Discurso no Senado Federal

HISTORICO DA ESPOLIAÇÃO SOFRIDA PELO BRASIL EM SUAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. IMPERIALISMO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • HISTORICO DA ESPOLIAÇÃO SOFRIDA PELO BRASIL EM SUAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. IMPERIALISMO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 21/01/1997 - Página 2681
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PRETENSÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPOSIÇÃO, TESE, REELEIÇÃO, PAIS, IMPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, RESPONSABILIDADE, PROCESSO, ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Ogden e Richards, em seu livro The Meaning of the Meaning, "O significado do significado", afirmam que, após a Guerra do Peloponeso, era preciso reescrever o sentido das palavras gregas, tanto havia mudado o significado dos termos.

Não entendo mais Português. Depois de Fernando Collor e da assunção de Sua Majestade o Presidente Fernando Henrique Cardoso, realmente não consigo entender Português.

Entre outras coisas, ouvi que é paranóico o brasileiro que acha que o Brasil está sendo dilapidado e explorado por forças externas, estrangeiras. Sou paranóico, de acordo com essa terminologia, de acordo com significado emprestado para o termo que eu pensava conhecer muito bem. Então, sou paranóico, e todos os brasileiros deveriam sê-lo nesse sentido empregado por aqueles que nos acoimaram com esse diagnóstico de paranóia.

Levaram o pau-brasil, acabaram com a Mata Atlântica, traziam navios carregados de pedra, pedras de cantaria, etc., com as quais construíram, inclusive, em 1528 - se não me falha a memória -, a notável igreja de Nossa Senhora da Praia, toda planejada em Portugal e trazida para ser construída em nosso país. Aqui despejavam as pedras e levavam as nossas riquezas. Mas é paranóico quem acha que isso aconteceu. A nossa História deve ter sido escrita por paranóicos da minha estirpe.

Depois, sabemos o que aconteceu com a cana-de-açúcar do Nordeste. Na medida em que os índios foram completamente dizimados - 5 milhões de índios assassinados -, para as terras foram trazidos os negros seqüestrados da África para produzirem riqueza. Na medida em que isso foi acontecendo, o Brasil não pôde competir com as ilhas e a produção mais próxima da Europa neste setor, portanto, entrou em crise.

Sabemos que o Nordeste do Brasil recebeu trabalhadores negros e foi com o sacrifício dessa população que portugueses e ingleses se enriqueceram à custa de nosso suor.

Depois foi o ouro brasileiro, o ouro das Minas Gerais, as riquezas que foram saqueadas. Contra isso um paranóico se ergueu - chamava-se Tiradentes. Tiradentes, o paranóico, de acordo com a nova terminologia - o "neo-Português" que agora estão inventando -, achava que estavam saqueando Minas Gerais. E só falta, hoje, erguermos bustos a Joaquim Silvério dos Reis, aquele que cooperou tão bem com os exploradores externos portugueses.

Em 1785, Dª Maria I, a Louca, mandou incendiar três mil manufaturas de tecido no Brasil, puseram fogo... Ou melhor, em 1870. Desculpem a falha desta cabeça que já não consegue mais fixar as versões que dançam para lá e para cá, que mudam a cada dia a partir dos interesses que se pretendem defender a ferro e fogo neste País.

Pensei que História brasileira fosse uma comprovação irrefutável de que o Brasil tem sido constantemente espoliado em suas relações internacionais.

Mas sou um paranóico que estava em boa companhia, porque o Senhor Fernando Henrique Cardoso escreveu, em seu livro chamado Modelo Político Brasileiro, que Marx tinha razão ao detectar a conjugação, a aliança entre as três formas de existência do capital - o mercantil, o industrial e o bancário -, formando o capital financeiro.

Sua Excelência afirmou concordar com o que Lenin escreveu em seu livro O imperialismo: fase superior do capitalismo, ou seja, que essas relações imperialistas de dominação se dirigiam às colônias e antigas colônias, ao mundo periférico, para que matérias-primas e riquezas fossem apropriadas e levadas ao capitalismo cêntrico e também para que aqui se encontrasse o espaço para a sua expansão, o mercado para as suas mercadorias.

Quantas dezenas de livros foram escritos neste mundo - talvez mais de uma centena - sobre a deterioração das relações de troca, esse processo de espoliação que faz com que exportemos, a preço de banana, as nossas riquezas e que importemos bugigangas em dólar e em libra.

Portanto, não sei qual foi a minha História e não sei qual foi a História do meu País. Realmente, é preciso mudar ou a cabeça das pessoas ou a terminologia dos dicionários, como diziam Ogden e Richards a respeito do que acontecera na grande crise e na Guerra do Peloponeso na antigüidade grega.

FHC achava a reeleição inconveniente. De modo geral, as pessoas não têm compromisso com as palavras. O Presidente da República, o cavaleiro de sua própria esperança, o cavaleiro de seu futuro, o defensor ao lado de seu fiel escudeiro, o Ministro "Serjão", afirmou que esta problemática de reeleição cabe exclusivamente ao Legislativo.

A minha paranóia está-se agravando. Penso que li nos jornais: "A questão da reeleição é exclusivamente do Legislativo." Sua Excelência, acostumado a ganhar todas, a não perder nenhuma, com seu rolo compressor de alta eficiência passando sobre nós, monopolizando a mídia, afirmou: "No Brasil, não há oposição". E agora ouço que a oposição tomou conta da mídia, e que está fazendo uma campanha extraordinária.

Interessante, pensei que uma mão com cinco dedos, uma mão com dois dedos estivesse invadindo nossos meios de comunicação ao lado das 490 emissoras da Radiobrás, que, conforme afirmação do Sr. Maurílio Ferreira Lima em entrevista dada à IstoÉ em janeiro do ano passado, vão ajudar a mover uma guerrilha para a vitória de Fernando Henrique Cardoso na reeleição.

Disse mais S. Exª: "Quem não tiver competência para concorrer com ele que saia da raia". Quem não tiver emissoras, quem não tiver dinheiro, quem não tiver o controle dos meios de comunicação não deve concorrer com Sua Excelência". E a esse regime se chama "democrático".

Não contente com os ambicionados oito anos de governo, coisa inédita na História deste País, pois nenhum Presidente da República jamais pretendeu estabelecer o duplo mandato e a reeleição. O único reeleito foi Rodrigues Alves: eleito em 1902, foi reeleito em 1918, mas não chegou a governar, morreu antes disso. Muitos Presidentes da República não conseguiram completar seu mandato, alguns só chegaram ao final por meio de estado de sítio, a duras penas.

Realmente, deve haver uma obliteração dos sentidos, deve haver uma confusão fantástica entre o mundo, tal como é visto lá de cima pelos potentados, pelos áulicos, pelos que dominam os meios despóticos de produção da consciência e da falsa consciência neste País, e nós, destituídos desses instrumentos, destituídos dessa força e desse poder.

Da planície a visão é outra: quatro anos para nós é uma eternidade. Já sofremos mais de dois anos e sofreremos, se tudo der certo, mais seis.

Uma eternidade de quatro anos não basta, tem que haver duas eternidades de quatro anos, para que Sua Excelência satisfaça sua sede de poder.

"Cargo vitalício para ex-Presidente gera oposição: a proposta de transformar ex-Presidentes da República em Senadores vitalícios, defendidas por parlamentares aliados do Palácio do Planalto, já começa a encontrar resistências no Senado e dentro da própria base governista", escreveu a Folha de S. Paulo, do dia 6 de setembro de 1996.

Depois de ocupar a Presidência durante oito anos, ele vai esperar a vitaliciedade de um lugar no Senado, a fim de que não corra risco, risco esse que, várias pessoas afirmam, já está presente porque se ele foi erguido ao píncaro do Planalto pelo Plano Real, é esse Plano Real, cujas âncoras estão apodrecendo, obviamente, que vai fazer com que o seu sonho se transforme em realidade, mais cedo que Sua Excelência esperava.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Plano Real derrubou quarenta bancos desde 1994 (também Folha de S. Paulo de 9 de dezembro de 1994.)

Foram quarenta bancos, até que, num sábado, à noite, Sua Excelência fizesse uma reunião e começasse a proteger, a manifestar sua preferência especial pelos ricos e milionários. Sua Excelência forneceu até agora R$20 bilhões para o Proer, para ajudar os banqueiros, quebrados e semiquebrados. Depois de terem tido 14.260% de retorno na década perdida, acharam melhor falir para pegar mais R$20 bilhões do Proer. E o primeiro banco contemplado por Sua Excelência - a mídia deveria ter contado essas coisas - foi o Banco Nacional, do qual era diretora D. Ana Lúcia Magalhães Pinto, nora de Sua Excelência o Presidente da República.

Vai ser uma barbada. Ele vai ganhar tranqüilamente. Não há oposição para ele. Então, se houver plebiscito, nem se fala: vai ser ele jogando contra ninguém, com todos os meios de comunicação, com todos os técnicos nacionais e estrangeiros em propaganda. Ele vai jogar sozinho. Ele é o time todo e vai vencer brilhantemente essa peleja por mais quatro anos de governo. Será que vai? Ou vai acontecer o mesmo que ocorreu com o Presidente Menem, que, tendo assumido o poder por intermédio das mesmas medidas impostas pelo FMI, enfrentou quatro greves gerais consecutivas. Menem agora tem 20% apenas de apoio da opinião pública. Menem encontra-se totalmente desesperado, principalmente depois que Cavallo - aquele que veio ao Brasil no dia 7 de Setembro e outras vezes, para orientar os brasileiros como fazer um plano parecido com o dele - fugiu, largando-o na estrada, opondo-se a ele. Domingo Cavallo está sendo ameaçado com dezenas de processos, porque tem acusado a realidade da economia de mercado instaurada na Argentina, a ditadura do mercado livre, que fez com que lá o desemprego atingisse 24% da mão-de-obra. É isso que nos espera.

Para terminar, Sr. Presidente, a nossa dívida externa passou de R$123,4 bilhões, em 1990, para R$175 bilhões, no ano passado. Esses recordes nós escondemos. 13,4% de desemprego em São Paulo e 26% de desemprego em Brasília. Esses recordes a gente esconde. O que é bom a gente mostra.

Gostaria de terminar fazendo uma homenagem a Barbosa Lima Sobrinho, aquele que disse que "no Brasil, enforcam-se os tiradentes e homenageiam-se os joaquins silvérios dos reis, os traidores".

Fernando Henrique Cardoso disse que, "no Brasil, vai-se construindo a anti-nação brasileira, por meio do capital estrangeiro, por meio das forças externas, que vão-se aliando às forças nacionais". "É a anti-nação brasileira" - disse Fernando Henrique Cardoso - que se construiu no Brasil. É essa anti-nação que nos dilapida; não é a paranóia, não: é essa anti-nação a que se refere Fernando Henrique Cardoso.

Barbosa Lima Sobrinho, perguntado se era a favor da reeleição, afirmou: "Sou contra, porque respeito a experiência do Brasil nas quatro constituições anteriores, contrárias à reeleição; sou contra a reeleição do atual Presidente, que quer eleger-se às custas do dinheiro público e pode levar o Brasil a um processo de colonização".

Cem anos de experiência, um século de inteligência, um século de clarividência! - o meu grande ilustre paranóico Barbosa Lima Sobrinho. Paranóico de acordo com o dicionário da Nova República.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/01/1997 - Página 2681