Discurso no Senado Federal

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.
Aparteantes
Francelino Pereira, Marina Silva, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/1996 - Página 17080
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ALIMENTOS, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Osmar Dias é alguém preocupado com a matéria que passo a pronunciar. Porque tenho repetido que S. Exª foi extraordinário Secretário de Agricultura no Governo do seu Estado, o Paraná, tendo marcado presença no cargo. Se dependesse de mim, no Governo Itamar Franco, S. Exª teria sido Ministro da Agricultura. Essa talvez tenha sido a maior falha do Governo do Sr. Itamar Franco, que trocou vários Ministros da Agricultura, o que não deu bom resultado. Teríamos vencido uma etapa importantíssima se o Senador Osmar Dias, naquela oportunidade, tivesse sido o Ministro da Agricultura.

Por isso, é compreensível que S. Exª aqui esteja a pedir que hoje debatamos o Dia Mundial da Alimentação. Perdoe-me, Senador Osmar Dias, mas entendo que o Dia Mundial da Alimentação é semelhante ao que acontece em todas as cidades, e não só em Porto Alegre, em que há o Dia do Almoço de Natal das crianças pobres. Em um dia determinado, às vésperas de Natal, todas as entidades caritativas fazem um grande almoço, distribuem presentes e todo mundo come bem; alguns até passam muito mal, porque não estão acostumados a comer tanto e comem muito, o que acaba por fazer mal ao seu organismo, que não está preparado para aquilo.

Mas é claro que entendo. Vamos, pelo menos, falar hoje sobre alimentação.

O Dia da Alimentação, para alguns brasileiros, é todo dia. Hoje vamos discuti-lo nesta Casa. Já tomei café, almocei, vou jantar daqui a pouco. E venho aqui discutir o problema da alimentação. Hoje é o Dia Mundial da Alimentação - eu, Pedro Simon, estou aqui para falar sobre alimentação. E aqueles que não têm o que comer? E aqueles que não têm como sobreviver? E aqueles que vão aos restos dos lixos para buscarem o necessário para sobreviver? E aqueles que se alimentam de ratos? E aqueles que praticamente estão à margem da realidade?

Josué de Castro, num livro com que o Sr. Fernando Henrique, Presidente da República, festejou o seu aniversário, A Geografia da Fome, antecipava o que estava por vir, ao dizer que já se noticiava, naquela época, que em lugares do Nordeste existiam crianças que estavam nascendo menores e cresciam menores.

Recentemente, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul fez um estudo nas favelas de Porto Alegre e chegou à conclusão de que lá também já existe um grupo impressionante de jovens que aprenderam a conviver com a fome, os quais possuem, nos seus organismos, órgãos internos e externos menores, adaptados à convivência com a falta de alimento.

O contrário ocorreu no Japão. Nesse país, antes, durante e logo após a Guerra, eram todos anõezinhos; de repente, vemos todos com dois metros de altura.

Para nós, aconteceu o inverso. Nós, do Rio Grande do Sul, somos descendentes de italianos e de alemães. Nem todo mundo é baixinho por fome. Sou baixinho, assim como o nobre representante do Amazonas, por natureza. Estou falando daquele que, realmente, tem essa realidade.

A Folha de S.Paulo traz a seguinte reportagem: "Brasil mostra o seu caos social à ONU", onde noticia que aumentou a distância entre ricos e pobres. O número de pobres chega a 41,9 milhões. O Brasil é o primeiro país do mundo que possui a maior distância entre os mais ricos e os mais pobres. Não há nenhum outro país, por mais atrasado que seja, como os da África, por exemplo, onde a distância entre os mais ricos e os mais pobres seja igual ao nosso País. É o primeiro no mundo, e esse quadro tem aumentado.

As manchetes dos jornais desta semana são as seguintes: "Fome mata um milhão de crianças anualmente na América Latina". E o Brasil é o campeão dos países da América Latina de morte de crianças por fome. Não estou falando nas milhões de crianças que morrem em conseqüência dos abortos, que são escandalosamente em grande número em nosso País; estou falando das que nascem, sobrevivem e depois morrem de fome: um milhão, na América Latina. E desse um milhão, o Brasil está em 1º lugar.

Outra manchete: "O Brasil é o 63º no ranking social da ONU". Se eu lesse os países que estão na nossa frente, meu Deus!... Malásia, Ilhas Fiji, Ilhas Maurício, Cazaquistão, Emirados Árabes Unidos, e lá se vão 62 países que estão na nossa frente no ranking mundial. Na economia, estamos em 9º lugar; no Produto Interno Bruto, na área econômica, nós estamos na primeira linha, somos um dos primeiros; fora o Grupo dos Oito, está lá o Brasil. Mas, na parte social, nós estamos lá atrás, na penúltima linha.

O Sr. Francelino Pereira - Permite V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com muito prazer.

O Sr. Francelino Pereira - Senador Pedro Simon, estou ouvindo V. Exª com muita atenção, como ouvi também a Senadora Benedita da Silva. O Brasil é, sem dúvida, o País da esperança, mas é também o País dos conflitos. Sabe V. Exª muito bem que o Brasil é hoje a 8ª ou 9ª economia do mundo e a 48ª Nação em indicadores sociais negativos. Situação pior do que a nossa, atualmente, talvez a de Honduras ou de algum outro país da África. A distribuição de renda em nosso País é perversa e geradora de todos os conflitos existentes na sociedade brasileira, da violência e da inconformidade que existe entre todos os segmentos da sociedade. A minha preocupação, meu caro Senador gaúcho, é que todo esse debate que hoje se desenvolve no Brasil, simultaneamente com essa onda de informações favoráveis à globalização que corre em todo o País, onde existem realmente fatos exatos, contribua para jogar uma sombra sobre a miséria absoluta que existe na sociedade brasileira. Fala-se tanto em globalização, fala-se tanto em economia, prova-se que a economia está se modificando no Brasil, e vamos aos poucos esquecendo e deixando em segundo plano o debate sobre aqueles que vivem na miséria absoluta no Brasil. Na ocasião em que assumimos os nossos mandatos neste Senado, o Brasil tinha 30 milhões de pessoas vivendo em pobreza absoluta. De lá para cá, de pesquisa em pesquisa, de levantamento em levantamento, realizados inclusive pelo IBGE, vem-se demonstrando que a distribuição de renda melhorou e que alguns milhões, talvez 16 milhões de brasileiros, já não vivem na miséria absoluta, como se estivessem vivendo no começo da felicidade. É preciso olhar bem esta Nação; é preciso conhecer este Brasil por dentro; conhecer todas as suas cidades, sabendo, inclusive, que em Porto Alegre existem favelas - no Brasil se imagina que não existem favelas no Rio Grande do Sul. É preciso saber que na periferia de Belo Horizonte, nas várias cidades do meu Estado, no Rio de Janeiro, em São Paulo existe um estado de pobreza que inquieta a Nação inteira. Quero, aqui, nesta hora, louvar a comemoração do Dia da Alimentação, chamando a atenção não para o lado que parece estar se levantando no sentido da globalização e, conseqüentemente, da melhoria do padrão de vida da sociedade brasileira, mas para revelar que a pobreza no Brasil ainda é uma realidade e, para erradicá-la, serão necessários ainda dois, três ou quatro governos, até porque a distribuição de renda é absolutamente perversa neste País. Muito obrigado.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o oportuno aparte de V. Exª, com o qual me identifico. A sua análise é absolutamente correta. O lamentável é que a nossa atitude, a minha, da nossa sociedade, é contemplativa. Ontem, referi-me a uma frase dita pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e hoje volto a fazê-lo: "O Estado não foi feito para atender os pobres". Sua Excelência lamenta que, olhando para os lados, mesmo que ele e alguns queiram, o conjunto do Estado brasileiro, o formato do Estado brasileiro não é feito para atendê-los. Que ele gostaria de trazer para dentro da sociedade uma parcela maior dos excluídos, mas que ele não sabe nem como fazer isso e apela para que as pessoas se identifiquem com essa causa.

Penso que esse pronunciamento do Presidente Fernando Henrique talvez seja o mais importante de todo o seu Governo. E esse pronunciamento não é apenas dele, é nosso, porque sempre digo que o Senado da República não tem condições, não está sabendo - a começar por mim - resolver as questões sociais, as questões da pobreza. Não podemos cobrar do Presidente se nós também não fizermos.

Já estamos chegando na segunda metade da nossa Legislatura, já estou no sexto ano do meu mandato, e me interrogo o que votamos aqui que melhorou as condições desses que estão passando fome? Qual foi a nossa ação, qual foi o nosso trabalho? Cada um de nós, pessoalmente, o que fez?

Tem razão o Presidente da República: o Brasil é um país que tem uma estrutura que não foi feita para atender pobre. Não foi feita para atender pobre! Nos Estados Unidos, país rico mas que também tem pobre, existe o salário-desemprego, uma importância "x" paga ao cidadão desempregado para que não passe fome.

O Sr. Francelino Pereira - Foi a elite brasileira que fez o Estado brasileiro. Fez o Estado brasileiro para a elite. Confesso a V. Exª que as instituições públicas brasileiras estão de certa forma caminhando para a falência, ou então há um equívoco, porque hoje as organizações não-governamentais, as associações diversas, estão tendo muito mais valor e são muito mais atendidas, muito mais ouvidas e muito mais acreditadas do que as próprias instituições, entre as quais nos incluímos.

O SR. PEDRO SIMON - V. Exª está sendo, como sempre, muito feliz. Tem razão V. Exª: as elites brasileiras, dramática e cruelmente, são de uma perversidade que dá dó.

Em primeiro lugar, já sabemos - isso é tão velho que apenas repito - que as dificuldades e os problemas para legislarmos neste País advêm do fato de existirem vários "Brasis". Não podemos legislar como nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França, uma lei para todo o país. Aqui temos vários países: há aquele para o qual temos que estender um prato de comida, ainda que se diga que esse tipo de caridade não resolve, porque seria melhor que aprendesse a trabalhar para se sustentar. Acontece que, se não lhe dermos o prato de comida hoje, ele não sobreviverá até lá. Existe ainda aquele que já está muito bem, obrigado.

Mas, infelizmente, neste País, neste Congresso, nos nossos gabinetes, nos gabinetes ministeriais, dos Governadores, a classe mais humilde não tem acesso. Diria até que, hoje, nas manifestações promovidas pelos meus amigos do PT, participam mais os trabalhadores do ABC, funcionários da Petrobrás ou da Eletrobrás, que são importantes, mas constituem uma espécie de elite diante da miséria da sociedade brasileira.

Dentro deste contexto, na verdade, quem defenderá os 40 milhões que estão à margem? Ninguém tomou conhecimento. Ninguém ficou sabendo que a situação era dramática, que se não se assinasse o documento àquela hora, à 1 hora da madrugada de sábado, iria acontecer um desastre no sistema financeiro. Mas o Presidente assinou: foram 6 bilhões e tantos de reais para o Banco Nacional, 30 e tantos bilhões para o sistema financeiro. Não houve pressão, não houve uma notícia de jornal, não houve um discurso nesta tribuna, mas o Governo considerou importante, era muito importante o sistema financeiro.

Enquanto isso, para os milhões de brasileiros que passam fome, que morrem porque não têm o que comer, vem o Ministério da Agricultura e diz aquilo que o Senador Osmar Dias e eu falamos ontem nesta tribuna: não podemos produzir mais que 80 milhões de toneladas, ainda que estejamos importando 15 milhões. Mas não devemos produzir mais do que 80, porque senão vai haver problema na distribuição. Para que os 150 milhões comam seriam necessários 120 a 130 milhões de toneladas. Para que todos os brasileiros pudessem comer seriam necessários 120 milhões de toneladas.

Ou eu não entendo nada ou a primeira coisa que deveríamos dizer seria o seguinte: vamos produzir 120 milhões de toneladas, que é o necessário para todos os brasileiros comerem; depois vamos ver o que fazer. Parece-me que essa é a política para quem considera que o cidadão tem uma alma, tem um corpo e é uma criatura de Deus, que tem direitos inalienáveis, e o primeiro é comer. Mas vem o Governo e diz que não: temos que primeiro fazer com que ele tenha condições de comprar. E o coitadinho, cujo pai está na cadeia e a mãe é uma prostituta, está lá, não sei onde, e, como não tem condições de comprar, tem que morrer, porque o Brasil não vai produzir para ele enquanto ele não tiver condições de comprar. É isso que está na nota do Ministério, não é Senador Osmar Dias? O Governo tem que aumentar a produção gradativamente, na medida em que aumenta o poder de consumo.

Então, tem razão o Presidente Fernando Henrique Cardoso: o Brasil não está preparado para atender pobre, nem o Governo dele, nem nós, o Senado Federal. Quando chega a época da safra, vêem-se manchetes como esta que dá conta que a batata é jogada fora, no lixo, lá em Ibiraiaras, no Rio Grande do Sul. E, agora, na época do trigo, como não tem preço, está-se pensando em colocar o trigo para os animais, porque o Brasil está importando e não há condições de garantir consumo para o próprio trigo nacional. Dizem que produzimos 6 milhões e consumimos 6 milhões, importávamos 1 milhão e meio e, hoje, estamos importando 6,5 milhões e produzindo 1,9 milhão. E, mesmo assim, na hora, o Governo não está bancando o preço.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Concedo o aparte à Senadora Marina Silva.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Pedro Simon, o tempo de V. Exª está esgotado. Peço à Senadora Marina Silva que seja breve, por gentileza.

A Srª Marina Silva - Agradeço a V. Exª pela oportunidade do aparte. V. Exª foi muito feliz ao dizer que as pessoas que têm como se alimentar debatem o dia da fome e as pessoas que hoje estão na faixa da miséria se debatem para tentar debelá-la. É isso que acontece hoje com milhões de brasileiros e bilhões de pessoas no mundo. O livro do Frei Leonardo Boff, chamado Princípio Terra. A volta à terra como pátria comum nos dá conta de dados surpreendentes com relação à problemática da fome no mundo inteiro. Diz que 1 bilhão de pessoas vivem em estado de pobreza absoluta e que, dentre essas pessoas, 14 milhões de jovens abaixo de 15 anos morrem de fome anualmente. O Brasil aparece com uma cifra muito alta nessa contribuição perversa de pessoas que passam fome no Planeta. Não quero aqui falar dos famintos de modo geral. Penso que se fizéssemos um grande esforço de solidariedade, com todas as iniciativas que já temos, somado ao empenho do Governo e da sociedade, poderíamos debelar a fome, pelo menos enquanto esforço nacional. As elites brasileiras são perversas, pois não se contentam em ter, mas querem mais do que isto: ter alguém para se firmar enquanto ser que tem. Só é possível a supremacia quando se tem o contraponto ao extremo e é isso que acontece no Brasil: é o contraponto ao extremo da opulência. Essa é uma realidade que precisa ser mudada. Em que pese ser fundamental o esforço de governantes, é importante um esforço que saia das entranhas da cultura brasileira. Refiro-me aqui, neste dia, àqueles que passam fome na Amazônia. Tive oportunidade de ouvir o relato extraordinário de pessoas que foram em caravana até o Vale do Juruá, que fez o coração sangrar. São milhares de famílias que, não tendo como produzir devido à desarticulação do antigo sistema extrativista, estão morrendo de fome em plena floresta amazônica. Não estão em maior grau porque vivem da caça e da pesca; se alimentam sem sal e, muitas vezes, não têm sequer iluminação em suas casas, fazendo clareiras para poderem assar o peixe ou a carne, vivem sem roupas, sem as mínimas condições de sobrevivência. É um dado deplorável de fome e de miséria em plena opulência de uma Nação que tem um dos patrimônios mais ricos da humanidade, que é a Amazônia.

O SR. PEDRO SIMON - Senadora Marina Silva, agradeço o aparte de V. Exª . Em sua intervenção V.Exª. relata fato que contém enorme crueldade. Diz V. Exª que há uma elite brasileira, que somos nós, para a qual não é suficiente comer bem, alimentar-se muito bem com o que há de melhor; que para sentir-se bem, tem que comer bem, alimentar-se bem e ver nos jornais e nas emissoras de televisão pessoas passando fome. Vendo os que passam fome, diz a Senadora Marina, nos sentimos melhores. Não sei se se chega a esse ponto, mas parece-me que estamos perto disso.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Osmar Dias - Sei que o tempo é curto e serei rápido. Em primeiro lugar, não poderia deixar de agradecer a generosidade das palavras de V. Exª, no início do pronunciamento. Não sei se sou merecedor, mas posso dizer que, há muito tempo, sou grande admirador de V. Exª. Somos diferentes da China com relação a produção e importação. A China, que já produz 450 milhões de toneladas, estabeleceu um programa que visa aumentar para 500 milhões de toneladas a produção de alimentos até o ano 2000. Israel, que recebeu uma indenização de guerra de US$6 bilhões dos alemães investiu tudo em projeto de irrigação e produz alimentos para auto-suficiência e para exportação; e nós dizemos aqui que não podemos produzir porque vamos provocar problemas na economia. Senador Pedro Simon, acho que isso se confunde com a história da nossa infância. Eu fui criado na roça; quando crescia e a calça ficava curta, minha mãe não me cortava as pernas, alongava as calças. Acho que no Brasil deveríamos agir da mesma forma: a população cresceu, a demanda por alimentos cresceu, e nós, em vez de aumentarmos o abastecimento, estamos cortando a produção para deixarmos 40 milhões totalmente marginalizados e 50% das famílias brasileiras comendo talvez uma vez por dia; quando comem duas vezes por dia é uma festa.

O SR. PEDRO SIMON - Tenho um projeto de lei que desde o Governo Itamar Franco eu vinha discutindo com os Ministros militares - e agora o Governo o está adotando: defendo o serviço que chamava de militar, mas o Governo chama muito mais apropriadamente de Serviço Civil Obrigatório; defendo-o para que homens e mulheres, durante um ano, prestem serviços como no plano que havia anteriormente, do Marechal Rondon, que lamentavelmente terminou, funcionando em cada cidade, em todos os lugares.

Esse plano seria importante porque os pobres teriam um ano para aprender a ler, escrever, a ser gente, e os filhos dos ricos teriam um ano para conviver com a miséria, com a injustiça e conhecer o outro lado.

Uma das decisões que mais me sensibilizaram foi de uma manchete vinda da China. Olhem, a China está dando exemplo!. Enquanto nós pensávamos que a Rússia era uma maravilha etc. e tal, uma potência, a China vem vindo devagar e já não é um país que tem fome; é um país que está avançando. A China tomou uma decisão: a limitação da natalidade. O limite é um filho por família; mais de um filho significa pagarem impostos enormes. Com uma população em torno de 1,2 bilhão de pessoas, é fácil entender.

Todavia, uma decorrência da decisão que foi tomada agora pela China, com essa história de cada família, em vez de ter uma enormidade de filhos, ter apenas um, é que esse filho está começando a ser muito mimado pela família; ele se torna muito envaidecido, cuidado com muito carinho e com muito afeto como se fosse criado em uma redoma. O governo chinês está baixando uma regulamentação, obrigando a que esses filhos únicos, em determinado tempo, ajudem, participem, trabalhem e vivam a realidade do povo chinês.

Entendo que se fizéssemos algo nesse sentido, se os nossos filhos convivessem com os mais pobres, e pudessem conhecer que existe o outro lado da vala, o da miséria, penso que seria um caminho.

Diz o Presidente da República que este País não tem competência para olhar para a pobreza, e é verdade. Eu diria que nós, Congresso Nacional, somos mais responsáveis que o Poder Executivo, porque somos mais omissos que o Poder Executivo, porque lavamos mais as mãos que o Poder Executivo. O Executivo tenta fazer, faz mal, erra, desperdiça, deixa acontecerem mil dispersões com bolsas de alimentos, mas tenta fazer. E nós, o que fizemos?

Em determinado momento do Governo Itamar Franco - está ali o Senador Eduardo Suplicy como testemunha - o Lula queria falar comigo e me apresentou um projeto que era uma proposta, uma idéia, pedindo para eu marcar uma reunião dele com o Ministro da Fazenda. Era um plano contra a miséria. Quando olhei o projeto, no gabinete do Senador Eduardo Suplicy, vi que era tão sério que disse-lhe que não era um assunto para ser tratado com Ministro, mas sim com o Presidente. O Lula não sabia o que responder, mas marcamos a data. Fizemos três reuniões no gabinete do Presidente da República, com o Lula, sua equipe e todos os Ministros ligados à área. Saiu o programa de combate à fome. O Governo fez questão de entregar a sua presidência, coordenação, não para o Lula, porque não seria normal, mas para o Betinho, e a secretaria-geral foi entregue para o Bispo de Duque de Caxias. A maioria do Conselho foi composta pelas entidades não-governamentais. Foi um passo importante.

Não vi, Sr. Presidente, durante todo o espaço que durou aquele programa, uma atuação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. O Presidente Fernando Henrique, na minha opinião, equivocadamente, assumiu para o Governo o programa que estava com a sociedade. Mas, de qualquer maneira, ainda existe o programa do Governo, e justiça seja feita à seriedade, à competência da Primeira-Dama, dedicada a esse programa.

O que fizemos até agora? Qual foi a nossa colaboração? Tivemos preocupação em conhecer, em fazer algo para o programa social do Governo Fernando Henrique Cardoso? Parece-me que não. O Congresso Nacional está completamente omisso, porque não fez absolutamente nada.

Meus amigos, penso que não apenas no Dia Mundial da Alimentação alguma coisa deve ser feita. Tínhamos que, obrigatoriamente, estar presentes e dar nossa colaboração. Porém, o que fizemos? Creio que devemos propor um debate, numa sexta-feira, nos reunir aqui e ver o que pode ser feito. Podemos solicitar à Srª Primeira-Dama que compareça para lhe perguntarmos em que podemos ajudar? Como está? O que é que dá para fazermos?

Nós fizemos alguma coisa? Tem razão o Presidente. O Brasil é um País que não sabe atender ao pobre. Nem o Governo de Sua Excelência nem o nosso Congresso Nacional!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/1996 - Página 17080