Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI APROVADO ONTEM NO SENADO FEDERAL, CONCERNENTE A REMOÇÃO DE ORGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI APROVADO ONTEM NO SENADO FEDERAL, CONCERNENTE A REMOÇÃO DE ORGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/1997 - Página 2618
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, SENADO, PRESUNÇÃO, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO, OBJETIVO, TRANSPLANTE.
  • CRITICA, SENADOR, CAMPANHA, VETO (VET), LEGISLAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, DECLARAÇÃO, CIDADÃO, AUSENCIA, DOAÇÃO, ORGÃOS, POSTERIORIDADE, MORTE.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS-PE. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vou responder a esse assomo de orfandade da ditadura que prolifera hoje no País, de pessoas insuspeitas. Não pelo malufismo atual, mas pelo passado de luta contra a ditadura, como, por exemplo, o Senador Epitacio Cafeteira; mas alguns também por suas posições atuais: o Presidente do PMDB, Deputado Paes de Andrade; o Senador Ademir Andrade, enfim, pessoas que estão vinculadas à luta democrática, esquecidas de que lá não se discutia doação de órgãos - a tortura cuidava muitas vezes até de matar.

É incrível como se quer perder memória neste País, e se perde memória inclusive bem recente, nem é de um passado longínquo; é de algo que se aprovou e que parece que não se sabe que aprovou, porque se esqueceu, e se vai para uma campanha em que ninguém está levando em consideração concretamente o que se aprovou.

O próprio Senador Bernardo Cabral fica afirmando que alguém está se despreocupando com a questão da doação e a sua vida. Ninguém está discutindo aqui o problema da vida: está se discutindo o que se faz com aquilo que foi declarado morto. Em relação a isso, pode-se optar pela forma de enterrar, ou de cremar; permitem-se várias opções em relação ao cadáver, inclusive por questões filosóficas. Está-se aqui regulamentando algo em relação ao cadáver, na morte cerebral, e não em relação a pessoas vivas. Regulamentou-se algo que hoje já existe; não se mudou nada em relação à questão dos testemunhos, da presença de médicos fora dos transplantes, do acompanhamento de médicos de família; não se mudou nada nos procedimentos que hoje já são adotados na questão da doação para transplantes das pessoas que são declaradas mortas do ponto de vista cerebral e que podem, por isso mesmo, ser doadoras para transplante, porque não é um morto qualquer. Existem técnicas do ponto de vista da medicina, e que estão aqui perfeitamente respeitadas: estavam na legislação anterior, ainda vigente, e ficarão na legislação posterior, se essa for aprovada.

O único ponto que temos que discutir - e lamento que isso esteja sendo feito de forma profundamente equivocada - é a respeito da questão da desinformação que algumas pessoas começaram a alegar. Apareceu um médico dizendo que é contra porque é um problema cultural. Mas claro que é. Toda cultura terá que ser discutida em função dessa nova realidade, através da intervenção do Poder Público, dos formadores de opinião, da mídia, porque é interessante lembrar que a vacinação se faz, inclusive, hoje, atendendo e atingindo toda a população que necessita da vacina, por conta de um bom programa de informação, inclusive para os setores D e E, ou número e nome que se queira dar aos setores menos informados. Esses são atendidos pela vacinação em massa no Brasil e, portanto, poderiam ter informação em massa do que hoje significa doação dos órgãos para transplante após a morte.

Vem um médico e fala da questão cultural; vem um outro e fala que os hospitais não estão preparados. Mas não estamos discutindo isso: estamos apenas estabelecendo que, ao invés de a doação se fazer por declaração expressa do cidadão, a não-doação é que necessitará de declaração expressa do cidadão. É única e exclusivamente isso e mais nada. E isso não significa nenhuma violência. Não tem que confundir com ditadura. Não se tem que discutir institutos de doação: tem que se discutir o que se vai fazer com um cadáver que teve morte cerebral atestada por médicos com responsabilidade - aliás, outro ponto abordado aqui irresponsavelmente, como se os médicos brasileiros fossem assassinos, homicidas e criminosos, como se a lei não tivesse resguardo algum, nenhuma prevenção, como se ela não tivesse todo o cuidado técnico, como tem hoje e que se mantém. Não podemos cair nesse tipo de discussão.

Vamos esclarecer a população, a opinião pública. Esse papel também é nosso, educadores que somos. Ao votarmos a lei, não podemos dar guarida a determinadas posições que anunciam efeitos, que são evidentemente constrangedores, e que criam posições contrárias a um procedimento que é um avanço, que coloca o Brasil contemporâneo do século XXI nessa questão. São pessoas que estão veiculando preconceitos e, o que é pior, desinformação, numa instituição que deveria ser o órgão maior da informação legislativa, da formação de condutas e, claro, da educação política e democrática do povo brasileiro.

Não podemos, então, cair nesse tipo de discurso. Não vamos perder a memória, como muitos estão perdendo, em relação à ditadura, uma memória que foi de ontem, num projeto aprovado ontem e que, portanto, precisamos ler para não esquecer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/1997 - Página 2618