Discurso no Senado Federal

ORGULHO DE S.EXA. EM PARTICIPAR DO PT E DE TER EM SEUS QUADROS A PRESENÇA DO COMPANHEIRO EDUARDO SUPLICY, QUE TEM DEMONSTRADO EXTREMA SENSIBILIDADE E SERIA PREOCUPAÇÃO COM O SOCIAL E COM O PROXIMO. CRITICAS AO POSICIONAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, RELATIVAS A QUESTÃO DA REELEIÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • ORGULHO DE S.EXA. EM PARTICIPAR DO PT E DE TER EM SEUS QUADROS A PRESENÇA DO COMPANHEIRO EDUARDO SUPLICY, QUE TEM DEMONSTRADO EXTREMA SENSIBILIDADE E SERIA PREOCUPAÇÃO COM O SOCIAL E COM O PROXIMO. CRITICAS AO POSICIONAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, RELATIVAS A QUESTÃO DA REELEIÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/1997 - Página 2644
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, DEFESA, TRABALHADOR, SEM-TERRA, VITIMA, VIOLENCIA, CAMPO.
  • CRITICA, DIREÇÃO, LIBERALISMO, ECONOMIA, AMERICA LATINA.
  • CRITICA, REELEIÇÃO, BRASIL, MANIPULAÇÃO, RESULTADO, PLANO, REAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, sinto-me orgulhoso de pertencer ao meu Partido e de ter próximo dos pontos de vista do meu Partido a presença do companheiro que tem demonstrado, como sempre, uma extrema sensibilidade, uma preocupação séria e profunda com o próximo, com o social.

Não tive a oportunidade de dar os parabéns, de início, ao Senador Eduardo Suplicy, que tem se desdobrado para estar presente a esses acontecimentos que marcam tristemente a luta dos trabalhadores brasileiros, principalmente no campo. O Senador Eduardo Suplicy, anteontem, foi, juntamente com a Senadora Marina Silva, assistir ao enterro do "Senador Caxias", filmado no Rio de Janeiro. Voltaram imediatamente para Brasília. E me encontrei anteontem, à noite, com ambos na casa da nobre Senadora Benedita da Silva. S. Exªs estavam cansados, exaustos. E, logo no dia seguinte, o Senador Eduardo Suplicy se dirigiu ao Pará, onde três trabalhadores sem terra haviam sido assassinados a uma distância de 50 centímetros, à queima-roupa, e sobre os quais inúmeras perfurações de bala mostravam a barbaridade da cena.

Hoje, talvez S. Exª devesse - e todos nós teríamos o dever de acompanhá-lo - estar no Paraná, onde mais dois foram assassinados. Os números, que a Confederação Pastoral da Terra fornece a respeito da agressividade, mostram que a agressividade é unilateral; ela parte dos fazendeiros, dos grandes proprietários que, como sempre, reagem de forma agressiva a qualquer possibilidade de acesso à terra por parte daqueles que querem trabalhar.

Fernando Henrique Cardoso, quando professor, procurava realmente aquele ponto de vista neutro, quando tentava determinar seriamente a realidade interna e profunda do processo histórico. Sabemos como é interessante, como é rico o processo de fazer uma espécie de psicanálise da sociedade, de entender o conteúdo que nem sempre aparece ao nível da aparência - a aparência deturpa e, às vezes, inverte a realidade. São 2 bilhões e 300 milhões de anos, e agora se admite que antropóides já tenham existido na África. Assim, há muito tempo, existe essa tentativa e o engano persiste. Supomos, por exemplo, no nível da aparência, que o Sol gravita em torno da Terra. E quantas pessoas tiveram de pagar caro o preço de desvendar a realidade e afirmar que o Sistema não era geocêntrico, que o mundo não girava em torno da Terra e que, portanto, Jeová não poderia ter mandado parar o Sol para que Josué continuasse a sua batalha, porque era o contrário: a Terra é que girava em torno do Sol.

Ptolomeu e Galileu, principalmente Galileu, pagaram um preço elevado por terem enfrentado as inverdades da Bíblia e a crença dominante no seu tempo de desrespeito à liberdade de pesquisa e de investigação.

Acredito, como Policarpo Cruz, que foi Prêmio Nobel da Física, que a emoção está na base das atividades humanas, inclusive o Físico Policarpo Cruz disse que o processo da descoberta está diretamente ligado às bases emocionais da personalidade e que o método científico, frio, impessoal e desumano, esse método que os economistas praticam para infelicidade das sociedades, transformando homens, indivíduos, em pontos supostamente racionais, transformando relações sociais em relações entre coisas, como se sociedade e economia pudessem ser explicadas através de uma física racional, abstrata.

Portanto, a inibição metodológica é que faz com que inúmeros erros sejam praticados. Supõe que o mundo devia ser assim, devia tender para o equilíbrio, então nos impõe um equilíbrio orçamentário. Equilíbrio orçamentário que é uma loucura, que cobra um preço desmesurado; equilíbrio orçamentário que implica na redução de gastos com a saúde, com a vida; equilíbrio que provoca um desequilíbrio na sociedade, que não pode suportar o peso do desemprego que o enxugamento equilibrista impõe à sociedade.

Perdemos, portanto, ao procurarmos esse equilíbrio racional e racionalizante, de acordo com essas mentes frias, neutras e indiferentes ao mundo cá de baixo.

Pensando que a moeda é também algo neutro, um fenômeno neutro, um fato neutro, esquecidos de que Colbert já dizia, em carta a Luís XIV, que a moeda é uma arma de guerra; já decretamos, movemos uma guerra financeira e monetária contra vários países e os vencemos. E esses neoclássicos pensam que a moeda é um numerário neutro e, para colocar a neutralidade na moeda, impõem inflação zero, que é o maior absurdo que existe no mundo. Todas as crises econômicas são acompanhadas de deflação, de queda de preços, de aumento do desemprego, devido à queda de preços, à redução de receita e, obviamente, chegamos a uma situação em que um equilíbrio racional, frio e neutro impõe-se a uma sociedade devastada.

Aqueles que sobreviverem verão o preço que essa insânia, essa verdadeira esquizofrenia ocasionará sobre o futuro da América Latina e dos 60 países que têm adotado essa camisa-de-força.

Portanto, acredito que a fala, a linguagem também não é um instrumento apenas de transmitir idéias, de transmitir referências. A fala, a linguagem humana foi aprendida lá atrás e, no processo de aprendizagem, foram obviamente sons, gestos, choros, imitações da natureza que o homem foi transformando e codificando na linguagem humana.

Dessa forma, a linguagem está ligada às bases antropológicas do homem. Foi Freud, o gênio, que percebeu que, ao falar, o homem também faz a sua catarse, retirando do seu inconsciente irracional, do seu ide, bases emocionais que as palavras muitas vezes encobrem. É preciso decodificar, de acordo com a psicanálise, as palavras para que entendamos o seu significado real e as suas relações com o eu profundo.

Portanto, jamais ensinei aos meus alunos o método frio da linguagem neutra e de um pensamento racional. Prefiro ficar com Policarpo Cruz, e tantos outros. Como Nietzsche, por exemplo, que disse que até os 27 anos de idade as pessoas realmente têm uma capacidade criadora, porque até esta idade o desassombro, impulsionado pela emoção, o desconhecimento das verdades estabelecidas permite que a inteligência humana, sem temor, possa se manifestar em toda a sua plenitude criadora.

Pois bem! O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse e escreveu, em um de seus livros, num momento de sua vida em que Sua Excelência não havia entrado e adotado esse método da indiferença, esse método abstrato, esse método desumano e frio, disse que, acompanhando um sociólogo norte-americano, que a sociedade privada da América e a sua riqueza se fizeram através da violência, com a qual foram seqüestrados os negros da África, liquidadas as populações indígenas, para apropriação da terra. E que foi essa junção de duas violências - a violência contra as populações indígenas e a violência contra o negro, que foi aqui escravizado - que criou a riqueza nas Américas.

Portanto, não é de se estranhar que ainda hoje nos encontramos nessa pré-história humana, em que a violência aparece, pontilha, está presente, algumas vezes disfarçada em todos os atos que envolvem a produção da riqueza, do poder através da utilização da força em nossa sociedade capitalista. E este capitalismo, ao deixar 1 bilhão de trabalhadores desempregados, em escala mundial, ao fazer com que 800 milhões de pessoas que passem fome no mundo, ao criar este quadro de violência, não pode, obviamente, pretender que respeitemos as pessoas que passam a desempenhar os cargos, a comandar essa sociedade e a querer impor a sua vontade unilateral aos destinos do País. Querem permanecer à frente do Governo, como acontecia no tempo dos déspotas, ditos esclarecidos, como aconteceu na União Soviética.

Posso dizer isso tranqüilamente, porque nenhum ex-aluno meu e nenhum leitor das minhas modestas publicações jamais viu qualquer elogio ou racionalização que pudesse querer justificar a ditadura que fez com que permanecesse Hitler, na Alemanha, a partir de 1933. Hitler também foi levado ao Poder pela vontade do povo, do povo desempregado, sofrido, humilhado. Hitler chegou lá pela vontade do povo e utilizando a sua grande popularidade pôde crescer. Ontem, num artigo, disse o jornalista Carlos Heitor Cony que, se ele tivesse morrido por volta do tempo em que invadiu a França, teria sido considerado um dos maiores políticos e administradores do mundo.

Apenas gostaria de acrescentar uma última questão aos debates de hoje, pedindo paciência à Mesa, porque o meu tempo já se encontra esgotado.

Fujimori conseguiu, agora, na Suprema Corte do Peru, moldada pela sua vontade prepotente, o direito a uma terceira reeleição. Alguns chegaram ao Poder, aqui, inclusive Collor e seus sucessores, dizendo que permaneceriam 20 anos no Poder. Trata-se, obviamente, da tentativa da primeira reeleição. Menem, depois de vitorioso no seu propósito de reeleição, conta, agora, com uma aprovação de 20% por parte da população e se encontra numa verdadeira crise de legitimação.

Até que ponto um presidente pode permanecer no cargo sem o apoio da opinião pública? Com 20%? Com 15%?

De início, Fernando Henrique Cardoso, candidato: o que é bom a gente mostra; o que é mau a gente esconde - meias verdades.

Agora, na Folha de S.Paulo, Edmar Bacha, um dos grandes construtores do Plano Real, diz que há sinais de que é preciso mudar as coisas; o Plano Real está dando sinais de que não pode continuar como está; a taxa de câmbio tem que ser alterada. Ao se alterar a taxa de câmbio, ao se desvalorizar o Real numa economia dolarizada, todos os preços irão subir, com o retorno da inflação, cujo combate levou Fernando Henrique Cardoso ao Poder.

Se o Real levou Fernando Henrique Cardoso e seu Partido ao Poder, agora Sua Excelência tem que continuar no Poder, porque o Real corre o risco de fracassar. Ora, meu Deus! Como é possível chegarmos a uma situação dessa? Se não dermos ao atual Presidente o direito de concorrer a mais quatro anos, o Plano pode desabar. Portanto, o perigo do fracasso, agora, do Plano faz com que Fernando Henrique Cardoso tenha de permanecer por mais quatro anos no Poder, e o êxito do Plano levou-o ao Poder. Logo, se o sucesso do Plano leva-o ao Poder e quando esse começa a fracassar Sua Excelência tem que permanecer no Poder, nunca deixará o Poder, porque ou o Plano estará dando certo ou estará dando errado.

Esses argumentos são falaciosos. De acordo com um artigo publicado por Emir Sader na Folha de S.Paulo, agora não é apenas uma voz interna, mas é uma voz internacional que se levanta para acusar as manipulações que neste País se fazem a respeito das estatísticas.

As estatísticas são completamente falsas. Cria-se uma imagem virtual da sociedade e ainda se cria uma estatística completamente distorcida para se conseguir a permanência no Poder das pessoas que sabem que são filhas do Real e que esse está dando mostras de que as suas âncoras estão apodrecidas. O Real, que levou figuras respeitáveis ao Poder, está colocando obstáculos insuperáveis à continuidade do Poder.

Se o direito à reeleição não for aprovado na Câmara, teremos, então, outra instância: o plebiscito. Se o plebiscito não der certo, vamos recorrer ao Supremo Tribunal, como acaba de fazer Fujimori, no Peru.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) - Senador Lauro Campos, alerto V. Exª de que o tempo da sessão está se esgotando. Solicito, então, que V. Exª conclua, pois há ainda despachos para serem feitos.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a paciência da Mesa e a benevolência com que me permitiu ultrapassar o tempo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/1997 - Página 2644