Discurso no Senado Federal

MORTE DE 3 TRABALHADORES SEM-TERRA NO PARA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA AGRARIA NO PAIS. TENTATIVA DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR BRASILEIRO. ABUSO DAS PROPAGANDAS MENTIROSAS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL.:
  • MORTE DE 3 TRABALHADORES SEM-TERRA NO PARA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA AGRARIA NO PAIS. TENTATIVA DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR BRASILEIRO. ABUSO DAS PROPAGANDAS MENTIROSAS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/01/1997 - Página 2361
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, MORTE, SEM-TERRA, EFEITO, CONFLITO, POSSE, TERRAS, ESTADO DO PARA (PA).
  • NECESSIDADE, ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS, COMPARAÇÃO, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, SUECIA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, PROPAGANDA, PAIS, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.

O SR LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tombaram mais três trabalhadores brasileiros no Pará, aumentando o escore com esses 3 a 0. É incrível como se invertem as coisas, como se projetam a culpa nos crimes, nas contravenções, no comportamento social divergente, na desumanidade de uma classe, aquilo que foi chamado por um grande marxista freudiano de "relações sadomasoquistas entre classes sociais".

Tombam mais três brasileiros que tentavam trabalhar. E tombam por quê? Porque, obviamente, não tiveram condições de trabalho. Enquanto isso, o Ministério da Reforma Agrária despendeu apenas 11% dos recursos destinados à reforma agrária no Brasil.

Parece-me que isso é criminoso também. Mas, quando o Governo realiza o seu crime de omissão, nenhuma pena lhe é cominada pela nossa legislação, consentânea com esse comportamento anti-social.

Reforma agrária no Brasil, acho que já houve, já foi feita: a reforma agrária da burguesia para a burguesia. A reforma agrária que deu Tamakavis, que deu a fazenda da Volkswagen, a Volkswagenlândia, que doou extensas faixas de terra, ao tempo do Governo Geisel, para banqueiros, para Sílvio Santos, para empresários brasileiros. Essa reforma em causa própria já foi feita. A reforma deles está pronta e acabada, mas a reforma dos trabalhadores, a reforma para o povo, a reforma para o acesso à terra e às condições de trabalho, essa continua esperando indefinidamente enquanto o seu caminho é pontilhado pelas vítimas dessa sociedade iníqua e sem compaixão.

O mundo civilizado já realizou suas reformas agrárias há muito tempo. Na Suécia, diz Gunnar Myrdal, oito reformas mais profundas do que aquelas mentalizadas para o Brasil nos anos 60 já haviam sido realizadas. Nos Estados Unidos, o Home Stead distribuiu 170 acres para qualquer imigrante que chegasse, para onde afluíram 32 milhões de pessoas, entre 1890 e 1930, que poderiam receber esse pedaço de terra e os auxílios necessários para que o trabalho ali se desenvolvesse.

No Brasil, com exceção de algumas experiências feitas no Império com imigrantes italianos no Sul, alguns imigrantes franceses no Paraná e outros tantos no Rio de Janeiro, o Governo jamais providenciou o acesso à terra por parte dos trabalhadores que pretendiam nela realizar seu trabalho.

Agora, compara-se - e a televisão mostra - que alguns homens que trabalhavam em forma de cooperativa, em terras por eles ocupadas legalmente, estão fracassando.

Ora, até o Sr. Olacyr de Moraes, "o Rei da Soja", com os seus 400 mil hectares de terra, parece estar fracassando! Dono de uma empresa agrícola fantástica, com centenas de tratores, que excluem a mão-de-obra do campo, que são responsáveis pela redução, no campo, da população economicamente ativa - que é de apenas de 15%, agora, no Brasil -, até o Sr. Olacyr de Moraes, "o Rei da Soja", não está conseguindo suportar. Ele que, obviamente, tem uma equipe de técnicos, tem capital suficiente e acesso a empréstimos; ele que tem, agora, em construção, uma estrada-de-ferro; ele que, obviamente, tem agentes internacionais para colocar no mundo a soja que exporta... Se até ele está fracassando, como é que os pequenos trabalhadores, sem nenhuma condição de trabalho, podem, realmente, obter vitórias e se transformar em fazendeiros de sucesso?

O que se mostra, então, é uma tentativa de desvalorizar mais o trabalhador brasileiro, em vez de fazer como foi feito na Itália, nos oito enti di riforma patrocinados pela Svimez, Cassa per il Sviluppo del Mezzogiorno, a entidade responsável pela reforma agrária na Itália. Lá a terra era dividida, as cooperativas forneciam os tratores, assistência técnica era dada, e, além disso, uma casa, que na parte de baixo era um estábulo e, em cima, a residência dos operários.

Portanto, ao nos depararmos com o fato de que 89% dos recursos ficaram ociosos esse ano, em vez de serem aplicados na reforma agrária, vemos que existe muita fala, muita conversa e que as palavras, no Brasil, continuam sendo desmoralizadas.

Ora, a palavra é o principal veículo dos Parlamentares, que parlamentam, que falam. A linguagem é o principal instrumento da política, que se corrompe juntamente com as palavras mentirosas. Portanto, é preciso colocar cobro e prestar atenção no abuso que se tem feito em relação ao uso das palavras.

Essas propagandas mentirosas, essas propagandas financiadas por recursos que não se sabe de onde vieram tentam mascarar a situação real em que se encontra o Brasil, vítima do processo do real, que cobra o mais elevado preço do mundo para mascarar a inflação, para dizer que temos uma inflação próxima de zero, quando os salários também estão perto de zero, o desemprego está em 16% e a situação dos trabalhadores, o acesso à terra, à vida, às condições de trabalho encontram-se cada vez mais precárias.

A distribuição de renda no Brasil é a pior do mundo, mas querem fazer a imagem de um Brasil grande, de um Brasil potência. E essa imagem é feita também a um alto, a um elevadíssimo preço social, pagando em dia os juros e o principal da dívida externa, abrindo os portos com uma taxa de câmbio sobrevalorizada, para importarmos o excedente mundial. Aliás, o próprio Presidente da República se referiu a esse excedente há cerca de uma semana: "O problema atual é de excedente de capital", disse Sua Excelência. Se o problema deles é de excedente, obviamente não poderemos resolver o problema deles através do sucateamento das nossas indústrias, da abertura do nosso mercado, de uma taxa de câmbio desvairada, que já mostrou, na Argentina, seus efeitos maléficos, elevando a taxa de desemprego naquele país a 24%, desmoralizando o Ministro Cavallo e o Governo Menem.

Portanto, devemos tomar cuidado para que o processo de desmoralização e a crise de legitimidade deste Poder não se aprofundem ainda mais, com resultados imprevisíveis no futuro.

Era o tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/01/1997 - Página 2361