Discurso no Senado Federal

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/1996 - Página 17075
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ALIMENTOS, PAIS, ESTRANGEIRO, ITALIA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os dicionários traduzem e eu repito aqui: "Fome é uma sensação desagradável provocada pela falta de alimentos no organismo". Os estudiosos acrescentam: "A falta prolongada de nutrientes gera o enfraquecimento - inanição - e, nos casos mais graves, a morte".

Quando o organismo sobrevive, a falta de certos minerais e vitaminas causa as chamadas doenças carenciais: a falta de ferro, por exemplo, causa a anemia; de vitamina A, a cegueira, e de vitamina D, o raquitismo. São as chamadas doenças da fome.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece que não padecer de fome é um dos "direitos iguais de todos os membros da família humana". O direito a uma nutrição adequada é tão fundamental quanto o direito à própria vida, sendo, na realidade, o mais básico de todos eles, já que a debilidade causada pela fome impede o exercício do direito à vida, à liberdade e à segurança do ser humano.

Todos sabemos que a fome sempre afligiu a humanidade ao longo dos séculos e que a pobreza é uma de suas principais causas. Segundo a publicação especial da FAO, divulgada neste ano, as pessoas que correm os maiores riscos de padecer de fome ou de desnutrição são os camponeses e a população urbana pobre (principalmente os idosos, crianças e mulheres dessas famílias), e os refugiados de guerra ou de catástrofes naturais.

Dramaticamente, no Brasil, a desnutrição e a fome se apresentam como uma epidemia. Se por um lado, e felizmente, não sofremos com as catástrofes ou com as guerras, vivemos frente a frente com a pobreza de dimensões epidêmicas e suas conseqüências nefastas.

Apesar de terem decrescido timidamente, os números são assustadores! A cada 30 minutos morrem cerca de 15 crianças, tendo como causa básica, ou associada, a desnutrição.

Estudos da UNICEF revelam que aproximadamente 340 mil crianças morrem por ano no Brasil, vítimas da desnutrição. Em São Paulo, pesquisas do Governo Estadual na rede básica de saúde indicam que cerca de 40% das crianças até dois anos de idade são anêmicas. Imaginemos, então, nas regiões mais pobres do País! Imaginemos a vida daqueles seres humanos que habitam a caatinga, a Amazônia, os fundões do Brasil!

Por um momento, desconsiderando o número de óbitos, talvez a mais grave repercussão da fome no Brasil seja o rebaixamento existencial do sobrevivente. Se o desnutrido resistir à morte, terá, inevitavelmente, as suas capacidades físicas e mentais comprometidas.

Um jornal francês publicou, recentemente, matéria ilustrada sobre a geração de brasileiros que sofrem a chamada "parada de crescimento", que acomete cerca de um terço da população, devido à desnutrição. Diz o jornalista: "Sabe-se que a agricultura do Brasil poderia muito bem alimentar todo o seu povo. Entretanto, é utilizada para cobrir dívidas tão vorazes quanto um glutão".

As crianças que sobrevivem à fome sofrem de carências nutricionais, apresentam retardo no seu crescimento e desenvolvimento, com nefastas conseqüências para a vida escolar e para o seu desempenho futuro na vida profissional e adulta. São milhões de brasileiros fragilizados, donos de uma saúde precaríssima, limitados intelectualmente, desestimulados perante a vida. Num país imenso e rico como o nosso, como é possível que tal pesadelo se perpetue?

Tomemos consciência, de uma vez por todas, de que existem, no Brasil, milhares de pessoas cegas por carência de vitamina. Que a tão conhecida deformação dos ventres infantis inchados não indica a verminose, mas a má formação dos músculos abdominais, por falta de alimentação adequada. Que a perda dos dentes é menos por cáries e mais por deficiências de proteínas e calorias. Que a baixa estatura de parte da população adulta nordestina, comparável a crianças bem nutridas de 12 anos e considerada inferior à mínima prevista pela OMG, não está relacionada a características genéticas, mas sim ao cardápio ali disponível: farinha com carne de lagarto (especialidade) ou farinha com água (uma raridade).

Hoje é o aniversário de fundação da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO, ocorrida em 1945, e o Dia Mundial da Alimentação.

Este evento, de nível internacional, visa combater a fome e a carência alimentar em todos os continentes, além de sensibilizar a opinião pública com relação aos problemas básicos do flagelo da fome, a qual atinge milhões de pessoas em nosso Planeta, e está sendo lembrado, por iniciativa do Senador Osmar Dias, nesta sessão especial. Neste ano, o tema escolhido para esta data é "Combate à Fome e à Desnutrição".

Teoricamente, o mundo de hoje produz alimentos suficientes para todos os seres humanos. Esses alimentos, porém, não estão ao alcance de milhões de pessoas, sendo estimado que nos países em desenvolvimento 800 milhões de seres humanos padecem de desnutrição crônica.

A fome é surda, camuflada, não provoca o impacto arrasador dos conflitos bélicos, mas é tão perversa, tão trágica, tão destruidora quanto uma guerra. Na verdade, a fome é a mais devastadora guerra de nosso tempo e essa guerra, infelizmente, faz parte do cotidiano de uma significativa parcela da população brasileira.

É certo que obtivemos algumas melhoras, ainda que tímidas, reveladas pelas recentes estatísticas da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada neste ano, no Brasil.

O relatório "Situação Mundial da Infância - 1996", publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, em dezembro do ano passado, revelava índices piores, afirmando que a taxa de mortalidade infantil no Brasil era semelhante à dos países mais pobres da América Latina e da África.

A melhora dos nossos índices de desnutrição e de mortalidade infantil é alentadora. Ela resulta da grande luta empreendida pela sociedade civil organizada e por algumas autoridades, unidas na Campanha de Combate à Fome e à Miséria e Pela Vida, sob a liderança de Betinho e de Dom Mauro Morelli, aos quais gostaria de render minhas homenagens neste momento, assim como a Josué de Castro, pernambucano que desnudou a questão da fome no Brasil, pela publicação do seu tão conhecido livro "Geografia da Fome".

Todos sabemos, porém, que ainda há muita coisa a ser feita se quisermos que o Brasil se transforme no país com o qual sonhamos.

O problema da fome é demasiado grave e complexo, e é urgente a implantação de políticas e estratégias eficazes para atacar as causas profundas da fome e da desnutrição no Brasil.

A solução definitiva para o problema só virá com o fim das iníquas desigualdades sociais e regionais que aqui existem, com a reforma agrária, a redistribuição da renda (uma das mais concentradas do mundo), e com a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

O Dia Mundial da Alimentação é, sem dúvida, uma data que nos motiva a fazer uma profunda reflexão sobre a tragédia da fome no mundo. Existe hoje, em todos os continentes, uma Rede "Dia Mundial da Alimentação" e é a segunda vez que o Brasil participará dessa significativa comemoração, pois passou a integrar a Rede em 1995, sendo registrada a adesão de 102 instituições brasileiras, entre organizações não-governamentais, universidades, escolas, igrejas, associações de classe, comitês de cidadania e outras.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senadora Benedita da Silva, peço o aparte apenas para lembrar, e de certa maneira também para reforçar os argumentos de V. Exª, que no momento em que estamos aqui comemorando, por iniciativa do Senador Osmar Dias e outros colegas, o Dia Mundial da Alimentação, temos que recordar alguns fatos interessantes na evolução da história da humanidade, aquelas previsões sombrias que Malthus fez, quando admitiu que para a população mundial, crescendo como estava, dentro de algum tempo faltariam alimentos. A tecnologia, a chamada revolução verde, a descoberta de sementes, o melhoramento genético das sementes, das espécies, tudo isso fez com que Malthus fosse desmentido. V. Exª mesmo acabou de dizer que há muito alimento, o que acontece é que eles não chegam para todos. Tivemos essa virtude, essa capacidade de promover nossa revolução verde, desenvolver essa tecnologia para produzir cada vez mais alimentos de melhor qualidade e com alta produtividade, mas, ainda assim, uma grande parte da população mundial morre de fome, cronicamente de fome; como V. Exª disse, é uma morte silenciosa, uma morte anônima. Quando vemos, por exemplo, nas fotografias, na televisão, aquelas populações inteiras de parte da África morrendo de fome, aquilo é um intenso chamado à realidade que deve sacudir o coração das pessoas, dos estadistas, enfim, de todos que tenham responsabilidades públicas. Conseguimos produzir muito mais alimentos, mas não conseguimos alimentar a todos. E isso ocorre não só pela ausência de políticas públicas, econômicas e sociais, pela falta de estímulo à produção - mercados que se fecham levam países que produzem cada vez mais a receber cada vez menos, porque os outros países ricos adotam políticas protecionistas para sua agricultura, como disse o Senador Osmar Dias -, mas também pelo desperdício que está muito ligado àquela política de segurança alimentar. V. Exª lembrou o Betinho e Dom Mauro Morelli, com toda a razão, para homenageá-los. Há, na imprensa, registros freqüentes de alimentos que apodrecem nos armazéns, nos estoques do Governo, tornando-se imprestáveis para o consumo humano, sem citar os desperdícios existentes nas centrais de abastecimentos, nas feiras livres e até nas casas dos que consomem bastante alimentos. Há, então, que se analisar por outro ângulo o problema da alimentação e da nutrição, que permanece ainda como um desafio para nós, mas que continua sendo uma questão de sobrevivência, até porque, quando sobrevivem, vão ser, como denunciava há dias um jornal paulista, aqueles homens gabirus, que não cresceram e que também tiveram afetada a sua própria capacidade intelectual, porque faltou a proteína no momento certo. V. Exª, com o seu discurso, que tem conteúdo e que se reveste também, como sempre, de uma grande dose de humanismo, faz um apelo candente, para que o mundo, os governos, as sociedades revejam essas posturas. Há, também, gente morrendo porque se alimenta mal e se alimenta muito: é a hipertensão arterial, são as doenças cardiovasculares e outras que são próprias dos países onde as pessoas consomem muito e consomem mal. São pólos opostos de um mesmo problema, sendo que o da desnutrição e da fome é muito maior e exige providências efetivas, rápidas e de grande alcance. Congratulo-me com V. Exª, trazendo esses subsídios, além de também fazer a minha homenagem a Josué de Castro, que foi um médico e um político, pernambucano, que chamou muito a atenção para o problema da nutrição no Brasil, depois esteve na FAO, enfim, é um homem que tem a sua vida, a sua história ligada à discussão e à busca de soluções para o problema da alimentação no Brasil.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte e a intervenção pertinente de V. Exª, incorporando-a ao meu pronunciamento.

Na verdade - muito bem colocado pelo Senador Lúcio Alcântara -, o desperdício existe neste País e por isso temos muita gente morrendo de fome.

Mas quero resgatar que a Campanha de Combate à Fome e à Miséria e Pela Vida, a Campanha da Cidadania, mobilizou a sociedade brasileira de tal forma que tivemos todos os Poderes envolvidos, - quero fazer alguns destaques - assim como tivemos também, e ainda não concretizamos, iniciativas, no Congresso Nacional, que poderiam ajudar, como, por exemplo - não por ser do meu Partido -, o Projeto de Renda Mínima, do Senador Eduardo Suplicy, que há muito já merece uma atenção muito especial, uma vez que um dos elementos que estão contribuindo para a fome no nosso País é a má distribuição de renda.

Ouvimos o Senador Osmar Dias colocar que é preciso ter essa distribuição de renda, que não concorda apenas no que diz respeito aos investimentos agrícolas, porque, fazendo reforma agrária, estaríamos também democratizando a terra e, por conseguinte, democratizando a sua produção, produzindo também para os brasileiros. O Senador Osmar Dias também coloca que este País tem todas as condições de produzir, pode fazê-lo e está fazendo.

Tenho certeza que este meu pronunciamento não se esgota nesta tribuna. Tenho em mãos o perfil da economia brasileira sobre o qual gostaria de tecer alguns comentários com relação à produção de grãos no País. O que observamos é que este País produz, e muito, não precisa importar nada e ainda deixa morrer de fome um segmento expressivo da população.

O Sr. Osmar Dias - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Osmar Dias - Senadora Benedita da Silva, também concordamos na questão da reforma agrária. Não tive tempo de concluir as minhas propostas, mas uma delas está, efetivamente, na realização da reforma agrária, para a qual inclusive eu ia apresentar alguns instrumentos, que neste aparte é impossível fazê-lo em função do tempo, para agilizá-la e torná-la efetiva. Em 30 anos, Senadora, este País assentou menos de 300 mil famílias; portanto, não houve uma reforma agrária efetiva - está muito aquém das metas estabelecidas - e desassentou, somente num Estado produtor, este mesmo número de famílias, isto é, no Paraná, nesse mesmo período, saíram do campo 300 mil famílias, o mesmo número que foi assentado no País. Concordo também na questão da reforma agrária como solução - e eu dizia do extrato fundiário que concentra a terra como um dos fatores causadores da fome e da miséria no País -, mas uma reforma agrária desenvolvimentista, não apenas sob o ângulo social. É preciso dar a pequena propriedade, mas permitir que ela se viabilize na mão daquele camponês. E mais, Senadora - apenas uma observação para contribuir com V. Exª -, hoje temos insuficiência de alimentos no mundo, mas a tendência é de que isso não ocorrerá dentro de aproximadamente duas ou três décadas. Aí é que entra o Brasil, com o grande potencial de área e de produtividade que pode crescer.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Sempre reconheci essa característica eminentemente agrícola do nosso País. Porém, sem os incentivos necessários, jamais produziremos como no sonho de José do Egito. E quando vier a fome no mundo, que possamos abastecer as nossas despensas.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora Benedita da Silva, V. Exª coloca muito bem a preocupação com a alimentação e de como seria perfeitamente possível erradicarmos a fome no Brasil caso houvesse a vontade da Nação e dos Governos. Bem assinala que, para isso, faz-se necessária a realização da reforma agrária com passos muito mais rápidos do que os que têm sido empreendidos pelo atual Governo. Também coloca a necessidade de logo se adotar o Programa de Garantia de Renda Mínima. Hoje, Senadora Benedita da Silva, completaram-se sete semanas sem que a Bancada do Governo venha a dar quorum na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, período iniciado no dia da apresentação do item 1 da pauta da referida Comissão, assim definido pelo seu Presidente, Deputado Delfim Netto: o projeto que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima, que contém o parecer favorável do Deputado Germano Rigotto. Gostaria de informar que os Deputados Augusto Viveiros, Roberto Brant e José Fortunati pediram vistas e estão ultimando estudos para chegar à viabilização desse projeto. No entanto, é tempo de se acelerar isso, o que depende da finalização dos estudos que o próprio Governo ainda não concluiu. Avalio que um Governo capaz de ser tão célere quando o objetivo é salvar bancos, de criar medidas tais como as hoje anunciadas - créditos a taxa de juros menores para empresários realizarem investimentos -, poderia estar acelerando o término dos seus estudos para fazer a votação do projeto que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima. Senadora Benedita da Silva, na segunda-feira passada, assisti a uma palestra do Professor e Geógrafo Milton Santos, na Universidade de São Paulo, e achei muito bonita sua exposição, especialmente quando ressaltou que o conceito de nação envolve, sobretudo, o conceito de solidariedade; afirmou que as ações do Governo deixam de levar em conta aquilo que em uma nação deveria ser o fundamental: exatamente a solidariedade; se esta fosse uma preocupação maior do Executivo e do Congresso Nacional, seria suficiente para a erradicação da fome no Brasil.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Infelizmente, não poderei comentá-lo, pois o meu tempo já se encontra esgotado.

Peço ao Sr. Presidente que o meu pronunciamento seja transcrito na íntegra, visto que o tempo não me permite concluí-lo. Tenho aqui alguns exemplos que gostaria que ficassem registrados como os da Campanha de Combate à Fome e à Miséria e pela Vida, onde ocorreram vários gestos altamente significativos, por parte do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, da Light, de prefeituras, de artistas, de presidiários, enfim, de brasileiros que contribuíram para o combate à fome e à miséria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/1996 - Página 17075