Discurso no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. NELSON JOBIM.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/1996 - Página 20314
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • INTERPELAÇÃO, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), NECESSIDADE, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), POSSIBILIDADE, DEBATE, ASSUNTO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Sem revisão do orador.) - Primeiro, desejo felicitar o ilustre Ministro e dizer da minha emoção e da honra de estar aqui fazendo esta interpelação. V. Exª, indiscutivelmente, é uma das figuras mais extraordinárias e competentes da vida jurídica do nosso País. V. Exª honra o Rio Grande do Sul e foi a grande figura, talvez o grande marco, da Assembléia Nacional Constituinte; é uma pessoa que o Brasil inteiro admira.

Eu, que tenho a honra de tê-lo como amigo particular, fico muito emocionado e muito feliz ao ver o seu sucesso, a sua competência, o seu prestígio, a sua credibilidade, permanentemente reconhecidos por todos, pelo Congresso, pelo Judiciário, pela imprensa. V. Exª merece tudo isso pela sua dignidade, pelo seu caráter e pela seriedade que compõe a vida política de V. Exª e de sua família. Seu avô foi governador do Rio Grande do Sul; seus familiares, parlamentares brilhantes; e V. Exª, não há dúvida, atinge o ápice da carreira da família Jobim.

A Vale do Rio Doce, empresa pela qual todos sentimos tanto carinho e respeito, desperta hoje sentimentos até um pouco exagerados. A Vale do Rio Doce tem, eu diria, oponentes. Vejo o Senador pelo Pará, o nobre líder do Partido Socialista, fazendo duras críticas ao comportamento da Vale do Rio Doce em vários segmentos, em vários setores lá do Pará; o pronunciamento do líder do PSB foi severo quanto às injustiças, absurdos e exageros que a Vale do Rio Doce estaria cometendo no Pará.

Vamos imaginar a Vale do Rio Doce nas mãos de um grupo japonês. Dizem que a Vale do Rio Doce não tem dinheiro, que daqui a algum tempo os minérios não terão mais valor e não vão ser utilizados, porque a Vale não tem dinheiro. Mas, de repente, vem uma empresa de australianos e japoneses, com não sei quantos bilhões de dólares, para fazer exploração de minérios. E descobrem um número extraordinário de novas jazidas. Seria quase uma nação dentro de uma nação, porque a Vale teria poder e uma força fabulosos. E agora, com a navegação de cabotagem, seus navios poderão navegar Brasil adentro. Não sei, sinceramente, o que acontecerá se isso se tornar realidade.

Vamos imaginar que, ao invés de a Vale ser brasileira, fosse japonesa. Com seria o debate que estamos travando agora? Falamos agora da Vale imperialista, cometendo violência, cometendo injustiças contra os infelizes lá do Pará. Mas é a Vale brasileira, nossa. E se acontecesse isso com uma Vale japonesa?

A V. Exª, que pertence a um Ministério em que as conseqüências desse tipo de ação têm seu ponto final, é que faço a pergunta: é preciso privatizar a Vale do Rio Doce como está? O Governo tem sua linha, que deve ser respeitada - a privatização. E diz que o mundo inteiro caminha nesse sentido.

Se V. Exª perguntar ao Presidente José Sarney, ele dirá que o Ministro das Minas e Energia do seu Governo, o Dr. Aureliano Chaves, dizia sempre que, quando queria alguma informação sobre o subsolo, chamava a Vale do Rio Doce. Isso porque no Ministério das Minas e Energia não há nada em termos de subsolo. Ao longo de 50 anos, tudo que foi feito, pensado, traçado, estudado sobre o subsolo, em termos de mineração, está na Vale. Há ainda as acusações de que a Vale descobre jazidas e tampa-as, porque não tem dinheiro para explorar. Mas tem a lavra da terra; quer dizer, a lavra, o poder, a autoridade são dela.

A Vale do Rio Doce é uma holding com cerca de trinta empresas: papel celulose, porto, estrada de ferro etc. Ao invés de entregar toda a companhia, que, nas mãos de um particular, pode tornar-se um monstro, o Governo a privatizaria por setores - a estrada de ferro aqui, a fábrica de celulose ali etc -, e ficaria com uma espécie de Embrapa para fazer estudos, fiscalizar, controlar - e seria dona dos alvarás. Se for descoberta uma mina de trezentas toneladas de ouro, faz licitação para exploração da mina.

Poderíamos, pelo menos, debater essa matéria. O Senado está solicitando que se deixe para depois essa privatização, pois tem o direito de discutir a matéria. Não devemos fazer o que, lamentavelmente, foi feito no final de uma legislatura, durante o Governo Collor: o Congressou lavou as mãos e delegou ao Governo Collor o poder de privatizar o que bem quisesse, sem precisar pedir a aprovação do Congresso Nacional.

Com humildade, estamos pedindo que, no caso da Vale, possamos pelo menos debater. Repare V. Exª que não estou pedindo que diga sim ou não; estou perguntando a V. Exª se é legítima esta proposta e se é possível debatê-la.

Redobrando minha admiração e meu carinho pelo nobre companheiro e amigo, agradeço.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Com a palavra o Ministro Nelson Jobim.

O SR. NELSON JOBIM (Ministro da Justiça) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a manifestação inicial do eminente Senador Pedro Simon, exageradamente elogiosa, tem uma causa que o Senado precisa conhecer.

Primeiramente, o Senador Pedro Simon está tentando adornar sua obra e sua produção. Foi exatamente o Senador Pedro Simon que retirou o então advogado Nelson Jobim de seu escritório, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para se candidatar a Deputado Federal. Os elogios não são atribuídos à qualidade do Ministro hoje, mas pura e simplesmente a uma projeção do próprio Senador Pedro Simon, que acabou induzindo-me a participar da eleição em 1986, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

Agradeço a manifestação de V. Exª e a devolvo, no reconhecimento de que, se alguma coisa atingimos hoje, é debitado inteiramente ao então Deputado e hoje Senador Pedro Simon.

Em relação à questão suscitada, evidentemente, não cabe ao Ministro da Justiça tecer considerações dessa natureza sobre a venda da Vale. As informações de que disponho são no sentido de que o desmembramento da Vale importa em reduzir seu poder agregado, ou seja, está na Vale a circunstância de ser um todo.

Por outro lado, o modelo de venda que o BNDES e o Governo Federal estão elaborando para a Companhia Vale do Rio Doce tem uma série de cautelas. V. Exª sabe que o Governo Federal detém hoje 76% das ações ordinárias e 6% das ações preferenciais da Companhia Vale do Rio Doce. O modelo de venda previsto corresponde a três etapas distintas. Na primeira etapa, seriam vendidos lotes de 40% e 45% de ações ordinárias para no mínimo três investidores, que deverão ser os controladores da Companhia. Numa segunda etapa, 10% das ações seriam vendidas a seus próprios empregados. Os 17% ou 23% restantes seriam vendidos em oferta pública.

A obrigação dos novos controladores, prevista no ato, é a formação de uma sociedade de propósitos especiais, que deverá se manter por cinco anos. E não poderá haver nenhuma detenção, dentro dessa sociedade, de uma participação superior a 10% do capital. Com isso, evita-se o controle daquilo a que V. Exª se referiu - não sei bem por quê - em relação a japoneses. Foi um exemplo aleatório.

Prevê ainda duas grandes situações importantes, Senador, que é a golden share, ou seja, ações de classes especiais seriam retidas pelo Governo e lhe assegurariam veto permanente a uma série de decisões, inclusive aquela que mais lhe preocupa, que é a venda ou o fechamento dos sistemas integrados de minério de ferro: mina, ferrovia e porto. O Governo Federal ficaria com poder de veto permanente a partir da concepção das chamadas golden share.

Quanto à questão relativa aos decretos de lavra concedidos, a Companhia Vale do Rio Doce ainda não os explorou, não fez a prospecção e ainda não tem noção do que essa mina possa representar em termos de produção. É também uma cautela. No projeto de venda da Vale, essa cautela significa que, na fixação do valor de venda da Vale, consideram-se as prospecções e os levantamentos já feitos. Em relação àquilo que não foi feito - e não se sabe o que tem -, serão emitidas debêntures especiais, que vão assegurar aos atuais acionistas, ou seja, aos acionistas que se afastam, a participação nos resultados, futuros e eventuais, de concessões de lavras ainda não exploradas e não identificadas.

Então, do ponto de vista do Ministro da Justiça, naquilo que ele conhece do tema e naquilo que entendemos do tema, percebe-se nitidamente que estão cercadas as seguranças necessárias para que o contribuinte brasileiro passe a usufruir das vantagens da Vale, já que as contribuições da Vale ao Tesouro Nacional, ao que tudo indica, envolvem uma quantia em torno de R$70 milhões/ano, inferior inclusive à contribuição da Vale ao fundo de participação dos seus empregados. O contribuinte brasileiro tem uma receita, vamos assim dizer, participa do resultado da Vale em torno de R$70 milhões. É o número que me ocorre das informações que obtenho lateralmente, mas não tenho condições de responder de forma objetiva.

Asseguro a V. Exª , Senador Pedro Simon, que o Governo está extraordinariamente preocupado em manter a integridade por intermédio de mecanismos de debêntures futuras, de golden share, e também mecanismos de não controle majoritário da própria Companhia Vale do Rio Doce, para assegurar que a privatização seja em benefício do povo brasileiro. Isso se dará de forma tal a que R$70 milhões/ano - que são os dividendos da Vale, não se computando, evidentemente, as questões relativas aos royalties decorrentes de qualquer débito em qualquer personagem - possam ser convertidos em valores superiores a sete vezes mais do que R$70 milhões.

Creio que o Sr. Ministro Antonio Kandir e o Sr. Ministro das Minas e Energia teriam condições de explicitar, com muito mais competência, um tema que não é da minha alçada.

Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/1996 - Página 20314