Discurso no Senado Federal

MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, EM QUE S.EXA. TECE CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO E AS AÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. CRITICAS A PROPOSTA DE DESARMAMENTO EM OURILANDIA DO NORTE - PA. DESEJO DE MILHARES DE LATIFUNDIARIOS EM NEGOCIAR SUAS TERRAS COM O INCRA. REPUDIO A PRISÃO, EM MARABA - PA, DO PRESIDENTE DO SINDICATO DOS GARIMPEIROS DE CURIONOPOLIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.:
  • MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, EM QUE S.EXA. TECE CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO E AS AÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. CRITICAS A PROPOSTA DE DESARMAMENTO EM OURILANDIA DO NORTE - PA. DESEJO DE MILHARES DE LATIFUNDIARIOS EM NEGOCIAR SUAS TERRAS COM O INCRA. REPUDIO A PRISÃO, EM MARABA - PA, DO PRESIDENTE DO SINDICATO DOS GARIMPEIROS DE CURIONOPOLIS.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/1997 - Página 2638
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, ANALISE, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, PROPOSTA, DESARMAMENTO, REGIÃO, CONFLITO, ESTADO DO PARA (PA), PREJUIZO, TRABALHADOR RURAL, UTILIZAÇÃO, ARMA, CAÇA, PREVISÃO, IMPUNIDADE, FAZENDEIRO, ACESSO, CONTRABANDO.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO, REFORMA AGRARIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SEM-TERRA, AUMENTO, INVASÃO, CONFLITO, VIOLENCIA.
  • REPUDIO, INJUSTIÇA, GARIMPEIRO, PRISÃO, MUNICIPIO, MARABA (PA), ESTADO DO PARA (PA), CRITICA, ATUAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), REGIÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar eu gostaria que fosse registrado nos Anais do Senado o artigo publicado hoje na Folha de S. Paulo, de autoria do Presidente desta Casa. Nele o Senador José Sarney faz uma série de considerações sobre o comportamento e a maneira de agir do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tenho discordâncias político-ideológicas com o Presidente José Sarney, mas durante todo o tempo que temos convivido, percebo que S. Exª é, de fato, um democrata, que S. Exª tem respeito pelas pessoas, pelas oposições e sabe ser um político. De forma que acho que merecem ser registradas nos Anais desta Casa as considerações que S. Exª, hoje, escreve na Folha de S. Paulo.

Em segundo lugar, também estive em visita a Ourilândia do Norte, junto com os Senadores Eduardo Suplicy, Marina Silva, Sebastião Rocha, alguns Deputados Federais e algumas autoridades. O Senador Eduardo Suplicy fez bem um relato da situação.

Quero tratar de uma outra questão. Mas antes dela, quero ressaltar dois aspectos: em primeiro lugar, a proposta pública de desarmamento na região. Essa proposta só pode partir de quem não entende absolutamente nada de povo e, muito menos, de reforma agrária. Essa proposta só pode partir de pessoas que não conhecem a nossa realidade.

A imprensa noticia que essa proposta partiu do Ministro Raul Jungmann. Ela não tem nenhum sentido de resolver o problema. Quem vive no campo, quem conhece o trabalhador rural sabe que uma espingarda é um instrumento de trabalho do trabalhador rural. Ele, às vezes, tem que trabalhar 4, 5 meses para conseguir esse instrumento. E qualquer operação de desarmamento, evidentemente, só recai sobre esses trabalhadores.

A floresta amazônica ainda é uma região perigosa, onde existem onças e uma série de animais, e a arma serve até à própria sobrevivência dos trabalhadores rurais, que caçam para comer a proteína contida na carne dos animais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os grandes latifundiários não serão atingidos por operações de desarmamento. Eles têm condição de comprar armas neste País a qualquer hora que queiram e até de contrabandeá-las ou usá-las em operações específicas que queiram fazer. 

De forma que quero aqui condenar, com veemência, essa proposta. O que o Governo tem que fazer é dar ocupação aos que estão desocupados, e o trabalho na terra é uma ocupação digna, que traz um grande futuro para este nosso País.

Aqui, tenho repetido - e disse ontem para os trabalhadores rurais, autoridades presentes e para o Coordenador do INCRA - que existem hoje centenas de latifundiários ávidos por negociar suas terras. Nesse momento, de acordo com as condições que estão vivendo, o Governo tem todo o poder de estipular o preço, de negociá-lo, porque esses trabalhadores sabem que não podem continuar detendo tamanha área como o fizeram até hoje.

Citei que não existe nenhum caso, nesses últimos 20 anos, em que o Governo tenha desapropriado uma área para nela assentar trabalhadores rurais. Ele desapropria a área depois que já está ocupada, resolvendo os conflitos.

Na minha região, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que assentou 100 mil famílias nos dois anos de governo. Na minha região, no Norte do meu País, quero que o Presidente me aponte uma única família que tenha assentado; que tenha levado da cidade, inscrito no programa dos sem-terra e fixado em uma terra para trabalhar. Todas as famílias contabilizadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso invadiram, ocuparam e resistiram na terra; viram seus parceiros morrerem e, depois, tiveram sua situação regularizada. São essas as famílias que estão nas estatísticas do Presidente Fernando Henrique Cardoso e, se é assim, não foi ele quem as assentou; a luta desses trabalhadores foi que lhes permitiu conquistar o direito à terra.

Na recente invasão que houve, o mais grave é que realmente esses trabalhadores estavam invadindo uma área que podemos considerar produtiva; uma área consolidada, bem estruturada, pertencente a um fazendeiro.

O que isso representa? O estado de desespero das pessoas que não têm mais emprego, porque ocupar terras improdutivas, ocupar grandes latifúndios é natural, é admissível. No momento em que se busca ocupar uma terra considerada produtiva, uma fazenda bem situada, já se está numa situação de desespero.

Em cada Município do Sul do Pará, pode-se procurar em todos os sindicatos de trabalhadores rurais que não encontraremos uma lista sequer com menos de 1000 inscritos para ocupar a terra. As ofertas estão sendo feitas, mas o Governo não resolve nenhuma delas.

Agora, depois dessa seqüência de mortes no meu Estado e no Brasil, vimos a notícia da morte de dois trabalhadores no Paraná e há um outro ferido.

Se o Governo não agir, essa situação vai continuar, porque a UDR já se está reorganizando. Hoje, os proprietários estão reunidos em Marabá para analisar como enfrentar as invasões que ocorrem, evidentemente pela necessidade da população e pela irresponsabilidade do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Ontem, aliás, o PSDB fez um programa muito bonito. Em seguida, vimos o Jornal da Globo, em que o PSDB falou sobre Saúde, Educação, assentamentos e, logo depois, sobre as mortes nos assentamentos; em seguida, apareceram os hospitais, com pessoas morrendo nas portas sem atendimento, numa total incoerência e falta de visão da realidade que estamos vivendo.

Fiz essas considerações e quero chegar a um terceiro ponto, que, na verdade, é a razão do meu pronunciamento. Não fui somente a Ourilândia com os companheiros Senadores e Deputados Federais. Fui antes à Delegacia de Polícia de Marabá. Lá, está preso um cidadão, Presidente do Sindicato dos Garimpeiros de Curionópolis, na condição de marginal. Posteriormente, fui à Penitenciária Agrícola de Marabá - que de penitenciária agrícola não tem absolutamente nada! Pedi para visitar as lideranças garimpeiras que lá estavam presas. Esperei determinado tempo; em seguida, chegaram quatro cidadãos, pais de família, algemados, para falar comigo: o Sr. Aurino Francisco dos Santos, Presidente da Associação de Assistência e Defesa dos Garimpeiros de Serra Pelada - Adegasp -, preso no dia 4 de novembro de 1996; o Sr. José Eliedilson Brito, Diretor-social da referida associação, preso no dia 29 de novembro de 1996; o Sr. Maurício Braga de Souza, vulgo "Carioca", Presidente da Associação dos Bairros de Serra Pelada, preso no dia 14 de novembro de l996 e, finalmente, o Sr. Claudiomar Elias de Melo, preso no dia 31 de outubro de 1996.

Este último não é garimpeiro, simplesmente levou um caminhão de alimentos aos garimpeiros de Serra Pelada, partindo de Imperatriz, no Maranhão. Revoltado pela sua situação, sem recursos para enviar aos seus parentes que moram em Imperatriz para virem visitá-lo na Penitenciária de Marabá, esse cidadão entrou em greve de fome desde o dia 11 deste mês. Há praticamente 7 dias que está nessa situação. É possível que ele esteja passando muito mal e nada foi divulgado a esse respeito; nenhuma providência foi tomada para resolver o seu problema.

Srª Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o que me causa espanto é o fato de que, neste País, as pessoas que têm dinheiro, que cometem crimes de morte, que cometem crimes de roubo, de falências de bancos, de instituições financeiras, que quebram empresas, respondem processo em liberdade. Estamos assistindo a uma novela em que réus confessos respondem processos de assassinatos em liberdade.

Esses trabalhadores, que não têm antecedentes criminais de nenhuma espécie, que têm residência fixa - três deles moram há 16 anos no Garimpo de Serra Pelada - estão presos na Penitenciária, que é local de presos julgados. São pais de família passando necessidade dentro da Penitenciária de Marabá.

O Juiz de Curionópolis, Laércio Laredo, mantém a prisão, apesar de inúmeros pedidos de revogação que são feitos. Um juiz que não tem a menor sensibilidade em relação ao direito do cidadão.

A Vale do Rio Doce quer que essas pessoas sejam mantidas presas. Está protegida pelo Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, que não respeitou a Constituição, nem a lei, nem a ordem estabelecida e mandou para o meu Estado, sem que lá houvesse intervenção, as Forças Armadas, para garantir os serviços da Companhia Vale do Rio Doce, para expulsar os garimpeiros de lá e, evidentemente, para entregar também aquela mina de ouro ao capital estrangeiro.

A Vale do Rio Doce, pelo preço que julgou correto, indenizou grande parte dos garimpeiros; tirou de lá aquelas pessoas. Agora está construindo uma cerca com sete metros de altura, delimitando a área que pertenceu aos garimpeiros - que pertence a eles - para definitivamente expulsá-los de lá.

E manda o seguinte recado: quem permanecer em Serra Pelada não será empregado no Projeto Serra Leste.

Há cinco meses, quando a comissão do Senado esteve na região, a Vale do Rio Doce nos informou que ia elaborar o projeto de matriz social dentro de Serra Pelada. Mas hoje a empresa nega isso, ameaçando os garimpeiros.

Repito: Serra Pelada deveria ser tombada como patrimônio histórico do Estado do Pará e do Brasil. Serra Pelada é um símbolo do que representa o desenvolvimento do nosso País. Não se pode, pela vontade obsessiva do Presidente Fernando Henrique Cardoso de cumprir com os seus compromissos internacionais, entregar uma empresa do porte da Vale do Rio Doce ao capital multinacional. Não é admissível que Sua Excelência comporte-se com tamanha brutalidade com seres humanos humildes e trabalhadores, como o são aquela gente.

Estive com esses garimpeiros. Coletei, com lideranças da região (prefeitos, vereadores) informações. Consegui recursos e contratei um advogado mais experiente - o profissional que fazia a defesa dessas pessoas não recebia pagamento algum, uma vez que, como todos sabem, os garimpeiros não têm dinheiro para essa despesa. O advogado, no entanto, morava em Belém, razão pela qual não pode acompanhar a questão em Curionópolis e Marabá. Tivemos que fazer uma espécie de busca entre companheiros sensibilizados com a questão e contratamos um bom advogado, o Dr. José Raimundo, do município de Marabá. Esse advogado assume agora a causa e vai tentar tirar da cadeia esses cidadãos, pais de família, com residência fixa, sem antecedentes criminais, que estão passando por essa humilhação desnecessária.

Srª Presidente, Srs. Senadores, a Vale do Rio Doce chegou ao cúmulo, ao absurdo, de mandar um dos seus jatos a Imperatriz para trazer a Marabá um desses garimpeiros presos. Deslocaram um jatinho. Não foi um bimotor simples. Não. Foi um jato que trouxe esse garimpeiro de Imperatriz para colocá-lo na cadeia em Marabá.

É lamentável a ocorrência de fatos como esse. E é por essa razão que concordo com o que aqui falou o Senador José Eduardo Dutra: "Há ditadores que são populares. A popularidade não é privilégio dos democratas". E considero que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está-se transformando em ditador.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/1997 - Página 2638