgam, censuram, contestam, mas aqui se encontram, numa representação típica de quem respeita o voto daquele que recebeu para vir até aqui.

Sr. Presidente, quando vejo a censura de que um parlamento custa caro aos cofres da Nação, eu ouso dizer que muito mais caro custaria aos cofres da Nação se o Parlamento estivesse fechado, porque aí estaríamos em plena ditadura, não funcionaria o Parlamento, não funcionaria a imprensa, não funcionariam os órgãos de comunicação e nós não estaríamos - e sem dúvida isto é autêntico - aqui a dizer, a registrar, a falar dos ecos, dos clamores, das angustias populares que só ressoam aqui no Parlamento.

De modo, Sr. Presidente, que na ardência da mocidade do Senador José Eduardo Dutra, com a minha maturidade, quero encontrar um ponto de equilíbrio. Dizer que nem tudo que S. Exª arrisca na sua crítica, nem tudo que arrisco na minha defesa, não há uma procedência. De um lado, quando S. Exª reclama que alguns se acocoram, se omitem, fogem, desertam de problemas sérios aqui na votação, gostaria que S. Exª registrasse que o meu voto foi favorável ao seu projeto. Não apenas o voto, mas a defesa da tribuna encontrando o leito constitucional, quando eu dizia qual era o suporte para a sua reivindicação. Quando alguns fogem, Sr. Presidente, repito, nem por isso o Parlamento está sujeito ao que há de pior.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra. Mas não pense que lhe cito pela provocação do aparte, lhe cito pelo registro que me merece na elegância do nosso diálogo.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª não teve a oportunidade de ouvir todo o meu pronunciamento, e acredito que, talvez, seja isso que esteja levando V. Exª a pensar que há uma divergência entre os nossos pensamentos. Acredito que não haja. Procurei fazer um balanço de como vi o Poder Legislativo, o Parlamento brasileiro nesse período, e, dentro do Parlamento, o Senado. Exatamente por entender que é fundamental para a própria consolidação da democracia brasileira que os Poderes sejam harmônicos e independentes entre si, cheguei a dizer que o tripé da democracia brasileira estava manco, foi esse o termo que usei, porque está havendo uma hipertrofia do Poder Executivo e uma atrofia do Poder Legislativo. Citei, particularmente, o caso das medidas provisórias, onde o Executivo vem insistindo na sua reedição e o Congresso não se dispõe a regulamentar essa questão, fiz até o contraponto de quando se fala "o Congresso", tem-se que tomar um pouco de cuidado ao dizer isso, porque, na verdade, o Congresso não se dispõe a revê-lo, porque a base governista nesta Casa sempre prefere manter a coisa como está, porque é muito mais cômodo para o Executivo continuar podendo legislar sobre medidas provisórias. Chegamos a esta situação esdrúxula, no Brasil, de termos um presidencialismo com medida provisória. Então, este aspecto que considero preocupante para a democracia brasileira, é que o Parlamento brasileiro vem tendo cada vez mais reduzida a sua influência. E dentro do Parlamento brasileiro, o Senado vem tendo cada vez mais reduzida a sua influência porque tem se disposto, de um modo geral, apenas a carimbar projetos que ficam meses e meses na Câmara dos Deputados e no Senado Federal são aprovados a toque de caixa. Exatamente no sentido contrário ao que disse V. Exª, de que aqui no Senado as coisas se passam em anos. Aqui as coisas estão se passando em minutos; uma série de matérias importantes. Fiz questão de registrar uma matéria que era inerente à própria existência desta Casa, que é aquela matéria da isenção do ICMS para exportação, que dizia respeito, principalmente, aos interesses dos Estados, que ficou alguns meses na Câmara e depois foi aprovada aqui, no Senado, em regime de urgência, sem que os Senadores pudessem se debruçar sobre esse assunto. Portanto, foi dentro dessa lógica que fiz questão de registrar que a continuar esta prática, por parte do Senado, vamos acabar fortalecendo a visão daqueles que acreditam que o Senado é uma Casa descartável, e que, portanto, pode ser extinta. Essa avaliação que faço, essa crítica, é em relação à postura do Parlamento brasileiro, que vem cada vez mais se submetendo aos interesses do Executivo. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero dizer a V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, que não ouvi o início do discurso de V. Exª - nem precisava ouvi-lo. V. Exª exerce a liderança por telepatia, e quem sabe, se eu não tinha a idéia do que seria capaz de ouvir, e é o que aconteceu.

Mas, no começo, eu registrava que ao final nós convergeríamos para o mesmo ponto. Estamos caminhando e olhando na mesma direção, que é o fortalecimento do Parlamento como instituição. A nossa única divergência é que considero o Senado uma bela instituição. Posso fazer restrições a alguns que lhe integram, que talvez não entendam o que representa o Senado. Daí a minha defesa. Defesa que vai até ao Jornal do Senado, à TV do Senado, que têm propiciado a um sem-número de pessoas que assistem a um e lêem ao outro, a oportunidade de que Senadores trabalham, produzem e fazem aquilo que considero uma das coisas mais fundamentais da democracia: o exercício nítido, claro, transparente de um mandato legislativo.

Quero reconhecer, e o proclamo, não há porque esconder, que precisamos fortalecer o Poder Legislativo. Quando dizia que ao longo dos anos tinha ouvido críticas a esse Poder, nas últimas 48 horas os mais amargos comentaristas renderam as suas homenagens ao trabalho do Congresso; uns elogiando a aprovação do novo Imposto Territorial Rural, outros mostrando a Lei de Diretrizes e Bases; mas, no fundo, se convenceram -antigamente, estavam vencidos, mas não convencidos - de que não há possibilidade nenhuma de se exercitar um grande país sem um bom Parlamento.

As medidas provisórias, Senador José Eduardo Dutra, lamentavelmente, foram uma forma pela qual se acocoraram aqueles que na Assembléia Nacional Constituinte defendiam o sistema presidencialista de governo e retiraram a aprovação que nós outros - e aí me incluo, porque defendo o sistema parlamentarista - havíamos aprovado na Comissão de Sistematização. Não é possível que o instituto da medida provisória conviva com o sistema presidencialista, e isso foi advertido.

Invocando mais uma vez o testemunho do Senador José Fogaça, lembro-me de que, na ocasião, um dos Senadores capitaneava isso; apenas omito o seu nome por uma questão de respeito e ética; adverti a esse então companheiro Constituinte que acabariam inserindo no texto constitucional algo que não poderia conviver com o sistema presidencialista, que é a medida provisória, e a Constituição acabaria tendo a circunstância de ser caolha - um olho vai para um lado e o outro para o outro.

Veja V. Exª que tanto isso é verdade que os três últimos Presidentes da República - e não preciso dizer que essa é uma crítica amarga e contundente, mas, por uma coincidência, quem sabe, saíram desta Casa o Senador José Sarney, o Senador Itamar Franco e o atual Presidente da República, o Senador Fernando Henrique Cardoso -, sem nenhuma exceção, sempre combateram os Presidentes que utilizavam a medida provisória. Observem que, nesse instante, eles eram prego; porém, quando viraram martelo, passaram a utilizar a medida provisória, dizendo que o País é ingovernável com a Constituição que tem. Respondo que o País seria ingovernável se não tivesse a Constituição promulgada em 1988.

Essa é a razão, Sr. Presidente, da minha presença na tribuna; defender o Senado, esta Casa Legislativa, onde não é fácil chegar, sobretudo para aqueles que chegam como V. Exª chegou, como chegou o Senador Nabor Júnior, com dificuldades, lutando contra um poder econômico que avassala sempre, quando a eleição é majoritária. Sabemos que não é fácil aqui chegar com um plano de independência, sem se engolfar. Posso dizer isso porque venho de um Estado onde o rio é o grande manancial, e quem observa o rio sabe que desde as suas cabeceiras eles vão cavando os seus próprios leitos; cavar o próprio leito no Senado, onde a dificuldade se torna cada vez maior, e ver que a Casa começa a sofrer quando alguns de dentro a criticam lá fora, quando deveriam fazer a crítica como V. Exª, aqui dentro, para que, a partir dela, possamos encontrar o denominador comum, a solução para que o Senado se fortaleça cada vez mais.

Na Assembléia Nacional Constituinte, Senador José Eduardo Dutra, foi imenso o número de emendas que passaram por esta mão, com o propósito de extinguir o Senado, e eu nem imaginava que um dia aqui estaria. A todas dei parecer contrário, porque esta Casa, num regime federativo, será a contrabalança, o contraponto, ora freando o que vem da Câmara, conforme há pouco se referiu V. Exª, ora transformando-se - o que é errado e equivocado - num mero carimbador, como se fosse um cartório a reconhecer firmas de pessoas que têm de estar aqui registradas.

Sr. Presidente, não preciso ir adiante. A posição, ao final, é sempre em defesa do Poder Legislativo. A caminhada é sempre apontando para aqueles que não caminham fora da sua sinceridade. Digo aos meus eminentes companheiros Senadores que quem caminha na fantasia acaba tropeçando na realidade. Não pensar que a fantasia de viver sem o Senado será tropeçar na realidade de uma ditadura mais adiante trata-se, sem dúvida nenhuma, de um erro crasso, difícil de ser reparado.

É pena que nesta tarde eu registre, mais uma vez, que a qualidade dos presentes se impõe a uma quantidade enorme. Mas vejo os que aqui se encontram, uns, com dificuldades, como o eminente Senador Henrique Loyola, que permutou comigo o seu tempo, embora tendo um compromisso e a necessidade de se ausentar dentro em pouco.

Mas fica o alerta: sem o Senado, a Federação não será a Federação, e sem o Poder Legislativo não haverá democracia neste País.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Tem V. Exª o aparte, eminente Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Bernardo Cabral, quero apenas parabenizá-lo. Ouvi só a parte final do discurso de V. Exª, mas isso foi suficiente para tomar conhecimento da obra literária que proferiu. V. Exª está completamente certo; sem o Senado não há Federação; esta é a Casa dos Estados, é aqui que defendemos cada rincão deste País. Parabéns, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Ney Suassuna, quero agradecer-lhe o aparte. Temia que amanhã, quando este discurso estivesse publicado no Diário do Senado, desta forma improvisada, sem nenhuma revisão, alguém dissesse que de nada teria valido. O aparte de V. Exª dá a tônica de que alguma coisa foi aproveitada.

Agradeço-lhe, incorporando-o e registrando-o, como parte de quem tem a aprovação de um companheiro Senador.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/12/1996 - Página 21106