Discurso no Senado Federal

RELATORIO DE SUA VIAGEM COMO MEMBRO DE DELEGAÇÃO INDICADA PELO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL, PARA VERIFICAR OS FATOS OCORRIDOS NO ULTIMO DIA 13, NO MUNICIPIO DE OURILANDIA DO NORTE, NO PARA, QUE CULMINARAM NA MORTE DE 3 TRABALHADORES. AGRAVAMENTO DOS CONFLITOS E MORTES QUE ENVOLVEM TRABALHADORES NO CAMPO. ANUNCIO DA MORTE DE MAIS 2 TRABALHADORES RURAIS, ONTEM, NO MUNICIPIO DO RIO BONITO DO IGUAÇU, NO ESTADO DO PARANA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RELATORIO DE SUA VIAGEM COMO MEMBRO DE DELEGAÇÃO INDICADA PELO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL, PARA VERIFICAR OS FATOS OCORRIDOS NO ULTIMO DIA 13, NO MUNICIPIO DE OURILANDIA DO NORTE, NO PARA, QUE CULMINARAM NA MORTE DE 3 TRABALHADORES. AGRAVAMENTO DOS CONFLITOS E MORTES QUE ENVOLVEM TRABALHADORES NO CAMPO. ANUNCIO DA MORTE DE MAIS 2 TRABALHADORES RURAIS, ONTEM, NO MUNICIPIO DO RIO BONITO DO IGUAÇU, NO ESTADO DO PARANA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/1997 - Página 2619
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • RELATORIO, VIAGEM, COMISSÃO MISTA, AUTORIDADE, AREA, ESTADO DO PARA (PA), CONFLITO, MORTE, TRABALHADOR, SEM-TERRA.
  • INFORMAÇÃO, DEPOIMENTO, AUTORIDADE LOCAL, REPRESENTANTE, TRABALHADOR, DEMORA, GOVERNO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • INFORMAÇÃO, ARMAMENTO, VIOLENCIA, ATUAÇÃO, SEGURANÇA, FAZENDEIRO, AREA, CONFLITO.
  • LEITURA, DEPOIMENTO, VIUVA, TRABALHADOR, VITIMA, HOMICIDIO.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, VIOLENCIA, CAMPO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DETERMINAÇÃO, PROMOTORIA DE JUSTIÇA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia de ontem, uma comissão composta pelos Senadores Ademir Andrade, Sebastião Rocha e por mim; pela Senadora Marina Silva; pelos Deputados Geraldo Pastana, Pedro Wilson e Gervásio Oliveira; pelo representante do Ministério da Justiça, Humberto Spindola; pelo Dr. Franklin Costa, da Procuradoria-Geral; pela Srª Otília Sampaio, do Incra; e pela jornalista Memélia Lúcia Schiel, conforme designação do Presidente José Sarney e do Presidente da Câmara dos Deputados, seguiu em avião da FAB para Ourilândia do Norte, no sul do Estado do Pará, cidade próxima de Tucumã, para verificar in loco o ocorrido no dia 13 de janeiro último, quando, por volta das 9h da manhã, três trabalhadores - Antonio de Souza Barros, de 38 anos; Antonio Ferreira Filho, de 29 anos; e José Júlio Rodrigues, de 36 anos - foram mortos quando estavam na Fazenda Santa Clara.

Pudemos ali constatar, tanto na Fazenda Santa Clara, que visitamos, como pelo relato do Prefeito da cidade, Romildo Veloso, do PSDB, e pelo relato que ouvimos, na Câmara Municipal, de inúmeros representantes dos trabalhadores, bem como de Vereadores e de autoridades locais, que há uma intranqüilidade muito grande na região, pelo fato de o Governo estar demorando tanto para tomar medidas que possam significar a verdadeira realização da reforma agrária.

Esses três trabalhadores, Antonio de Souza Barros, Antonio Ferreira Filho e José Júlio Rodrigues, segundo todas as informações levantadas, não estavam propriamente fazendo parte de um movimento organizado; segundo pudemos averiguar, estavam indo àquela fazenda, simplesmente porque tinham recebido notícia de que poderia haver a partilha de lotes, uma vez que lhes chegara a informação de que o Incra estaria por realizar a desapropriação.

O proprietário da fazenda, Edvair Vilela Queiroz, que já em outros episódios mostrara um tipo de atitude que não condiz com a de quem queira paz e justiça social em nosso País, já havia feito ameaças em relação ao que poderia fazer com trabalhadores. Embora médico, com uma profissão para salvar vidas, as informações são no sentido de que o seu gerente, José Mariano Neto, havia contratado seguranças, que agiram com extrema violência contra esses trabalhadores que foram achados no matagal, no meio da floresta e em pântanos, crivados de balas, atiradas praticamente à queima-roupa.

Sr. Presidente, seguranças que estejam protegendo a propriedade, naturalmente, poderiam alertar, até atirar para o alto. Quando ingressamos na sede da fazenda, tivemos grande preocupação com o número de cachorros bravios que ali se encontravam, entre eles, um fila brasileiro. Todos tivemos cuidado em chegar próximo ao local.

Ora, é natural que uma pessoa queira proteger a sua propriedade. É natural que um fazendeiro queira estar alerta com relação a intrusos. Mas não é preciso atirar, como que numa emboscada, contra três trabalhadores, extremamente simples, o que pudemos constatar pelos depoimentos que tivemos a oportunidade de ouvir pessoalmente, perante a representante do Ministério Público, a Promotora de Justiça Lucineide do Amaral Cabral e as viúvas de dois dos trabalhadores mortos.

Vou ler o depoimento das duas esposas, para que todos possam ter idéia de quem eram esses trabalhadores. Primeiro, o de Valdelice Alves dos Santos Souza, brasileira, goiana, companheira de Antonio de Souza Barros.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Eduardo Suplicy, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Geraldo Melo, gostaria, primeiro, de ler os depoimentos.

O Sr. Geraldo Melo - A pergunta que iria fazer independe de saber quem eles eram. Mas aguardo o momento que V. Exª considerar oportuno para o aparte.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Concederei o aparte a V. Exª, mas gostaria de, minimamente, relatar aqui os depoimentos, para que a sua pergunta possa contar com mais elementos. Inclusive, o Senador Ademir Andrade e a Senadora Marina Silva, que fizeram parte da comitiva que oficialmente representou o Senado, certamente contribuirão com suas impressões neste relato que faço, em conjunto com os companheiros que compuseram a delegação.

Passo a ler trechos do primeiro depoimento:

      "...VALDELICE ALVES DOS SANTOS SOUZA, brasileira, goiana, companheira de Antonio de Souza Barros,... residente... no setor Bela Vista, em Ourilândia, declarou que: no dia 13..., por volta das 7:15 horas, o seu companheiro, ANTONIO DE SOUZA BARROS, saiu de casa dizendo que iria olhar uma terra na Fazenda Santa Clara para verificar se a mesma seria cortada, já que o povo estava comentando que o dono já estava negociando com o INCRA, e que não demoraria a voltar, pois no máximo às 14:00 horas estaria em casa; que no momento o mesmo portava um facão, seu instrumento de trabalho, já que trabalhava em roços nas Fazendas, por ocasião das empreitadas, levando consigo a bicicleta de sua propriedade, uma caloi poty, de cor vermelha, cujo documento de compra do objeto se encontra com a mesma;"

Gostaria de ressaltar, portanto, conforme todos os indícios, que os três trabalhadores não portavam armas de fogo, mas os seus facões; por enquanto, isso é que foi detectado. Um desses trabalhadores era casado com a própria servente que trabalhava no fórum e que estava depondo.

Nessa cidade relativamente pequena, Ourilândia do Norte, onde não há ruas asfaltadas e a principal avenida é praticamente a única que está em bom estado para o tráfego de veículos, as pessoas, normalmente, andam de bicicleta, como era o caso desse trabalhador.

Continuando a leitura:

      "que o mesmo, antes de sair de casa com destino à citada Fazenda, saiu de casa por volta das 6:00 horas, para combinar com os seus amigos, JOSÉ JÚLIO e ANTONIO FERREIRA, o local aonde se encontrariam para seguir com destino à referida Fazenda, retornando logo em seguida; que após merendar, o mesmo saiu para o local já citado; que, com o passar das horas, começou a se preocupar, pois seu companheiro não retornava; que, por volta das 21:00 horas, chegou em sua residência uma vizinha de prenome MARIA, relatando para a mesma que o povo da cidade estava comentando sobre um tiroteio ocorrido na citada Fazenda, momento em que esta pediu a um vizinho para que este procurasse saber se os mortos já haviam chegado na cidade, e que o mesmo verificasse se o companheiro da mesma estava entre os mesmos; que o seu vizinho, marido da Srª MARIA, saiu para verificar a notícia e retornou lhe dizendo que na cidade ainda não havia chegado nenhum corpo, e que deveria estar havendo um mal-entendido; que no outro dia, por volta das 07:30 horas, resolveu procurar a mulher do Sr. JOSÉ JÚLIO, Srª MARIA, com o intuito de saber se o marido desta já havia chegado, momento em que esta lhe informara que não, razão por que convidara referida senhora para que as mesmas fossem até a Delegacia de Polícia para saber do fundamento da notícia que o povo estava comentando, sobre um tiroteio na Fazenda Santa Clara, com vítimas; que, na Delegacia de Polícia, a escrivã disse não saber de tal acontecimento, aconselhando a procurarem o Destacamento da Polícia Militar local; que no Destacamento, os três militares que estavam de serviço lhe confirmaram a notícia, de que realmente tinha havido um tiroteio, mas que até o momento não sabiam se tinha algum cadáver no local, já que só poderiam ir até o local com ordem judicial, aconselhando para que a mesma aguardasse a ação policial; que diante de tal notícia retornou com a Srª MARIA para casa; que no final da tarde do dia 14, um senhor que não sabe precisar o nome, chegou na cidade comentando ter visto um cadáver, notícia que acabou chegando em sua casa, razão por que um rapaz que se encontrava em sua residência, de alcunha "VEINHO", resolveu procurar este senhor para verificar a veracidade da notícia, retornando em seguida; que no momento "VEINHO" não chegou a falar com a mesma, pois esta já estava bastante nervosa, mas ouviu o comentário deste com os vizinhos que se encontravam em sua casa, de que realmente havia um corpo e, quando o mesmo passou a descrever a roupa que o cadáver se encontrava, esta teve a certeza de que o corpo de que falavam era o de seu companheiro; que na mesma noite foi procurada em sua residência pelo Sr. LUCIANO, Oficial de Justiça, que, conhecendo a sua pessoa e a de seu companheiro, lhe confirmou que infelizmente o corpo encontrando era do Sr. ANTONIO; que somente no dia 15, pela manhã, foi ao necrotério do Hospital do Estado e viu o corpo de seu companheiro; que o seu companheiro nunca se envolveu com posseiros ou invasões, e que não recebeu qualquer tipo de ameaça de quem quer que seja, e que o mesmo, no dia 13, falou para a mesma que iria apenas verificar se realmente estavam cortando lotes na Fazenda Santa Clara, em companhia apenas de JOSÉ JÚLIO e ANTONIO FERREIRA; que o seu companheiro nunca se envolveu em confusões, sendo pessoa conhecida na cidade e sem inimigos; que até o momento não sabe do paradeiro da bicicleta em que o seu companheiro saiu de casa e nem do facão que o mesmo portava; que o referido facão possuía bainha e era relativamente bem conservado."

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para que possam ter uma idéia melhor, é bastante semelhante o depoimento de Luzimar Veloso Frasão, companheira de Antonio Ferreira Filho, domiciliada na Rua 10, nº 25, Setor Getate, que declarou:

      "...no dia 12 do corrente mês, por volta de 21:00 horas, um amigo de seu companheiro, que a mesma não conhece, esteve em sua casa e, em conversa com o seu companheiro, falou sobre um grilo de terra que estaria ocorrendo na Colônia Calça Amarela, pois já tinha ido ao local e pego um terreno e que no local não havia problema nenhum, já que havia vários posseiros, tendo, após a conversa, se retirado, ficando acertado, entre este senhor e o seu companheiro, que no dia seguinte os mesmos se deslocariam até o local para verificação; que, no dia 13, por volta das 6:00 horas, seu companheiro saiu de casa com destino a esse determinado local, já que o mesmo não lhe falou especificamente o lugar para onde iria, apenas lhe disse que se deslocaria para os lados da Colônia Calça Amarela, devendo retornar por volta das 18:00 horas; que seu companheiro saiu sozinho de casa, dizendo que iria se encontrar com este amigo que esteve na noite anterior em sua casa; que uma das vítimas, o Sr. JOSÉ JÚLIO, esteve em sua casa na tarde do dia anterior (12), oportunidade em que almoçou como o seu companheiro, inclusive ouvindo músicas, já que o mesmo tinha trazido uma fita k-7 para gravar, porém, em momento algum, escutara, da conversa entre os mesmos, assuntos relacionados a qualquer tipo de grilo e/ou invasão; que, como o seu companheiro demorava a chegar, começou a se preocupar, porém, achava que o mesmo estivesse na casa de algum conhecido, nas Colônias; que no dia seguinte (14), foi procurada por uma vizinha de prenome MARIA, que lhe falou sobre um tiroteio ocorrido na Fazenda do Sr. ADEVAIR; diante de tal notícia, perguntou para referida senhora se esta Fazenda ficava para os lados da Colônia Calça Amarela, ocasião em que a mesma disse não ter certeza, porém, que iria verificar e após, retornaria; que a Srª MARIA voltou em seguida trazendo-lhe a notícia que não havia mais comentários, talvez para lhe confortar, diante do seu nervosismo, já que seu companheiro até então não havia aparecido; que por volta das 18:00 horas, um conhecido seu e de seu companheiro, de prenome DORIVAN, chegou em sua casa perguntando pela mesma, ocasião em que a Srª MARIA, que, no momento, estava em sua residência, informou para o mesmo que esta estava deitada e sob efeito de calmantes, já que seu companheiro ainda não havia aparecido, oportunidade em que a Srª MARIA entrou trazendo a notícia que infelizmente um dos cadáveres encontrados era do Sr. ANTONIO, companheiro da declarante; que na mesma noite, após a chegada do corpo de seu companheiro no necrotério do Hospital do Estado, dirigiu-se ao local e reconhecendo o corpo de seu companheiro e dos Srs. JOSÉ JÚLIO e ANTONIO BARROS; que em vida, seu companheiro jamais envolveu-se com assuntos relacionados a qualquer tipo de grilo ou invasão, muito menos o da Fazenda Campos Altos, e que este nunca esteve envolvido em confusões ou recebido ameaça de quem quer que seja; que no momento em que o seu marido saiu de casa no dia 13, o mesmo levou consigo apenas um facão, seu instrumento de trabalho, já que o mesmo trabalhava em roços nas Fazendas, por ocasião das empreitadas, um boné branco e uma latinha de frituras, pois tencionava voltar no final da tarde; que não sabe informar se as duas outras vítimas teriam participado de qualquer grilo ou invasão; que seu companheiro comentava em vida ter receios de algum dia se envolver com esses assuntos de invasão de terras, pois um dia, acerca de um mês atrás, o mesmo comentou com esta que esteve na Fazenda Campos Altos, ajudando um rapaz a construir um barraco, retornando no dia seguinte, ocasião em que lhe narrou que a invasão da Fazenda Campos Altos ficava dentro do pasto, por isso o mesmo não iria se envolver, para evitar confusões."

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, relato essas histórias simples das viúvas para que se possa ter uma idéia do que aconteceu.

O Deputado Giovanni Queiroz, primo do proprietário da fazenda Edvair Vilela Queiroz, deu uma entrevista anteontem, surpreendente por seus termos, quando disse que era favorável ao uso de armas para a defesa de propriedades. V. Exª falou de uma forma que nos pareceu sem critério, porque o uso de armas, nesse caso, envolveu a morte de trabalhadores simples, que, como tantos outros, estão pelo Brasil afora, hoje, procurando uma maneira de assegurar melhor a sua sobrevivência, com dignidade.

Sr. Presidente, precisamos aqui assinalar a gravidade dos conflitos e das mortes no campo no Brasil. Levantamentos da Comissão Pastoral da Terra indicam que, em 1991, houve 49 mortos em conflitos no campo, no Brasil; em 1992, 35; em 1993, 42 e, em 1994, 36 mortos.

Observem, Srªs e Srs. Senadores, que houve, em 1995, um aumento para 41 mortes e, em 1996, novo aumento para 47 mortes, quase atingindo o mais alto nível de 1991, que era de 49 mortes.

Ontem, o Senador Ademir Andrade aqui ressaltou que, no Governo Fernando Henrique Cardoso, estava havendo um número de mortes sem precedentes. Não temos aqui o levantamento completo, mas, certamente, considerando dois anos seguidos, por biênio, neste levantamento da Comissão Pastoral da Terra, chegamos à conclusão de que o Governo Fernando Henrique está com o maior índice de mortes havidas em conflitos no campo, no Brasil.

Como se não bastasse a notícia vinda do Pará, os jornais de hoje mostram que dois trabalhadores sem terra morreram e outro ficou gravemente ferido, em conflito ontem na fazenda Pinhal Ralo, do Grupo Giacomet-Marodin, Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná.

Segundo a coordenação do Movimento Sem-Terra, no Paraná, esses trabalhadores foram mortos em emboscada, quando pulverizavam com herbicida uma área próxima ao reflorestamento da empresa. Trata-se de uma área que, inclusive está previsto, será desapropriada proximamente pelo Ministro Raul Jungmann, na chamada Fazenda Giacomet-Marodin.

Queremos transmitir aqui o apelo do Prefeito Romildo Veloso, dos Vereadores tanto de Ourilândia do Norte quanto de Tucumã, às autoridades para que elas acelerem a realização da reforma agrária e não demorem tanto para tomar medidas para prevenir tragédias como as aqui descritas.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Presidência pediria que os aparteantes fossem breves, porque o tempo do Orador já está esgotado, e há mais de sete oradores inscritos ainda para falar.

A Srª Marina Silva - Senador Eduardo Suplicy, tive oportunidade de, com V. Exª, o Senador Ademir Andrade e mais um grupo de Deputados, a representante do Incra e do Ministério da Justiça, ir até o local onde aconteceu mais essa chacina. As circunstâncias do acontecimento V. Exª apresentou muito bem, baseando-se no relato feito pelas esposas das vítimas. Eram pessoas que estavam indagando, in loco, se havia a possibilidade de demarcar um pequeno lote para elas, já que havia boatos de que os fazendeiros estavam colocando as suas propriedades à disposição do Incra e do Ministério da Reforma Agrária para que fossem feitas negociações para desapropriação. E como medida de precaução, essas pessoas estavam querendo dar a conhecer uma pequena área onde gostariam de ser assentadas. Lamentavelmente, aconteceu que os jagunços, a milícia particular do fazendeiro assassinou essas pessoas, cujo número não se tem ainda certo, pois familiares das vítimas, membros da CPT, da Central Única dos Trabalhadores e das entidades de defesa dos trabalhadores rurais dizem que ainda há desaparecidos. Mas o que me impressionou foi o fato de que os familiares das vítimas pareciam estar atônitos, anestesiados. Primeiro, a não ser os que foram depor em juízo, se havia familiares das vítimas no evento na Câmara de Vereadores, eles não quiseram se manifestar, por medo. As pessoas que fazem parte dos vários processos de ocupação que existem na região, e cidadãos comuns, a não ser um rapaz, que falou algumas palavras, também não quiseram se manifestar. Parece que, no Sul do Pará, as pessoas estão ficando anestesiadas e esboçam uma reação de paralisia diante dessas barbaridades. Fiquei também bastante assustada quando as autoridades locais, ao se reportarem ao fato, mencionavam: "Não queremos saber quem foi o culpado, não queremos culpar o fazendeiro, queremos apenas que o Governo Federal faça a reforma agrária. A nossa bandeira principal é que o Governo Federal faça a reforma agrária." Mas é doloroso ver o nível de pressão, de capacidade coercitiva que os fazendeiros têm, a ponto de prefeitos, vereadores e algumas lideranças populares dizerem que não interessa quem matou, que o que interessa é que parem de matar. Considero que os culpados devem ser punidos e que nós devemos dar conta desse processo, porque é muito estranho esse tipo de comportamento em face daqueles que ceifam a vida de pessoas. Um outro aspecto que me impressionou foi dizerem: "O nosso Estado, o nosso município, a nossa região só aparecem como locais onde acontecem chacinas, e estamos cansados disso". Nós, do Acre, também já dissemos isso muitas vezes. E a postura das pessoas de bem dessa região - e, com certeza, são muitas, são milhares, porque, graças a Deus, os bandidos ainda são minoria, mas com um poder de promover desgraças e danos muito grande - era a de dizer: "Não foram 20 pessoas que foram mortas, foram apenas três, nós queremos deixar bem claro. Como se, sendo apenas três, a barbaridade da ação diminuísse! Se fosse apenas uma pessoa, se fosse apenas um ferido, a indignação ainda deveria estar presente. Não podemos deixar acontecer neste País que, para que as pessoas esbocem algum sintoma de indignação, de perplexidade diante dessas barbaridades, seja preciso que morram 10, 20 ou 30 pessoas, porque, se morrerem apenas 3, 2 ou 1 pessoa, será como se não tivesse acontecido nada. Voltei muito impressionada com o que vi naquela região. E temos, o Senador Eduardo Suplicy, o Senador Ademir Andrade, que também estava lá, o Senador Sebastião Rocha e eu que fazer uma comissão, ir até o Ministro da Reforma Agrária, com os dados que o Senador Ademir Andrade tem, dos fazendeiros que estão se dispondo a negociar, para verificar por que o Incra não está fazendo essas desapropriações. Muito embora eu deva reconhecer que algum esforço está sendo feito naquela região, porque criaram até uma superintendência especial para a questão agrária no sul do Pará. Então, o meu sentimento, naquele momento, foi de impotência, de muita tristeza e de revolta quanto a alguns aspectos. É como eu disse na reunião: é como se milhares de brasileiros, milhões, o inconsciente brasileiro perguntasse: Caim, cadê Abel? E todos nós respondêssemos que não sabemos. Vários irmãos nossos morreram em Corumbiara, em Eldorado dos Carajás, na Fazenda Santa Clara, no Paraná, em vários lugares e, a todo tempo, cada um, cada instituição responde individualmente que não sabe, como que mentindo para si mesma, para isentar-se de culpa.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senadora Marina Silva, o que pudemos constatar ao citar a Fazenda Santa Clara foi que lá não estava nenhum dos possíveis responsáveis. A evasão dessas pessoas ou mesmo a ausência do gerente ou daqueles que ali trabalhavam e que possivelmente estavam envolvidos, ou quase que certamente, pelas próprias palavras do proprietário da fazenda, indica que houve responsabilidades das quais essas pessoas querem se evadir, não se mostrando, e, se possível, não depondo. Há um sentimento de que ali se pode matar e ir embora por um tempo, para não haver qualquer punição. E é isso que precisa ser mudado. Essa é a razão pela qual é muito importante a responsabilidade da promotoria, dos delegados de polícia, do Ministério da Justiça, que devem acompanhar a ação de investigação para que esses crimes não fiquem impunes.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª, se houver tempo.

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Mesa comunica ao nobre Senador Eduardo Suplicy que o seu tempo já foi ultrapassado em 8 minutos, e vários oradores ainda estão inscritos para falar. Eu pediria a compreensão do Senador Lauro Campos, para que o orador pudesse encerrar o seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, solicito também que sejam transcritas aqui as providências que a Promotora de Justiça, Lucineide do Amaral Cabral, determinou com respeito à investigação que precisa ser realizada, ao exame do local, ao exame de balística e oitiva das pessoas que poderão trazer subsídios para a investigação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/1997 - Página 2619