Discurso durante a 225ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM.

Autor
Ernandes Amorim (S/PARTIDO - Sem Partido/RO)
Nome completo: Ernandes Santos Amorim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/1996 - Página 20310
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • INTERPELAÇÃO, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), LEGALIDADE, ATUAÇÃO, EXERCITO, RETIRADA, GARIMPEIRO, DESOBSTRUÇÃO, AREA, GARIMPAGEM, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA).

O SR. ERNANDES AMORIM (-RO. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Ministro Nelson Jobim, ouvi atentamente a explanação inteligente de V. Exª e do nobre Colega Ademir Andrade. Como ex-garimpeiro, pessoa que conviveu e trabalhou em garimpo, tivemos a oportunidade de visitar Serra Pelada. E comparando os dois depoimentos, percebo dois "Brasis" - o Brasil que eu e o Senador Ademir defendemos e o Brasil burocrático que V. Exª defende.

Em viagem recente a Nova Iorque para participar de uma reunião na ONU, discutimos os problemas da Amazônia. Em uma das primeiras abordagens, o que mais ouvimos foi que os garimpeiros são pessoas que degradam a Amazônia, são marginais, são os bandidos do Brasil.

A Constituição de 1988, na qual V. Exª trabalhou, pretendeu regularizar a situação de 400 mil garimpeiros. Mas o que constatamos é que até agora nenhuma providência foi tomada. Eles trabalham clandestinamente, sem direito a nada.

Aproveito a oportunidade para dizer, Sr. Ministro, que a documentação sobre a qual V. Exª teceu comentários é toda subsidiada em relatórios cujos pareceres são dados por um cidadão chamado Alfredo Ruy Barbosa, que foi advogado da Companhia Vale do Rio Doce, posteriormente assessor jurídico do então Ministro João Santana e, logo depois, Consultor da União. Todos os documentos a que V. Exª se refere têm pareceres dados por esse cidadão. As concessões, os direitos, as renovações e os laudos feitos, ao passarem por esses setores, passam obrigatoriamente pelas mãos desse cidadão. Inclusive, quando o Presidente da República teve de responder ao mandado de segurança, foi ele que o redigiu para Sua Excelência.

Então, percebe-se que ninguém vê o outro lado da questão, o lado de quem está trabalhando, o lado do garimpeiro, o lado do direito.

Todos sabemos que a União comprou 100 hectares da Vale e indenizou a Companhia por essa terra. A Vale não teria mais direito a essa terra porque houve uma lei que aprovou sua posse em benefício da União - terra que iria servir aos garimpeiros.

Documentações daqui, documentações dali passaram pela mão desse cidadão que, atuando em diferentes setores, agiu sempre favoravelmente aos interesses da Vale.

E os garimpeiros que seriam beneficiados - se acontecessem renovações periódicas ou não - se constituíram em cooperativas. A Constituição de 1988 deu aos garimpeiros o direito de permanecerem na área.

Sr. Ministro, aquela área passou a pertencer à União, que não poderia jamais devolvê-la à Vale, a não ser por força de lei. Se a União tivesse que fazer a devolução das terras, teria de fazê-lo às cooperativas que estão amparadas em leis e têm direitos sagrados assegurados pela Constituição de 1988.

Por isso, existem as discussões apaixonadas. O Poder Judiciário, que às vezes nem conhece o problema local, decide as questões a favor da Vale baseado em papéis que não informam a realidade dos fatos e são até mentirosos, como pudemos constatar por meio da Comissão que criamos aqui.

É só chegar em Serra Pelada, nos 100 hectares que pertencem à União ou aos garimpeiros, para se ver o maquinário da Vale do Rio Doce dentro do buraco de Serra Pelada. Se V. Exª foi até lá teve a oportunidade de verificar que quem está invadindo é a Vale do Rio Doce. A Vale está invadindo uma área que, documentalmente, não é dela.

Srs. Senadores, Sr. Ministro, cabe a esta Casa corrigir isso. Através de um decreto legislativo há como corrigir esses relatórios, esses falsos levantamentos.

Por outro lado, vê-se, em alguns setores da Justiça brasileira, profissionais incoerentes. O defensor da Vale, depois, passou a ser defensor jurídico do Ministério, Consultor da União e continua trabalhando no mesmo processo, defendendo os interesses da Vale e prejudicando os garimpeiros. É bonito ouvir-se todo aquele relatório.

Meu Estado foi vítima, Sr. Ministro, Srªs e Srs. Senadores, do então Ministro João Santana que, com seu assessor, conseguiu tirar das mãos dos garimpeiros de Rondônia o garimpo de Bom Futuro, baseados em documentos fraudulentos.

Denunciei o ocorrido nesta Casa, encaminhei o caso ao Ministério Público, à Justiça, a todos os setores competentes. Até hoje nenhuma providência foi tomada.

Não tenho nada contra V. Exª, que está fazendo uma defesa fundamentado em documentos, mas não está defendendo o que existe na realidade.

Fico ao lado do Senador Ademir Andrade que defende a mesma causa.

Para concluir, nós da Comissão, Sr. Ministro, pedimos por meio de requerimento dirigido ao Exército, ao Ministro de Minas e Energia, ao Presidente da República que o serviço de engenharia do Exército fosse deslocado para aquela área a fim de se fazer o mapeamento da sua topografia e, assim, podermos acabar com aquela mentira de que Serra Leste está em Serra Pelada.

Se tivéssemos sido atendidos nesse pleito, estaria resolvido o problema de Serra Pelada e não haveria a necessidade de se colocar tropas do Exército dentro de Serra Pelada.

Segundo os informes que recebi, as tropas do Exército não têm essa função.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Com a palavra o Ministro Nelson Jobim.

O SR. NELSON JOBIM (Ministro da Justiça) - Eminente Senador Ernandes Amorim, volto a insistir com V. Exª que a questão de estar ou não Serra Pelada contida no decreto de 1974, ou seja, o decreto que concedeu a lavra à Amazônia Mineração e depois à Companhia Vale do Rio Doce foi objeto, inclusive, de discussão. Se Serra Pelada não estivesse contida no decreto de 1974 não haveria nenhuma razão para a existência da lei de 1984, não haveria nenhuma razão para a lei de 1987, não haveria nenhuma razão para os seis decretos que foram editados no período de 1988 a 1991. Não haveria razão também para a existência do mandado de segurança ajuizado pelos garimpeiros de Serra Pelada e por sua cooperativa contra o Senhor Presidente da República, em 1986.

Portanto, quero dizer a V. Exª que, do ponto de vista do Ministério da Justiça, essa é uma matéria superada. O fato de Serra Pelada estar contida no decreto é algo que, inclusive, já foi objeto de manifestação judicial e, portanto, é matéria superada sob os pontos de vista jurídico e político.

Volto a repetir que não cabia e nem cabe ao Ministro da Justiça julgar as decisões judiciais, mas sim cumpri-las. Aliás, diga-se de passagem, no sistema judiciário, no sistema legal ocidental montado a partir da Revolução Francesa, parece que o Poder Judiciário é o único que pode errar por último. Esse é o sistema do Estado democrático de Direito.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Ernandes Amorim, V. Exª ainda dispõe de 2 minutos.

O SR. ERNANDES AMORIM - Ministro Nelson Jobim, quis mostrar o trabalho desse consultor, que trabalhou na Vale; defendeu o Ministro Carlos Santana e que respondeu a um mandado de segurança em nome do Presidente da República. Ele não poderia nunca falar a favor dos garimpeiros.

Entre as leis a que V. Exª se refere e as que comento, houve uma lei que passava 100 hectares de terra para a União e indenizava a Companhia Vale do Rio Doce. Para se devolver essa terra para a Companhia, talvez devesse existir uma lei aprovada por esta Casa. Se isso tivesse que ser feito, deveria ser respeitada a Constituição, que dá direitos aos garimpeiros. Isso não foi respeitado. Os garimpeiros se encontram abandonados, jogados à marginalidade, por interesse da empresa Vale do Rio Doce.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Com a palavra o Senador Epitacio Cafeteira, que permutou com o Senador Ney Suassuna.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - (PPB-MA. Sem revisão do orador.) - Sr. Ministro, a minha pergunta é objetiva, e V. Exª só terá de responder "sim" ou "não".

Em 1992, trouxe a esta Casa o Ministro João Santana. Na ocasião, mostrei-lhe, com documentos, que os marcos que passavam entre a Vale do Rio Doce e Serra Pelada foram mudados de posição, e Serra Pelada, de repente, passou a fazer parte da Companhia Vale do Rio Doce.

Naquela época, dizia-se que a parte relativa à mineração ia ser privatizada, e chegavam até a dizer o nome de uma pessoa importante no Governo que iria comprá-la.

A pergunta que faço a V. Exª não é a mesma feita ao Ministro das Minas e Energia. A pergunta que faço ao Sr. Ministro da Justiça, àquele que luta para que se faça justiça, é a seguinte: V. Exª sabia que mudaram os marcos para tirar dos garimpeiros Serra Pelada?

Se V. Exª não sabia disso, está sabendo agora. Em conseqüência, qual a posição que V. Exª tomará para que se faça justiça?

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Concedo a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, Sr. Nelson Jobim.

O SR. NELSON JOBIM (Ministro da Justiça) - Eminente Senador Epitacio Cafeteira, o Projeto de Lei de maio de 1984, enviado pelo Governo de então, pedindo a retificação temporária, por prazo de três anos, da concessão de lavra de 1974, que se transformou na Lei nº 7.194, de junho de 1984, foi precedido por um trabalho realizado em maio de 1984, que teve a participação, inclusive, do então Presidente da Cooperativa de Garimpeiros, o Sr. Geraldo Gomes Dantas.

Esse trabalho é um laudo de uma empresa - já se encontra no Senado Federal - que concluiu que, na verdade, Serra Pelada estava compreendida dentro do decreto daquela natureza. Tanto isso é verdade, Sr. Senador, que a aprovação dessa lei se deu com um fato curioso: foi aprovada a lei, e a Vale foi indenizada pela concessão temporária, ou seja, pela extração dos 100 hectares, e o Senador Pedro Simon na companhia dos Senadores José Sarney, Eduardo Suplicy, Guilherme Palmeira, do ex-Presidente Itamar Franco, do atual Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, do eminente Senador Edison Lobão, de V. Exª, Senador Epitacio Cafeteira, dos Senadores Lúcio Alcântara, Carlos Wilson, Júnia Marise foram condenados de maneira inusitada pela Juíza Federal do Distrito Federal a pagar à União US$59 milhões, quantia que "urticantemente" inquieta sempre o Senador Pedro Simon, não fosse o seu valor elevado, já que nas pequenas quantias S. Exª também se inquieta.

V. Exª também havia sido condenado a isso. Felizmente, o Senador Pedro Simon, por meio do trabalho extraordinário desenvolvido por seu advogado, Dr. Luiz Lopes Bandeira, conseguiu reformular essa decisão em abril de 1982.

Então, da verificação que fizemos de toda a documentação, consta, definitivamente, que Serra Pelada está dentro da área abrangida pelo Decreto de 1974.

Isso se comprovou em 1984, quando foi aprovada a Lei 7.194, que determinava a indenização da Vale, bem como o período da extração da chamada retificação temporária. Essa lei, depois, foi novamente objeto de votação no Senado Federal, já que o seu prazo havia-se encerrado em junho de 1987. Foi votada, então, a Lei 7.599, aprovada em maio de 1987, que prorrogou esse prazo de exploração de Serra Pelada até 31 de dezembro de 1988. Depois, por força da delegação contida na lei, esses prazos foram prorrogados, encerrando-se, portanto, em 11 de fevereiro de 1992.

Tudo isso, Senador, com base na circunstância e no dado de que Serra Pelada está contida no Decreto de 1974; inclusive, há decisões judiciais nesse sentido.

Não cabia ao Ministro da Justiça duvidar de que isso estava vencido, ou seja, que era fato constante que integrava Serra Pelada a área concedida à Vale do Rio Doce em 1974, ou melhor, à Amazônia Mineração, a que, depois, sucedeu a Companhia Vale do rio Doce.

Não cabe ao Ministro da Justiça examinar as alegações e afirmações feitas por V. Exª, em 1992, ao Sr. João Santana. O fato é que existe uma decisão judicial a qual cumprimos e atendemos à requisição judicial de desobstrução. Nessa demanda judicial que cumprimos, atendendo a determinação do Sr. Juiz de Direito, não se discute a propriedade, mas o direito da Vale do Rio Doce de prosseguir na exploração. Não é despejo, com foi dito ao Senador Eduardo Suplicy, mas o cumprimento da decisão judicial e a execução de um decreto de 1974.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Concedo a palavra ao nobre Senador Epitacio Cafeteira.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Sr. Ministro, V. Exª fala daquela condenação em massa. É interessante que lembremos o assunto porque eu, por exemplo, fui condenado em virtude de não estar naquela sessão.

Desgraçadamente, naquela ocasião, não compareci à sessão, eleito que fora Governador do Estado. E fui condenado porque não estava para votar contra. A lei é draconiana: fui condenado, mas não tem importância. O que importa é lembrar que nem sempre uma sentença é justa; nem sempre uma decisão da Justiça é correta.

O que questiono em Serra Pelada é que foi dado o direito de garimpo à Vale do Rio Doce num terreno que não era daquela Companhia, mas onde estavam trabalhando os garimpeiros que não eram os proprietários. Não estou querendo dizer que eles sejam os donos, mas que trabalhavam num garimpo cujo direito de lavra foi concedido à Vale do Rio Doce.

Naquela época, muita gente concordou com essa concessão porque a Vale do Rio Doce era um braço do Governo. Sr. Ministro, ela é do Governo, do brasileiro, mas agora está ameaçada, pois será vendida e o desejo é vendê-la para empresas estrangeiras.

Há poucos dias, depois de fazer um pronunciamento exaltando o Governo e o BNDES a financiarem a empresa nacional que queira ficar com a Vale, li nos jornais que o Ministro Brito também está torcendo para que o controle da Vale do Rio Doce fique nas mãos de empresas nacionais.

Hoje volta a minha preocupação. Houve esse empurrão dado na Vale do Rio Doce sobre os garimpeiros, quando lhe concederam o direito de lavra e lhe asseguraram que tinha direito a essa área. Isso me preocupa, porque, desta vez, vamos entregar o ouro ao bandido.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Concedo a palavra ao Ministro Nelson Jobim.

O SR. NELSON JOBIM  (Ministro da Justiça) - Senador Epitacio Cafeteira, o direito de lavra dos garimpeiros nasceu da Lei nº 7.194, que determinou um período de três anos, para uma quota de 190m de profundidade, que já foi atingida.

Hoje, Serra Pelada nada mais é do que um grande lago. Se V. Exª for ao local, verificará que tudo está tomado pela água. A cava Babilônia, que representava, digamos, as cenas a que assistimos há alguns anos, hoje é um grande lago, uma grande que nós assistimos há alguns anos, hoje é um grande lago, uma grande cobertura d`água. Quando V. Exª diz que nem todas as decisões são justas, concordo teoricamente. No estado democrático de direito, o Poder Judiciário tem a função constitucional de decidir os conflitos de interesse. E esse já foi decidido. Nesse estado democrático de direito, não há qualquer possibilidade de alguém se sobrepor às decisões do Poder Judiciário. Aliás, recordemo-nos de nossa experiência com o Ato Institucional nº 5, um instrumento pelo qual poderia o Poder Executivo rever as decisões do Judiciário. Certamente, tanto para mim quanto para V. Exª, toda essa história não passa de uma péssima lembrança.

O velho professor Rui Cirne Lima, da Faculdade de Direito de Porto Alegre, dizia que, no Estado democrático de Direito, organizado no modelo da Revolução Francesa, havia algo absolutamente curioso: se alguém pudesse errar por último seria o Poder Judiciário, já que suas decisões, ao final, são impossíveis de serem revistas pelo poder político. Assim é o Estado democrático de Direito e esses são os ônus das suas estruturas.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Concedo a palavra ao próximo orador inscrito: Senador Pedro Simon.

V. Exª dispõe de 5 minutos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Sem revisão do orador.) - Primeiro, desejo felicitar o ilustre Ministro e dizer da minha emoção e da honra de estar aqui fazendo esta interpelação. V. Exª, indiscutivelmente, é uma das figuras mais extraordinárias e competentes da vida jurídica do nosso País. V. Exª honra o Rio Grande do Sul e foi a grande figura, talvez o grande marco, da Assembléia Nacional Constituinte; é uma pessoa que o Brasil inteiro admira.

Eu, que tenho a honra de tê-lo como amigo particular, fico muito emocionado e muito feliz ao ver o seu sucesso, a sua competência, o seu prestígio, a sua credibilidade, permanentemente reconhecidos por todos, pelo Congresso, pelo Judiciário, pela imprensa. V. Exª merece tudo isso pela sua dignidade, pelo seu caráter e pela seriedade que compõe a vida política de V. Exª e de sua família. Seu avô foi governador do Rio Grande do Sul; seus familiares, parlamentares brilhantes; e V. Exª, não há dúvida, atinge o ápice da carreira da família Jobim.

A Vale do Rio Doce, empresa pela qual todos sentimos tanto carinho e respeito, desperta hoje sentimentos até um pouco exagerados. A Vale do Rio Doce tem, eu diria, oponentes. Vejo o Senador pelo Pará, o nobre líder do Partido Socialista, fazendo duras críticas ao comportamento da Vale do Rio Doce em vários segmentos, em vários setores lá do Pará; o pronunciamento do líder do PSB foi severo quanto às injustiças, absurdos e exageros que a Vale do Rio Doce estaria cometendo no Pará.

Vamos imaginar a Vale do Rio Doce nas mãos de um grupo japonês. Dizem que a Vale do Rio Doce não tem dinheiro, que daqui a algum tempo os minérios não terão mais valor e não vão ser utilizados, porque a Vale não tem dinheiro. Mas, de repente, vem uma empresa de australianos e japoneses, com não sei quantos bilhões de dólares, para fazer exploração de minérios. E descobrem um número extraordinário de novas jazidas. Seria quase uma nação dentro de uma nação, porque a Vale teria poder e uma força fabulosos. E agora, com a navegação de cabotagem, seus navios poderão navegar Brasil adentro. Não sei, sinceramente, o que acontecerá se isso se tornar realidade.

Vamos imaginar que, ao invés de a Vale ser brasileira, fosse japonesa. Com seria o debate que estamos travando agora? Falamos agora da Vale imperialista, cometendo violência, cometendo injustiças contra os infelizes lá do Pará. Mas é a Vale brasileira, nossa. E se acontecesse isso com uma Vale japonesa?

A V. Exª, que pertence a um Ministério em que as conseqüências desse tipo de ação têm seu ponto final, é que faço a pergunta: é preciso privatizar a Vale do Rio Doce como está? O Governo tem sua linha, que deve ser respeitada - a privatização. E diz que o mundo inteiro caminha nesse sentido.

Se V. Exª perguntar ao Presidente José Sarney, ele dirá que o Ministro das Minas e Energia do seu Governo, o Dr. Aureliano Chaves, dizia sempre que, quando queria alguma informação sobre o subsolo, chamava a Vale do Rio Doce. Isso porque no Ministério das Minas e Energia não há nada em termos de subsolo. Ao longo de 50 anos, tudo que foi feito, pensado, traçado, estudado sobre o subsolo, em termos de mineração, está na Vale. Há ainda as acusações de que a Vale descobre jazidas e tampa-as, porque não tem dinheiro para explorar. Mas tem a lavra da terra; quer dizer, a lavra, o poder, a autoridade são dela.

A Vale do Rio Doce é uma holding com cerca de trinta empresas: papel celulose, porto, estrada de ferro etc. Ao invés de entregar toda a companhia, que, nas mãos de um particular, pode tornar-se um monstro, o Governo a privatizaria por setores - a estrada de ferro aqui, a fábrica de celulose ali etc -, e ficaria com uma espécie de Embrapa para fazer estudos, fiscalizar, controlar - e seria dona dos alvarás. Se for descoberta uma mina de trezentas toneladas de ouro, faz licitação para exploração da mina.

Poderíamos, pelo menos, debater essa matéria. O Senado está solicitando que se deixe para depois essa privatização, pois tem o direito de discutir a matéria. Não devemos fazer o que, lamentavelmente, foi feito no final de uma legislatura, durante o Governo Collor: o Congressou lavou as mãos e delegou ao Governo Collor o poder de privatizar o que bem quisesse, sem precisar pedir a aprovação do Congresso Nacional.

Com humildade, estamos pedindo que, no caso da Vale, possamos pelo menos debater. Repare V. Exª que não estou pedindo que diga sim ou não; estou perguntando a V. Exª se é legítima esta proposta e se é possível debatê-la.

Redobrando minha admiração e meu carinho pelo nobre companheiro e amigo, agradeço.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Com a palavra o Ministro Nelson Jobim.

O SR. NELSON JOBIM (Ministro da Justiça) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a manifestação inicial do eminente Senador Pedro Simon, exageradamente elogiosa, tem uma causa que o Senado precisa conhecer.

Primeiramente, o Senador Pedro Simon está tentando adornar sua obra e sua produção. Foi exatamente o Senador Pedro Simon que retirou o então advogado Nelson Jobim de seu escritório, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para se candidatar a Deputado Federal. Os elogios não são atribuídos à qualidade do Ministro hoje, mas pura e simplesmente a uma projeção do próprio Senador Pedro Simon, que acabou induzindo-me a participar da eleição em 1986, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

Agradeço a manifestação de V. Exª e a devolvo, no reconhecimento de que, se alguma coisa atingimos hoje, é debitado inteiramente ao então Deputado e hoje Senador Pedro Simon.

Em relação à questão suscitada, evidentemente, não cabe ao Ministro da Justiça tecer considerações dessa natureza sobre a venda da Vale. As informações de que disponho são no sentido de que o desmembramento da Vale importa em reduzir seu poder agregado, ou seja, está na Vale a circunstância de ser um todo.

Por outro lado, o modelo de venda que o BNDES e o Governo Federal estão elaborando para a Companhia Vale do Rio Doce tem uma série de cautelas. V. Exª sabe que o Governo Federal detém hoje 76% das ações ordinárias e 6% das ações preferenciais da Companhia Vale do Rio Doce. O modelo de venda previsto corresponde a três etapas distintas. Na primeira etapa, seriam vendidos lotes de 40% e 45% de ações ordinárias para no mínimo três investidores, que deverão ser os controladores da Companhia. Numa segunda etapa, 10% das ações seriam vendidas a seus próprios empregados. Os 17% ou 23% restantes seriam vendidos em oferta pública.

A obrigação dos novos controladores, prevista no ato, é a formação de uma sociedade de propósitos especiais, que deverá se manter por cinco anos. E não poderá haver nenhuma detenção, dentro dessa sociedade, de uma participação superior a 10% do capital. Com isso, evita-se o controle daquilo a que V. Exª se referiu - não sei bem por quê - em relação a japoneses. Foi um exemplo aleatório.

Prevê ainda duas grandes situações importantes, Senador, que é a golden share, ou seja, ações de classes especiais seriam retidas pelo Governo e lhe assegurariam veto permanente a uma série de decisões, inclusive aquela que mais lhe preocupa, que é a venda ou o fechamento dos sistemas integrados de minério de ferro: mina, ferrovia e porto. O Governo Federal ficaria com poder de veto permanente a partir da concepção das chamadas golden share.

Quanto à questão relativa aos decretos de lavra concedidos, a Companhia Vale do Rio Doce ainda não os explorou, não fez a prospecção e ainda não tem noção do que essa mina possa representar em termos de produção. É também uma cautela. No projeto de venda da Vale, essa cautela significa que, na fixação do valor de venda da Vale, consideram-se as prospecções e os levantamentos já feitos. Em relação àquilo que não foi feito - e não se sabe o que tem -, serão emitidas debêntures especiais, que vão assegurar aos atuais acionistas, ou seja, aos acionistas que se afastam, a participação nos resultados, futuros e eventuais, de concessões de lavras ainda não exploradas e não identificadas.

Então, do ponto de vista do Ministro da Justiça, naquilo que ele conhece do tema e naquilo que entendemos do tema, percebe-se nitidamente que estão cercadas as seguranças necessárias para que o contribuinte brasileiro passe a usufruir das vantagens da Vale, já que as contribuições da Vale ao Tesouro Nacional, ao que tudo indica, envolvem uma quantia em torno de R$70 milhões/ano, inferior inclusive à contribuição da Vale ao fundo de participação dos seus empregados. O contribuinte brasileiro tem uma receita, vamos assim dizer, participa do resultado da Vale em torno de R$70 milhões. É o número que me ocorre das informações que obtenho lateralmente, mas não tenho condições de responder de forma objetiva.

Asseguro a V. Exª , Senador Pedro Simon, que o Governo está extraordinariamente preocupado em manter a integridade por intermédio de mecanismos de debêntures futuras, de golden share, e também mecanismos de não controle majoritário da própria Companhia Vale do Rio Doce, para assegurar que a privatização seja em benefício do povo brasileiro. Isso se dará de forma tal a que R$70 milhões/ano - que são os dividendos da Vale, não se computando, evidentemente, as questões relativas aos royalties decorrentes de qualquer débito em qualquer personagem - possam ser convertidos em valores superiores a sete vezes mais do que R$70 milhões.

Creio que o Sr. Ministro Antonio Kandir e o Sr. Ministro das Minas e Energia teriam condições de explicitar, com muito mais competência, um tema que não é da minha alçada.

Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/1996 - Página 20310