Discurso no Senado Federal

CONTENTAMENTO COM A DECISÃO DO PMDB, EM SUA CONVENÇÃO NACIONAL, QUE IMPEDIRA O USO DA MAQUINA PUBLICA NA APROVAÇÃO DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. INCOMPREENSÃO DE S.EXA. COM AS CONTRADIÇÕES DAS MANCHETES PUBLICADAS NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE EDIÇÕES DE 9 E 10 DE JANEIRO, INTITULADAS 'A LEGITIMIDADE DA REELEIÇÃO' E 'OPERAÇÃO DE GUERRA PARA APROVAR A REELEIÇÃO'. DESPOTISMO DO SISTEMA PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANO, TIDO COMO MODELO PARA OS QUE ADVOGAM A REELEIÇÃO NO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • CONTENTAMENTO COM A DECISÃO DO PMDB, EM SUA CONVENÇÃO NACIONAL, QUE IMPEDIRA O USO DA MAQUINA PUBLICA NA APROVAÇÃO DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. INCOMPREENSÃO DE S.EXA. COM AS CONTRADIÇÕES DAS MANCHETES PUBLICADAS NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE EDIÇÕES DE 9 E 10 DE JANEIRO, INTITULADAS 'A LEGITIMIDADE DA REELEIÇÃO' E 'OPERAÇÃO DE GUERRA PARA APROVAR A REELEIÇÃO'. DESPOTISMO DO SISTEMA PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANO, TIDO COMO MODELO PARA OS QUE ADVOGAM A REELEIÇÃO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 14/01/1997 - Página 2136
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), OPOSIÇÃO, REELEIÇÃO, IMPEDIMENTO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, FAVORECIMENTO, PROCESSO ELEITORAL.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, EXCESSO, ATENÇÃO, REELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, REELEIÇÃO.
  • CRITICA, COMPARAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, IMPERIALISMO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o Senador Casildo Maldaner ocupou a tribuna do Senado, nesta tarde, para manifestar a sua alegria, o seu contentamento com os resultados da convenção do PMDB, realizada ontem, aqui na Capital Federal.

Eu também senti - evidentemente em menor escala, por estar mais distanciado da sua agremiação política - o contentamento, a alegria em ver que a máquina administrativa, a máquina do poder não será utilizada para permitir que empresas estatais financiem uma propaganda direta ou subliminar em relação à aprovação da reeleição do Presidente da República.

O ex-Deputado Maurílio Ferreira Lima há muito tempo vem confessando que colocará as 49 emissoras pertencentes ao conglomerado das comunicações oficiais a serviço da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Diz esse dirigente da mais importante rede de emissoras estatais da América Latina que ele "deflagrará uma guerra televisiva numa guerra radiofônica para fazer com que a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso seja vitoriosa". E diz mais: "Quem não tem competência saia da raia". Ele tem a competência de dirigir empresas públicas brasileiras e, ao invés de divulgar a cultura, ele quer restabelecer no Brasil uma batalha campal em que, no lugar dos antigos jagunços, o Governo se valha da moderna mídia.

Portanto, a todo momento estamos encontrando esse Estado despótico, simpático, desumano, que gastou na questão da reforma agrária apenas 11% dos recursos destinados a esse grave problema brasileiro, conforme denúncia feita pela imprensa neste País. Isso quer dizer que não apenas a infância teve seus recursos economizados. O social não tem vez, mas as eleições, estas, sim, tiveram, até o processo da reeleição, o dom de fazer com que Sua Excelência o Senhor Presidente da República reduzisse o ritmo de suas viagens ao exterior. Tamanha a importância que concede a si e aos seus propósitos continuístas que deixou de viajar para o exterior, o que não deixa de ser uma conseqüência, talvez a única, positiva desse processo de reeleição.

O que tem acontecido com a imprensa nacional é inédito. Moro em Brasília há 36 anos e, com exceção do período que passei no exterior, de forma obrigatória, leio jornal diariamente e noto com satisfação que o órgão dos Diários Associados tem progredido muito, melhorado muito em praticamente todas as suas colunas, em todos os setores informativos.

Nesses 36 anos nunca tinha visto um editorial de primeira página que ocupa, transversalmente, sua parte superior. Ao longo de 36 anos, como leitor deste jornal, nunca vi isso! E a que se deve tamanho destaque? Essa matéria trata da legitimidade da reeleição que, discrepando um pouco do seu estilo em editoriais, tece uma série de considerações infundadas e mal fundamentadas, procurando justificar a tese da reeleição, idéia à qual o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso era desfavorável há tão pouco tempo, conforme sua suplente, Senadora Eva Blay, que votou contra esse objetivo exclusivo e ambicioso do Presidente da República.

O PMDB mostrou ser um Partido consciente e de grande responsabilidade histórica, sem se deixar embair pela campanha e pelas benesses do toma-lá-dá-cá que, como todos sabemos, serviria para o cumprimento do desiderato maior do Chefe do Executivo Federal.

Diz o editorial, entre outras coisas, que "a tese é legítima e não pode ser avaliada sob a inspiração de casuísmos e interesses menores, expressos em argumentos cabotinos e inconsistentes, que admitem a reeleição como princípio, mas que pretendem dela excluir o atual Presidente da República. Por quê?" Sim, realmente foi casuístico, quando era candidato a Presidente da República Luiz Ignácio Lula da Silva, esses casuísmos de reduzir o mandato de cinco para quatro anos, de ameaçar com um sistema Parlamentarista, que transformaria Lula, caso vitorioso, numa rainha da Inglaterra, tendo ação apenas como Presidente da República, mas não como administrador, Presidente da administração brasileira, como Primeiro Ministro, podemos dizer.

Aqui, entre outras coisas, se afirma que deveríamos seguir o exemplo de outros países e que "a adoção do princípio reeletivo favorece o amadurecimento de nossa democracia e o aperfeiçoamento das instituições".

Que saudade de Getúlio Vargas! Será que é preciso continuar dando curso a um programa de governo que, como nós todos estamos vendo, tem trazido o desemprego crescente, falências em ascensão e faz com que o Brasil continue colocado como o País, de acordo com a ONU, de mais desigual repartição de renda do mundo?

O Correio Braziliense do dia 9 de janeiro defende a legitimidade da reeleição. No dia seguinte, o mesmo jornal, em sua manchete de primeira página publica: "Operação de guerra para aprovar reeleição". Operação de guerra para aprovar reeleição! Ora, se o governo considera que a sua proposição é legítima, que ele pode muito bem deixar que desta vez pelo menos o Congresso Nacional se manifeste de forma livre, no dia seguinte, verifica-se a confissão de que uma operação de guerra para aprovar a reeleição está em andamento. Portanto, em completo conflito com o editorial da véspera.

Publicou, no dia seguinte, o Correio Braziliense:

 "Vale tudo ou quase tudo. Para garantir a aprovação da emenda da reeleição de Presidente da República na Câmara dos Deputados o Governo não vai economizar esforços nem recursos."

E é legítimo isso. É revoltante. Como é possível, sem ferir a linha do jornal, que num editorial se apresente com esses argumentos, que anteriormente foram jogados por terra, desmentidos da manchete e no noticiário de primeira página do dia seguinte?

      "A ordem é atender a pedidos razoáveis dos rebeldes, conquistar o apoio dos indecisos e contar com todos os 513 Deputados Federais em Brasília no dia da votação. Ninguém pode faltar", diz o Líder do Governo na Câmara, Deputado Benito Gama.

Pois bem, se esse processo é legítimo, realmente não há como defender a legitimidade neste País.

Gostaria de me referir a outro argumento, não o argumento do poder da mídia, do poder da convicção, mas o argumento que estampa as manchetes dos jornais, que invade os meios de comunicação - a televisão e os rádios - e que assume os mais inconfessáveis caminhos para conquistar os votos necessários à continuidade do Presidente da República, que, se neste momento inicial pretende apenas o direito de se candidatar sem se desincompatibilizar, sem deixar a Presidência da República, imagine-se o que acontecerá nas eleições próximas, quando o Sr. Fernando Henrique Cardoso não pleitear apenas o direito à candidatura, mas for o candidato à reeleição, colocando todo o aparelho de Estado, toda a força do Poder, todas as agências de um Governo despótico e centralizado, como é o presidencialismo brasileiro, a serviço de sua vitória eleitoral.

Dizem também que os Estados Unidos constituem um exemplo, porque o presidencialismo norte-americano admite a reeleição. Quanto a isso, não há dúvida. O Presidente Roosevelt, eleito em 1933, foi reeleito mais três vezes e morreu no princípio do seu quarto mandato. Mas os Estados Unidos não são exemplo para ninguém em matéria de governo democrático, em matéria de relações respeitosas para com o resto do mundo e de relações internas capazes de fazer com que as eleições manifestem realmente a vontade livre dos cidadãos norte-americanos.

Gostaria de ler um trecho a respeito do sistema norte-americano, de seu despotismo interno, escrito por Ernest Hamblock, intitulado Sua Majestade, O Presidente. O autor desse livro foi, durante 25 anos, cônsul inglês no Rio de Janeiro e, obviamente, acompanhou e sabe muito bem de confissões como, por exemplo, do Presidente Franklin Roosevelt, que afirmou, em livro intitulado Os mil primeiros dias, escrito pelo seu secretário, que estava fazendo nos Estados Unidos o mesmo que Hitler estava fazendo na Alemanha e Stalin, na União Soviética. Portanto, se suas majestades, presidentes das Repúblicas, nesse sistema presidencialista despótico, podem se igualar e confessar que estão fazendo a mesma coisa que Hitler e Stalin, então, obviamente, não devemos seguir o exemplo desses governos que passaram de três estados da independência para as 50 estrelas que hoje compõem o imperialismo norte-americano.

A lei Helmes-Burton mostra que cada vez mais o poderio dos Estados Unidos e de seu governo presidencialista transbordou das fronteiras nacionais e que aquele país pretende influenciar e continuar influenciando nas principais decisões de todos os estados nacionais. É um país que, em sua ânsia de expansão, transformou-se na maior potência imperialista do mundo, de acordo com o autor que acabei de citar.

"O imperialismo raramente é consciente, a atitude é politicamente um defeito do regime presidencialista, que, em matéria de governo, contribui para uma autocracia ríspida e irresponsável, porque a administração pública, debaixo desse sistema, está indissoluvelmente ligada às maquinações dos grupos de líderes de um mesmo partido". E vai desfiando a série de medidas emanadas dos Estados Unidos, esse regime presidencialista que passou a admitir apenas uma reeleição no mandato de quatro anos, a partir da experiência com o Presidente Roosevelt, que ali permaneceu mais tempo do que Hitler permaneceu no governo da Alemanha.

Portanto, devemos procurar outros exemplos para seguir. Exemplos de países em que a democracia já avançou mais; talvez mesmo a de um país estranho, de tão longa, antiga e aprofundada é a sua democracia. Liechtenstein é um pequeno país onde o presidente da República, em vez de ser eleito dessa forma grosseira e degradante, é escolhido por meio de sorteio entre todos os cidadãos maiores existentes naquela república realmente democrática.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/01/1997 - Página 2136