Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.

Autor
Osmar Dias (S/PARTIDO - Sem Partido/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/1996 - Página 17070
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.

O SR. OSMAR DIAS ( -PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srª Senadora, em 1974, em Roma, durante a Conferência Mundial de Alimentos, cento e trinta países assinaram a "Declaração sobre a Eliminação Definitiva da Fome e da Desnutrição no Mundo". Um dos trechos dessa declaração dizia o seguinte:

      "Cada homem, mulher, criança tem o direito inalienável de ser libertado da fome e da desnutrição."

Naquela época, a FAO fazia uma previsão de que, para isso acontecer, a produção de alimentos teria que crescer 4% ao ano.

Nessa declaração há também um trecho que ficou para a história apenas como mais um trecho escrito num documento oficial, que, de muito longe, deixou de ser cumprido. Esse trecho dizia o seguinte:

      "Daqui a dez anos nenhuma criança deverá dormir com fome, nenhuma família deverá viver no temor da falta de pão para o dia seguinte e o futuro e a capacitação de qualquer ser humano não deverão ser comprometidos pela má nutrição".

Era uma declaração assinada pelos governantes de todos os países do mundo praticamente.

Hoje, 22 anos depois, Srs. Senadores, a situação é muito mais grave. Naquela época, o mundo tinha 500 milhões de pessoas que viviam sem alimentação digna ou, pelo menos, não tinham alimentação que correspondia às necessidades alimentares previstas pela Organização Mundial da Saúde. Atualmente, tem quase um bilhão. Portanto, dobrou o número de pessoas que, naquele ano, estavam subnutridas, desnutridas ou simplesmente não se alimentavam de forma adequada. No Brasil, dados oficiais apontam 9 milhões de famílias ou 32 milhões de brasileiros que não comem de forma adequada.

Já estamos cansados de ouvir a repetição de números e dados, inclusive na tribuna deste Senado Federal. Na verdade, as pessoas estão muito mais preocupadas em fazer diagnósticos do que em apontar soluções para esse drama da fome e da miséria. São 70 milhões os brasileiros que não comem o suficiente para alcançar as 2.420 calorias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. Isso corresponde a 50% das famílias brasileiras, que não se alimentam de forma conveniente.

Temos 5 milhões de crianças menores de cinco anos que também não preenchem suas necessidades diárias. Se a capacitação futura não poderia ser comprometida pela desnutrição, o quadro é mais alarmante quando verificamos que 95% das crianças que ingressam no Primeiro Grau não concluem os quatro primeiros anos sem uma repetência; apenas 5% o fazem. A causa principal é a desnutrição ou a alimentação insuficiente.

Sr. Presidente, eu disse aqui várias vezes que já estamos repletos de diagnósticos e não precisamos mais deles. Devemos buscar as causas desse angustiante problema, não apenas para o Brasil, mas também para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, principalmente os países localizados mais ao sul. Sem dúvida nenhuma, quando os países do leste europeu, os países que formam hoje a União Européia, os Estados Unidos, o Canadá e o Japão se desenvolveram, trataram de estabelecer estratégias, e a primeira delas foi a da segurança alimentar.

Eu me incluo entre aqueles que, ao longo da história deste País, pregaram, equivocadamente, a necessidade de se estabelecer uma política agrícola brasileira. Depois de estudar muito o assunto, cheguei à conclusão que estávamos errados e mudei. Não há como integrarmos os esforços no sentido de buscarmos solução para o problema da fome e da miséria pensando isoladamente em promover apenas a agricultura. Não dá mais para confundir fome com falta de alimentos. Esse é, sem dúvida nenhuma, o principal equívoco que se comete.

Temos hoje uma oferta mundial per capita de calorias suficiente para atender às necessidade recomendadas pela Organização Mundial da Saúde; no entanto, não temos uma distribuição adequada dos alimentos e não temos uma distribuição de renda que permita alcançar esses alimentos mesmo que estejam eventualmente perto.

Creio, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que os planos econômicos recessivos foram causadores da miséria no campo e na cidade. Mas devemos ter em conta que ainda há problemas estruturais no País e não temos um programa de ação, nenhum plano direcionado para alterar esses problemas estruturais.

Incluo entre as maiores causas do problema da fome e da miséria em nosso País a concentração da terra nas mãos de poucos. Temos números que nos dão conta de que 53% das propriedades agrícolas em nosso País, hoje, perfazem uma área de apenas 2,7% da área agricultável em nosso País. Por outro lado, 44% das terras cultivadas no Brasil se incluem em 1,2% das propriedades. Essa concentração gera dois graves problemas: desemprego e êxodo rural. Uma propriedade de até 100 hectares gera um emprego para cada 9 hectares; uma propriedade maior de 100 hectares necessita 60 hectares para gerar um emprego. São dados colhidos da realidade, são fatos.

Esses números indicam que permitimos o agravamento dessa situação porque as políticas que não privilegiam a pequena propriedade vão ao encontro do aumento de áreas em mãos de grandes proprietários. Não somos contra os grandes proprietários, mas chegamos à conclusão de que, no mundo todo, as pequenas e médias propriedades são as mais produtivas e empregam mais mão-de-obra.

O desemprego e o subemprego são as causas principais da subnutrição por causa da distância que se coloca entre o consumidor desempregado ou subempregado - portanto, um consumidor marginal, longe da comida. Exatamente essas causas do desemprego, a concentração da terra e o êxodo rural, devem ser prioridade no combate do Governo à fome e à miséria.

Programas assistenciais, muitos destes demagógicos e levados a cabo em vésperas de eleições, podem significar um alento a uma família desempregada. Tenho certeza de que não há um trabalhador neste País que não apóie uma política que gera emprego, porque não há um trabalhador no Brasil que queira sustentar sua família sem que seja com a força de seus braços; não acredito que tenhamos trabalhadores que prefiram receber um prato de sopa no final do dia a chegar em casa cansado do trabalho, é verdade, mas dignificado e, sobretudo, satisfeito, porque sabe que está levando para casa o fruto do seu trabalho, o sustento da sua família.

O emprego tem que ser prioridade para todo governo sério. Se o emprego for prioridade serão prioritárias também as pequenas propriedades, aquelas 5,2 milhões que não conseguem se viabilizar por falta de planejamento estratégico, de política de desenvolvimento rural, muito antes de política social, porque quem está no campo, na pequena propriedade, não necessita de programas sociais assistencialistas; necessita, sim, de programas de desenvolvimento que possam lhe assegurar, sobretudo, a garantia de plantar e vender pagando o custo de produção.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Concedo o aparte ao Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Osmar Dias, meu aparte não se encaixa bem no ângulo pelo qual V. Exª está abordando a questão. Mas é pertinente, porque o tema é agricultura e alimentação. Trata-se, na realidade, mais de um pedido de esclarecimento a V. Exª, aproveitando sua presença na tribuna. Ouvi ontem, com muita atenção, dois pronunciamentos, um de V. Exª e outro do Senador Pedro Simon, a respeito de declaração atribuída ao Ministro da Agricultura, nosso colega Arlindo Porto. Teria S. Exª dito que uma supersafra de grãos seria um problema para o País. Tanto quanto li, o Ministro Arlindo Porto teria considerado uma supersafra problemática porque o País estaria no momento preparado para absorver até 80 milhões de toneladas. A safra deste ano terá sido em torno de 72 milhões de toneladas, parece-me - se eu estiver errado, corrija-me. Assim, segundo o Ministro, uma safra de até 80 milhões poderia ser absorvida pela estrutura existente no País, mas uma safra, por exemplo, de 85 milhões de toneladas de grãos geraria uma série de problemas. S. Exª foi criticado por V. Exª e pelo Senador Pedro Simon, se bem entendi, por isso. Ora, por mais que a declaração do Ministro cause espanto às pessoas leigas ou até mesmo a especialistas, como V. Exª, que está longe de ser um leigo - eu é que sou um leigo no assunto -, peço a V. Exª, Senador Osmar Dias, que me esclareça, por favor - sem que esse pedido de esclarecimento contenha qualquer ironia -, pois estou na minha visão de leigo, de pouco entendido em economia, mas não em agricultura, especificamente: realmente, uma supersafra de, digamos, 85 milhões de toneladas de grãos no País não geraria problema na medida em que sobrecarregaria, ultrapassaria, talvez, a nossa capacidade de armazenamento, de silagem? Já que ultrapassaria, talvez, a nossa capacidade, no momento, de escoamento de grãos? Uma supersafra não criaria problema, uma vez que o Governo teria que comprar o excedente e desembolsar recursos que talvez não tenha? Não criaria problema na medida em que a existência de uma superoferta pressionaria os preços para baixo e criaria problemas na própria receita da agricultura de um modo geral? O Ministro estava errado? Por que, Senador Osmar Dias? Eu não estou saindo em defesa propriamente do Ministro, mas, parece-me, como leigo, que o Ministro tem razão. Aí eu discordaria um pouco de V. Exª e, por isso, solicito o esclarecimento, aduzindo que não estou aqui como advogado do Ministro, que nem meu correligionário é. Não sou Líder ou Vice-Líder do Governo também. É uma questão de ponto de vista. Surpreendi-me com a colocação de V. Exª e do Senador Pedro Simon, porque continuo entendendo - corrija-me, por favor - que uma supersafra cria problemas para o País.

O SR. OSMAR DIAS - Senador Jefferson Péres, o termo supersafra também está equivocado. A área que plantamos, de quase 40 milhões de hectares, anualmente, é menor do que a área de 55 milhões de hectares que a China planta, na qual consegue colher 450 milhões de toneladas. Nós colhemos 70 milhões de toneladas de grãos no ano passado, e quando vamos atingir 80 milhões, fala-se que 85 milhões de toneladas significam uma supersafra.

Vou responder a V. Exª, que não precisava dizer que não usa de ironia, porque sei que V. Exª é um Senador sério e não trataria esse assunto sem seriedade - e nisso o Senador Bernardo Cabral concorda comigo. Senador Jefferson Péres, o Brasil tem uma população de 155 milhões de habitantes. Eu disse aqui que 70 milhões de habitantes, aproximadamente 50% das famílias, estão afastados do mercado consumidor ou com o seu ingresso nele dificultado em função da baixa renda. Quando o Ministro disse que a supersafra - e eu considero que está muito longe de ser uma supersafra uma safra, no Brasil, de 85 milhões de toneladas - causaria problema, para a economia, de escoamento, por exemplo, S. Exª poderia pelo menos ter-se preocupado, Senador Jefferson Péres, em analisar o que ocorre nos outros países do mundo e no mercado internacional. Ora, temos a possibilidade ímpar - que nunca tivemos, aliás - de exportar, por exemplo, soja para a China, que será importadora líquida, este ano, de 25 milhões de toneladas - e 25 milhões de toneladas, Senador Jefferson Péres, é o que colhemos nos 13, 14 milhões de hectares que plantamos todos os anos no Brasil. Se plantamos 12, 13, 14 milhões, no máximo, de hectares de soja, para colher 24, 25 milhões de toneladas, e se a China abre um mercado equivalente à safra inteira do Brasil, que é o segundo maior exportador de soja, ficando atrás apenas dos Estados Unidos - somos donos, praticamente, de 20% do mercado mundial de soja exportada -, por que não fazer políticas de apoio à produção de culturas que encontram, neste momento, no mercado internacional, amplos espaços, para que possamos arrecadar divisas, ao invés de mandarmos divisas para fora do País, como estamos fazendo este ano?

O Ministro diz que vai haver problemas se o País produzir mais, mas estamos vergonhosamente importando de 13 a 14 - e acho que vamos passar de 14 - milhões de toneladas, somando-se aí quase 5 milhões de toneladas de milho, quase 5 milhões de toneladas de trigo, além de feijão e arroz. Vamos importar um produto que exportávamos, o algodão; a nossa importação vai chegar a 60% da nossa necessidade de consumo. 

Então, há um equívoco enorme do Governo, que está com uma visão urbana da agricultura e que não consegue ver aquilo que viram outros países, que se desenvolveram baseando a sua economia, ou, pelo menos, o início do seu desenvolvimento, na conquista de mercados externos para os produtos primários e, depois, para os produtos manufaturados. Assim fizeram todos os países desenvolvidos do mundo. Aqui, não. Produzimos quantidade equivalente ao tamanho do estômago do brasileiro: se só há 70 milhões de brasileiros comendo, vamos produzir para 70 milhões de pessoas.

Ora, não estamos pregando o aumento da produção de culturas que se apresentam com excedentes no momento e que não têm espaço no mercado internacional. O que estou propondo é que o Governo brasileiro tenha a coragem de ingressar de forma competitiva no mercado internacional, vislumbrando, com antecedência de pelo menos um ano - não vamos exigir que seja muito não -, aquilo que os outros países vislumbram. A China, por exemplo, que é importadora hoje, já chegou à conclusão de que, no ano 2000, se não tiver uma produção interna de pelo menos mais 50 milhões de toneladas, vai ter que importar mais 50 milhões de toneladas de grãos.

Ora, por mais competentes que sejam os chineses, há necessidade da utilização de áreas para a produção de fibras, e não só de alimentos. E quando eles tiram áreas da produção de fibras para a produção de alimentos, está na cara, Senador Jefferson Péres, que se abre um grande mercado para a cultura de algodão. E poderíamos estar estimulando essa cultura, que gera 600 mil empregos no País. E isso volta a se relacionar com o tema do meu pronunciamento, que é o combate à fome e a geração de empregos.

Portanto, se tivermos uma visão apenas circunstancial da nossa agricultura, vamos chegar a esta conclusão: produzir mais baixa o preço. Ora, mas por que não agimos com inteligência, por que não promovemos a cultura do algodão e estabelecemos aquilo que os Estados Unidos têm feito, por exemplo, com o suco de laranja? Vamos colher uma supersafra, o Brasil vai colher 360 mil toneladas de suco, e os Estados Unidos, 220 mil toneladas. E o que os Estados Unidos estão fazendo? Estão taxando o suco de laranja em US$500,00 a tonelada.

Ora, se temos a perspectiva de ter mercado para o algodão - tema inclusive de discurso aqui do próprio Senador Lúcio Alcântara -, por que vamos permitir a importação de 60% da nossa necessidade de consumo? Nós poderíamos voltar a exportar, como fizemos historicamente. E temos aqui testemunhas ilustres disso, como o Senador Iris Rezende, pois à sua época como Ministro exportávamos; hoje, importamos. Perdemos essa oportunidade, que, proximamente, não teremos.

Combater a fome e a miséria, neste momento, seria voltar a produzir algodão para exportar, o que geraria 600 mil empregos no campo. Aí, sim, os trabalhadores voltariam a comer. Os trabalhadores das indústrias de fiação, de descaroçamento de algodão, de beneficiamento e das tecelagens também voltariam a ter trabalho, voltariam a ser consumidores e a comer.

A indústria da soja, hoje ociosa em quase 55% da sua capacidade instalada, poderia também voltar a dar emprego aos trabalhadores se pudéssemos promover um amplo plantio de soja no momento em que os países lá fora são compradores, expandindo a área no Centro-Oeste, criando inclusive mecanismos de apoio, não apenas de crédito, mas do calcário, fundamental para a produção nessa região - porque sem ele não se produz -, com uma linha de crédito que calce os produtores. Estes poderiam estar utilizando o calcário e produzindo, abrindo novas fronteiras, aproveitando o momento em que estamos vivendo no mercado internacional.

Dizem que há comida no mundo somente para mais 50 dias, pois os estoques estão baixos. O Brasil diz: "Não, não vamos produzir, mas vamos importar!"

Não há espaço para a produção do trigo em nosso País? Hoje, os jornais publicam que o Brasil produziu 2 milhões e 800 mil toneladas desse produto para um consumo que chega a 8 milhões de toneladas, ou seja, um terço da produção necessária para o consumo.

Temos um problema sério em relação aos suinocultores. Eles estão comprando trigo para dar aos porcos, porque o trigo, em nosso País, não vale nada, o que vale é o importado. Os moinhos se organizaram, sem nenhuma ação efetiva do Governo, a fim de destruir esse cartel, que está esmagando o produtor de trigo nesse momento. O produtor está vendendo o seu produto a 60, 70% do custo de produção e implorando para que comprem esse trigo.

Nos jornais de hoje, há a notícia de que não teremos mercado para um milhão de toneladas de trigo. Isso é uma falta de vergonha na cara e simplesmente não se trata apenas de um equívoco, mas de incompetência das mais sérias, porque o gerenciamento da política de produção em nosso País não está casado com o gerenciamento da política de abastecimento. Esse desacordo está matando culturas fundamentais ao emprego - como no caso do trigo e do algodão - e, sobretudo, levando-nos ao vexame de importar quase 14 milhões de toneladas. Quem importa 14 milhões de toneladas não tem moral nem autoridade para dizer que não podemos aumentar a nossa produção, porque, caso contrário, criaremos problemas em nossa economia.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador?

O SR. OSMAR DIAS - Ouço, com muito prazer, o nobre Senador Bernardo Cabral. Em seguida, concederei um aparte ao Senador Lúcio Alcântara, que também o solicitou.

O Sr. Bernardo Cabral - Tranqüilizo o eminente Senador Lúcio Alcântara, porque vou bancar uma espécie de batedor, anunciando a vinda da autoridade mais importante depois do meu aparte. Senador Osmar Dias, quando V. Exª fez o requerimento para esta sessão especial do Dia Mundial da Alimentação, tive a convicção de que nenhum outro poderia fazê-lo com tanta propriedade. Quando se joga uma semente em um terreno estéril, não há como ela produzir. Quando V. Exª aborda o tema agricultura, está sempre lançando sementes que germinam no conhecimento que V. Exª traz à Casa. É sempre um prazer ouvi-lo! O assunto não é fácil, o assunto é daqueles que se poderia chamar de insulso. Mas V. Exª o transforma, a fim de que os seus Colegas do Senado tenham a possibilidade de ouvi-lo. Ainda quando condena, quando mostra o despreparo da agricultura neste País - e V. Exª é um homem entendido do assunto, o seu passado recomenda uma espécie de seta para o futuro -, quero congratular-me com V. Exª. Não lhe assisti desde o início, o que, de logo, considero uma perda, mas vim às pressas para, a partir do meio até o fim, ouvi-lo com o encantamento de sempre. Meus aplausos!

O SR. OSMAR DIAS - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

É evidente que as palavras de V. Exª não apenas me estimulam, mas, sobretudo, me dignificam, porque sabe V. Exª o respeito que lhe dedico.

O SR. OSMAR DIAS - Ouço V. Exª, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Osmar Dias, não vou repetir os justos e merecidos elogios que V. Exª recebeu hoje, como em outros dias, por ser um profundo conhecedor dessa matéria. Embora o tempo já esteja praticamente esgotado, eu gostaria que V. Exª respondesse às seguintes questões: devemos tentar produzir tudo? A idéia de especialização da produção, se houver vantagens comparativas, sejam de clima ou de solo, devem, por exemplo, fazer com que o Brasil deixe de produzir determinadas culturas? No caso do trigo, por exemplo, temos realmente condições de produtividade, preço e qualidade, que façam com que o Governo estimule essa cultura? Ou devemos aceitar que há quem produza melhor, mais barato, em grande quantidade e, portanto, não devemos investir nesse produto? Não sei se V. Exª percebeu bem qual é a minha preocupação, que é saber se devemos realmente ser abrangentes ou se devemos restringir-nos a certas culturas, a certos produtos, para os quais temos tradição, solo, clima, tecnologia e, com isso - se o Governo quiser -, poderíamos ter estímulo, recursos para que a produção se realizasse em grande escala.

O SR. OSMAR DIAS - Nobre Senador Lúcio Alcântara, agradeço a questão levantada por V. Exª.

O tema deve ser interpretado sob dois pontos de vista, mas o mais importante é o estratégico para o País. Se analisássemos assim, não estaríamos, por exemplo, produzindo álcool. O Governo o está subsidiando em cerca de US$3 bilhões ao ano, mas sabe que essa é uma decisão acertada em função da questão estratégica para o País.

A cultura do trigo deve ser igualmente tratada como questão estratégica. Poderíamos até pensar que importar é mais barato, mas os países mais desenvolvidos, que investem US$350 bilhões de subsídios, todos os anos, para apoiar os seus agricultores, retirando cerca de 7% de tributo de cada trabalhador industrial, sabe que, no momento em que começaram a subsidiar a agricultura, a produtividade cresceu 30%, os preços internacionais caíram 0,5% ao ano, e a comida chegou cerca de 50% mais barata na mesa do consumidor. Custava 50% do orçamento doméstico e passou a custar apenas 25%.

É uma decisão que tem que ser tomada sob o ponto de vista estratégico, e não pura e simplesmente sob uma análise imediatista, que tem norteado as decisões do Governo brasileiro.

Eu iria continuar, Sr. Presidente, mas V. Exª já me avisou que o tempo se esgotou. Eu gostaria apenas de citar, para encerrar o meu pronunciamento, o que eu iria propor como solução para a questão da miséria e da fome.

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - A Mesa pede desculpas, mas V. Exª já se encontra na tribuna há 40 minutos.

O SR. OSMAR DIAS - Penso que, em primeiro lugar, o Governo brasileiro deve levar uma proposta para a Conferência de Roma. O protecionismo nos países da União Européia, nos Estados Unidos, no Canadá e no Japão tem sido a maior causa e o grande mal dos países em desenvolvimento. Não podendo competir e exportar, os países não têm divisas sequer para cumprir com os serviços da dívida, promover o desenvolvimento interno e, sobretudo, criar programas de segurança alimentar. Eles fizeram, inclusive, às custas da destruição do meio ambiente, e agora cobram que preservemos o nosso meio ambiente.

Nesse documento que o Governo brasileiro deve levar à Conferência de Roma, deveria constar também a exigência de financiamentos a custos baixos para compensar o nosso esforço na preservação do maior patrimônio da biodiversidade do mundo, que é a nossa Amazônia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que o Governo brasileiro poderia levar essa proposta, mas, sobretudo, deveria preocupar-se em promover o desenvolvimento da nossa infra-estrutura.

Amanhã, se houver tempo, abordarei a questão do transporte que utilizamos - 70% rodoviário -, a precariedade das estradas, sem reformas, nem a construção de novas rodovias, e o sistema precário de armazenagem, que nos leva a perder 30% da safra, tornando-se difícil matar a fome de brasileiros com a comida mais barata.

Tratam-se de problemas estruturais que precisam ser enfrentados já, porque, não se esqueçam, daqui a 50 anos, teremos apenas a metade da área disponível per capita que temos hoje.

Precisamos trabalhar para compensar as perdas do passado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/1996 - Página 17070