Discurso no Senado Federal

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Levy Dias, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/1996 - Página 17084
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ALIMENTOS, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado pela referência elogiosa de V. Exª, que muito me honra, mas posso adiantar que é generosidade de V. Exª como companheiro do Centro-Oeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, congratular-me com o ilustre Senador Osmar Dias pela iniciativa, que propiciou que este horário da sessão de hoje fosse destinado ao tema alimentação, uma vez que se comemora o Dia Mundial da Alimentação.

Por outro lado, congratulo-me também com o ilustre Senador, uma vez que tem S. Exª aproveitado todos os momentos, todas as datas em que se torne pertinente o tema agricultura, para salientar a necessidade de o nosso País dedicar mais atenção a esse segmento da nossa economia, a agricultura. E o tem feito com muita competência e com muita autoridade, no que secundo as palavras dos nossos colegas que, desta tribuna, reconheceram no ilustre Senador Osmar Dias um dos mais ferrenhos defensores da agricultura e um dos mais competentes nessa área.

Acompanhei os seus passos quando eu era Ministro, quando eu era Governador. Por oito anos, na Secretaria da Agricultura do Paraná, realizou S. Exª um dos mais belos trabalhos de que se tem notícia neste País. Quando, por exemplo, lançamos o programa nacional de conservação do solo, em tempo recorde, em pouco mais de dois anos, o ilustre Senador, então Secretário, nos convidava para participar do fechamento da última curva de nível em municípios daquele Estado. Como Secretário da Agricultura, não se dedicou apenas à produção imediata. Dedicou-se à agricultura a longo prazo, com responsabilidade, com muita inteligência.

Sr. Presidente, no Dia Mundial da Alimentação, eu trago ao Senado uma boa notícia: Goiás é o Estado que, no Brasil, hoje, não tem nenhum faminto. Cento e quarenta e sete mil famílias recebem, mensalmente, no meu Estado, uma cesta de alimentos suficiente para a alimentação de 5, 6 pessoas, uma cesta farta, composta de tudo o que se diz necessário à boa alimentação de uma família. Goiás também é o Estado onde todas as crianças cujos pais não têm condições financeira para isso recebem 1 litro de leite e um pão todos os dias. Buscam-nos na panificadora mais próxima. São 94 mil crianças.

Isso tem custado um certo sacrifício aos cofres públicos, mas foi uma proposta do nosso então candidato, hoje Governador Maguito Vilela, aceita pelo povo goiano, tanto é que ele o elegeu com uma boa margem de votos. Essa foi uma das principais metas da sua proposta de candidato ao Governo.

Mas, Sr. Presidente, não me conformo com essa política de simples distribuição de alimentos. Entendo que, a curto prazo, temos que fazê-lo, porque não é possível que, num País como o nosso, presenciemos 34 milhões de criaturas passando fome. O Senador Francelino Pereira trouxe esses dados, distribuídos pelo IBGE, que representam uma realidade cruel.

Como acabar com a fome no Brasil? Instituindo programas e mais programas na área social? Não. Entendo que não é esse o caminho. Fome se mata com alimento, e alimento se obtém produzindo, porque contar com alimentos produzidos por outros povos, quando nem sempre temos certeza ou condições de dispor de recursos suficientes para buscar esses alimentos é governar com uma dosagem até de irresponsabilidade.

O Brasil tem tudo para produzir o suficiente para alimentar a população brasileira; tem tudo para produzir o suficiente e ainda exportar o excedente da sua produção. O que acontece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que até hoje os governos brasileiros não encararam com a devida responsabilidade o problema da produção agrícola no Brasil.

Sou de uma geração que pode dizer que o maior Presidente que este País conheceu foi Juscelino Kubitschek. Ele próprio, ao deixar o Governo - nunca me esqueço -, quando lançavam a sua candidatura às eleições presidenciais seguintes, ou seja, às de 1965, dizia: Estou pensando seriamente em voltar a governar este País, para redimir-me de uma grande falha administrativa; quero voltar a presidir o País para prestigiar a agricultura brasileira, e quero fazer do Brasil um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Lamentavelmente, as circunstâncias políticas impediram que Juscelino voltasse a governar o Brasil, uma vez que, em 1964, o Brasil experimentou a implantação de um regime ditatorial que afastou, de uma vez por todas, a possibilidade de Juscelino voltar a administrar o Brasil.

Mas a verdade, Sr. Presidente, é que se o próprio Juscelino Kubitschek reconheceu a sua falha, poucos foram outros presidentes - poucos - que enxergaram na agricultura o caminho para solucionar os problemas nacionais.

E, diga-se de passagem, temos que reconhecer o grande interesse do atual Presidente desta Casa, Senador José Sarney, que quando Presidente da República prestigiou a agricultura, tanto é que conseguiu elevar de pouco mais de 50 milhões para 72 milhões de toneladas de grãos a safra, em apenas 5 anos de Governo, um aumento superior a 30%, algo que nunca se viu em nenhum país do mundo. Ele aumentou, em 5 anos, mais de 30% na sua produção agrícola. Mas ficou nisso!

Até hoje, observamos que não existe no Brasil uma política agrícola definida e duradoura: para cada Ministro, uma política. Basta dizer que, levantando o número dos Ministros que ocuparam a Pasta da Agricultura, a média é de pouco mais de sete meses por Ministro, durante toda a história do Ministério da Agricultura. Como pode um País, que não prestigia, que não dá sustentação a seus Ministros da Agricultura, produzir aquilo que realmente espera?

Entendo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, se a atual Legislatura e o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, conseguissem, nesse período, estabelecer uma política agrícola definitiva, boa e que atenda aos interesses nacionais em toda a sua extensão, já se justificaria um Governo e uma legislatura do Congresso Nacional.

Tenho observado que tem faltado pouco para que isso ocorra, porque, toda a vez que se fala em Agricultura neste plenário, os Senadores são unânimes em dar o seu apoio, a sua solidariedade a todos aqueles que abordam o tema.

Vejo, por exemplo, no Jornal do Brasil, edição de ontem, o seguinte:

      o Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Ronaldo Sardenberg, anunciou ontem, na abertura do 3º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, no Rio, o plano do Governo para ocupação da Amazônia e da região do Cerrado, no Centro-Oeste. "São áreas imensas - disse S. Exª -, pouco povoadas, onde até a presença das Forças Armadas é tímida. A ocupação é também importante para combater crimes como o contrabando e o narcotráfico".

      O plano prevê a liberação de recursos até 1998 para grandes obras nas duas áreas, entre elas a implantação da hidrovia do rio Madeira e a ampliação do porto de Itaquatiara (AM), para escoamento da soja produzida no Cerrado.

      A região Centro-Oeste corresponde a 18,8% do Território nacional e abriga apenas 6% da população.

Bem, acontece que, num determinado momento da história da agricultura brasileira, o Governo entendeu - e muito bem - que, através da pesquisa agropecuária, a agricultura avançaria. Criou-se a Embrapa; criou-se, em Goiás, a Emgopa e outras empresas estaduais de pesquisa agropecuária.

O que a Embrapa e essas empresas estaduais conseguiram criar, ao longo dos anos, já deu ao País e aos Estados dez vezes mais do que a sociedade investiu na área da agropecuária. Mas ficou nisso!

A pesquisa agropecuária permitiu ao Brasil, mediante suas criações e invenções, que os cerrados, por exemplo, até então considerados inservíveis à agricultura, se tornassem as áreas mais disputadas para a produção agrícola. Antes não se admitia, sob qualquer hipótese, a produção de soja fora dos climas temperados. Ela era produzida apenas no sul do País. Hoje, os cerrados brasileiros estão alcançando maior produtividade e um produto de melhor qualidade.

Se antes estava apenas a agricultura de sequeiro sujeita às intempéries, às estiagens permanentes, hoje, além da agricultura irrigada dos cerrados - sistemas simples constituídos pelos pivôs de irrigação -, temos já as variedades criadas pela Embrapa, pela Emgopa, pelas empresas estaduais de pesquisa agropecuária; variedades resistentes a essas intempéries, o que nos dá a garantia de uma produção freqüente, firme em todos os anos.

Hoje, já alcançamos uma produtividade muito boa da soja, do milho, do arroz, do feijão e que compete com outros países cuja tecnologia já se encontrava um tanto avançada.

Bem, mas contamos então com uma tecnologia de correção do solo, com variedades adaptáveis aos nossos climas, as nossas terras, mas falta aos agricultores uma política que lhes dê condições de trabalho.

O Brasil tem terras, um povo trabalhador com vocação agrícola e até com experiência. A nossa origem é agrícola. Mas não entendemos a ausência de uma política agrícola que realmente faça do Brasil o maior produtor de alimentos do mundo.

É claro que um país como o Japão, sem área suficiente para produzir alimentos para o seu povo, estabeleça uma política de aquisição de importação de alimentos. Mas estabelecer política econômica no Brasil, contando com aquisição de produtos agrícolas em outros países, é como desrespeitar uma consciência nacional. A própria Bíblia nos ensina que nação prudente é aquela que mantém estoques suficientes de alimentos para o seu povo, porque, assim, não fica na dependência ou não abre a possibilidade de ser esta nação coagida por outras.

O nosso Senador Osmar Dias é testemunha disto: bastou que se estabelecesse uma política para a produção de trigo para que o País se tornasse, em pouco mais de uma safra, quase que auto-suficiente, pois chegamos a mais de 6 milhões de toneladas, quando o consumo, àquela época, era de apenas 7 milhões de toneladas.

Esse aumento de produção foi como provocar um escândalo nacional. À época, fui chamado pelo Ministério das Relações Exteriores, porque, com a nossa ação de aumento da produção do trigo, estávamos criando problemas de relacionamento com a Argentina e com o Canadá.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, um País como o nosso, em que o Ministério das Relações Exteriores vem interferir na produção agrícola para proteger interesses de outros Países, é inaceitável!

É preciso que se crie a consciência de que a fome se mata com alimentos e consegue-se alimentos produzindo-os. Com a sua produção, criaríamos empregos para milhões de brasileiros. Além de matar a fome, criaríamos condições dignas de vida para milhões de pessoas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, para isso, é necessário que o Governo entenda que para produzir precisamos de estradas, de energia, de escola, de assistência médica para aqueles que se dispõem a buscar o interior do nosso Brasil, do nosso País. Basta que o Governo faça isso e crie condições aos agricultores para que o nosso Brasil realmente se torne um dos maiores, senão o maior produtor de alimentos.

Ora, temos 200 milhões de hectares de cerrado, dos quais mais da metade servíveis para a agricultura. Desses, apenas 23 milhões de hectares estão sendo aproveitados hoje com pastagens, com agricultura temporária, e, em torno de dois milhões, com florestamento e reflorestamento.

O Sr. Levy Dias - Senador Iris Rezende, V. Exª me concede um aparte?

O SR. IRIS REZENDE - Senador Levy Dias, um instante. Posteriormente, terei todo o prazer de buscar a sabedoria e a participação de V. Exª neste debate.

Mas, Sr. Presidente, aproveitando essa disposição do Governo, através da Secretaria de Assuntos Estratégicos, voltando a sua atenção para o Centro-Oeste e para a Amazônia, podemos aproveitar esse pretexto e fazer com que realmente nossas terras do Centro-Oeste sejam devidamente aproveitadas e utilizadas para a produção de alimentos.

Incorporando ao processo produtivo de nosso País mais 50 milhões de hectares, podemos aumentar a nossa produção em mais de 100 milhões de toneladas. Com 70 ou 80 milhões que serão produzidos agora, já vamos chegar quase à casa dos 200 milhões de toneladas de alimentos. Aí, sim, temos o suficiente para abastecer o nosso País, para distribuir alimentos, criando empregos para milhões e buscar divisas com a exportação do nosso excedente.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Iris Rezende, V. Exª me concede um aparte?

O SR. IRIS REZENDE - Antes de V. Exª, Senador Jefferson Péres, concedo o aparte que vem sendo solicitado há mais tempo pelo nosso também digno Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias - Senador Iris Rezende, estou aparteando V. Exª apenas para relembrar alguns fatos; um deles já foi relembrado no seu pronunciamento. Quando Ministro do Governo do ex-Presidente José Sarney, V. Exª esteve na Embaixada do Brasil na Argentina tratando deste assunto do trigo, e eu estava presente. Assisti à luta de V. Exª para convencer o embaixador brasileiro de que a política de produção estava gerando empregos e renda em nosso País e de que o acordo com a Argentina poderia ser cumprido, mas sem o sacrifício dos produtores e dos trabalhadores brasileiros. Foi difícil convencê-lo, mas o Brasil produziu, naquele ano, praticamente para o seu consumo, quase alcançando a auto-suficiência. Naquele tempo, o Ministro não se preocupava apenas em administrar o crédito rural insuficiente - é histórico no Brasil o fato de o crédito rural ser insuficiente e quase sempre chegar tardiamente às mãos dos produtores -, mas também em formar uma infra-estrutura do crédito. Os Estados que souberam entender a sua orientação e a sua mensagem estão hoje com essa estrutura. Saltou-se da casa dos 50 milhões de toneladas para 70 milhões de toneladas, marca de 1988, portanto, há quase dez anos. Retrocedemos a essa marca nos anos de 1995 e 1996, e ainda agora vamos retroceder mais um pouco. Já se chegou à marca de 81 milhões de toneladas, não apenas administrando o crédito rural e a política de comercialização, mas também formando uma infra-estrutura básica no campo e investindo no patrimônio maior do agricultor, o solo, promovendo a conservação, programas de calcário, investimentos que foram feitos com a pesquisa, atuando ao lado da extensão e dando assistência técnica. Tudo aquilo formou um patrimônio que jamais será extinto em nosso País. As propriedades rurais estão tecnificadas graças a uma gestão feliz de V. Exª e daqueles que souberam, em seus respectivos Estados, entender a sua orientação. Nós a entendemos, Senador Iris Rezende. O Paraná hoje se orgulha de ter uma agricultura tecnificada. Bons tempos aqueles! Além disso, quero dizer a V. Exª que o Brasil, diferentemente do que deveria estar fazendo, ao limitar a sua produção, poderia apoiar a produção de culturas específicas para o abastecimento interno, sobretudo para a conquista de mercados externos, que estão hoje abertos, oferecidos a países que, como o Brasil, têm potencial para produzir, mas pensam pequeno, ou seja, em produzir apenas para o mercado interno, esquecendo-se de que estamos, apenas nesta safra, importando a um preço de R$5 bilhões, dinheiro que poderia estar gerando empregos aqui, mas que está gerando exatamente no país de origem desses produtos. Obrigado, Senador Iris Rezende pela oportunidade de ter participado daquele grande programa e daquela grande gestão.

O SR. IRIS REZENDE - Senador Osmar Dias, muito obrigado pelo aparte de V. Exª. Permita-me incorporá-lo ao meu pronunciamento, pela sua importância e pela profundidade das informações trazidas a este debate.

Mas gostaria de salientar que, acompanhado de V. Exª, do Secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul do Governo do Senador Pedro Simon e do Secretário de Agricultura do Estado de Santa Catarina, travamos a discussão com os Ministérios da Fazenda e de Relações Exteriores naquela época para conseguir que se desse seqüência àquela produção de trigo no Brasil. Com muito esforço, conseguimos que houvesse financiamento apenas para os proprietários das áreas que produziram trigo na safra anterior. Esse foi um meio de manter a situação daqueles que investiram na produção de trigo e, conseqüentemente, evitar prejuízos insanáveis, mas com aquela limitação de produção.

Não sei se V. Exª ainda se recorda de que uma das argumentações levantadas era a de que esses países, no futuro, poderiam não ter condição de cumprir os seus compromissos com o Brasil - e eles acharam graça. E, parece-me, para uma lição àqueles responsáveis pela economia de então, no ano seguinte, a Argentina e o Canadá experimentaram intempéries que impediram a produção de trigo e não tiveram uma tonelada sequer para entregar ao Brasil. E se não fosse aquele estoque de mais ou menos 6 milhões de toneladas que o Brasil conseguiu nas duas safras, o povo brasileiro teria passado por momentos aflitivos, uma vez que faz parte da sua mesa o pão, em última análise, o trigo.

Com muito prazer, Senador Jefferson Péres, concedo o aparte a V. Exª, o que muito me honra.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Iris Rezende, receba o meu aparte como uma contribuição ao seu discurso. V. Exª se referiu, há pouco e de passagem, ao Japão como exemplo de país com condições diametralmente opostas às do Brasil, porque, sofrendo a angústia do espaço físico, é um grande importador de alimentos. Todavia, veja V. Exª, Senador Iris Rezende, que mesmo o Japão dá uma proteção, até exagerada, ao único cereal que produz, qual seja, o arroz, item básico na alimentação dos japoneses. Durante a Rodada Uruguaia de conversações do GATT, na qual foi negociada amplamente uma redução das tarifas para produtos industriais e agrícolas, os Estados Unidos, a União Européia e mesmo os países asiáticos exerceram fortíssimas pressões sobre o governo japonês para que este reduzisse a tarifa de proteção para o seu arroz, no qual é auto-suficiente. Ainda que se trate, Senador Iris Rezende, de um arroz produzido a custos elevadíssimos, podendo mesmo o Japão importar o produto a preços bem mais acessíveis. À época, o primeiro-ministro japonês resistiu às pressões, alegando que a sociedade japonesa não admitiria que ele cedesse, já que é uma decisão coletiva do povo japonês ser auto-suficiente na produção de arroz, não dependendo da importação do produto. Era esse o meu aparte, Senador.

O SR. IRIS REZENDE - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª, que realmente veio enriquecer o nosso pronunciamento. Precisamos buscar o exemplo de outros países e vamos fazê-lo justamente no Japão. Esse país não tem condições de produzir o suficiente para a alimentação do seu povo, mas ele se preocupa com a produção de alimentos, tanto é que, se até então o Governo brasileiro não se dedicou a uma política realmente eficiente para um aproveitamento dos cerrados, o Japão, do outro lado do globo terrestre, enxergou, nos cerrados, o potencial para a produção de alimentos e dispôs-se a emprestar ao Brasil recursos para o aproveitamento dos cerrados.

Eu era candidato a governador em 1982 e observei, nas Universidades de Goiás, Católica e Federal, um movimento intenso contra a implantação do programa Prodecer no Brasil, sob a alegação de que o Japão estava querendo tomar o nosso País. Eu não conhecia o problema em toda a sua extensão; tão logo eleito, imediatamente providenciei uma viagem ao Japão para conhecer de perto o programa e buscar informações. Fiz as seguintes indagações: que percentual de japoneses os senhores querem para esse programa? Nenhum. Que percentual da produção os senhores exigem que seja vendido para o Japão? Nenhum. E por que um dinheiro tão barato, a tão logo prazo? Eles disseram que não queriam ficar nas mãos de um só país fornecedor de alimentos. Quer dizer, o Japão empresta dinheiro ao Brasil, e o Governo brasileiro pode vender a quem bem entender; preocupa-se em que haja alimento suficiente no mundo, para que o povo japonês amanhã não passe fome. E estamos perdendo todo esse potencial.

Veio o Prodecer I, que já está absolutamente consolidado; em seguida, o Prodecer II, que está encontrando dificuldades, devido aos sucessivos planos econômicos, que dificultaram a vida dos produtores rurais. Aliás, Sr. Presidente, Srs. Senadores, gostaria de advertir a área econômica do Governo para que encontre uma solução para os agricultores que integram o Prodecer II, pois, dentro de poucos dias, estará no Brasil o príncipe japonês, para assinar a extensão do Prodecer III, quando o Brasil receberá mais de US$500 milhões de dólares. Essa assinatura não será dada, se os nossos agricultores do Prodecer II continuarem inadimplentes, como estão todos os agricultores brasileiros. Os seus débitos são superiores a R$200 mil. Portanto, o Governo terá de encontrar uma solução para eles.

Foi um plano que deu certo e ainda dará, mas é preciso que o Governo encontre uma solução para esses agricultores e para o Prodecer II, a fim de que consolidemos o Prodecer III e o Prodecer III/Extensão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluo o meu pronunciamento mais uma vez.

O Sr. Levy Dias - Sr. Senador, continuo aguardando para apartear V. Exª.

O SR. IRIS REZENDE - Desculpe-me, nobre Senador. Eu voltaria à tribuna para ter a honra de conceder a V. Exª o aparte.

O Sr. Levy Dias - Agradeço ao nobre Senador. Nesta tarde, a contribuição que V. Exª traz à Casa é uma das mais importantes que já ouvimos, como foi também a dos Senadores Osmar Dias e Pedro Simon. Lamento que não haja repercussão. A insensibilidade para o problema da produção de alimentos não é só do Governo; é praticamente de toda a Nação brasileira. Quando V. Exª falou do programa de Goiás, penso que aqui poucas pessoas perceberam a seriedade do seu enfoque, dizendo que, no Estado de Goiás, não existe um só faminto. Será que observaram essa frase? Falo do programa do seu Estado, Goiás, como modelo para o País. Busquei do Governador Maguito Vilela as informações sobre o Projeto Solidariedade, de Goiás, e, com V. Exª, as informações sobre como funciona um programa num Estado brasileiro onde não existe mais fome, para provar a todo o País que é possível implantá-lo, desde que haja decisão política. Primeiro, tem que haver sensibilidade para a fome. As pessoas que são contra a entrega de uma cesta básica, nas palavras do Betinho, certamente almoçaram e jantaram; certamente os seus filhos almoçaram e jantaram. Falei com o Governador Maguito Vilela no calor da campanha política, difundindo, copiando o Projeto Solidariedade, de Goiás, e S. Exª me disse o mesmo que V. Exª aqui afirma sobre o Solidariedade: "Antes que o sol raiasse no Estado de Goiás, 90 mil crianças haviam recebido pão e leite e 158 mil famílias por mês recebem essa cesta básica". A fome não pode esperar. Não posso dizer a um faminto que aguarde até o final do mês, quando arrumar um emprego. O trabalho do Governo tem de atuar em duas vertentes: uma de emergência, que deve durar o menor espaço de tempo possível da doação de uma cesta básica, e a outra, da geração de empregos, para que a pessoa não necessite dela. De tudo que estudei, de que tomei conhecimento no Projeto do Estado de Goiás, algumas coisas me impressionaram muito. É um projeto sem partido, sem cor política, que envolve praticamente toda a sociedade goiana, com 11 mil voluntários. Isso é único no Brasil. Não conheço em todo o Brasil nenhum programa dessa natureza. Ainda mais, a beleza do cidadão que vem descadastrar-se porque já arrumou condições de vida, solicitando que aquela cesta seja dada a outro brasileiro. Para ele aquela cesta básica é uma montanha de dinheiro da qual ele passa a abrir mão. Essa sensibilidade ao problema da fome é o que falta à Nação brasileira. Creio ser difícil falar nisso a quem está de barriga cheia. O que foi dito pelo Senador Pedro Simon é uma grande verdade: hoje não deveria ser comemorado o Dia da Alimentação; este deveria ocorrer em todos os dias do ano. No entanto, não temos isso. O meu Estado, a minha capital, a cidade onde vivo têm 12 mil famílias e 25 mil crianças em carência alimentar. V. Exª, por ter sido um brilhante Ministro da Agricultura, tem uma responsabilidade maior diante do Brasil, já que possui profundo conhecimento do problema. Sabemos todos de sua sensibilidade, de sua competência, de seu patriotismo, de seu amor e dedicação ao País. Por essa razão, V. Exª está ciente da necessidade de decisão. Hoje um jornal noticia que o rombo do Banco Nacional chega a US$7,5 bilhões. Nunca pedimos esse valor para a agricultura ou para a produção rural! Pedimos US$1,5, no máximo, US$3 bilhões, sem que tenhamos qualquer sucesso. Fiz um discurso nesta tribuna, quando assistimos a um burocrata do Banco Central segurar o dólar e, para que isso fosse feito, ele lançava US$7 bilhões no mercado. Há uma inversão na atuação do Governo. Nosso problema é gerencial. É a falta de sensibilidade na área da fome, é a insensibilidade para o povo que produz. Não existe nenhum cidadão mais importante em uma nação do que o agricultor. Não existe nenhum produto mais estratégico em um país do que o alimento. Se acabar o petróleo, arranjaremos fontes alternativas de energia, ou mesmo andaremos a pé, ou por qualquer meio de locomoção, mas não iremos morrer. Se amanhã faltar comida, morreremos. Não existe essa sensibilidade. Meu Estado como o de V. Exª são Estados produtores. Nossos Estados, hoje, são Estados tristes. O homem no campo vive muito melhor do que o homem na cidade. O êxodo rural, a saída do homem do campo para a cidade, gerou problemas muito mais graves no meio urbano, muito mais sérios, que são os grandes bolsões de pobreza das periferias de todas as grandes cidades do Brasil. Nossa expectativa - a minha expectativa e, tenho certeza, a expectativa de V. Exª - é de que haja sensibilidade e, conseqüentemente, um tratamento mais sério para um problema tão grave como é o problema da fome. Não se combate fome sem comida. No Brasil, tenta-se fazer isso, mas não há possibilidade de se combater a fome sem se produzir comida. Deixo registrado no pronunciamento de V. Exª a minha solidariedade a todas as pessoas que produzem nesta Nação, que trabalham, mesmo tristes, mesmo desprezadas; elas são as pessoas mais importantes, mesmo assim são desprezadas. Elas fazem o trabalho patriótico da produção de alimentos. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento, pelo enriquecimento do nosso conhecimento por intermédio do seu conhecimento, pelo seu patriotismo, pelo brilhantismo da sua fala. Deixo também registrada a minha solidariedade aos homens que trabalham neste País produzindo comida.

O SR. IRIS REZENDE - Muito obrigado, Senador Levy Dias. Agradecendo, afirmo que o meu pronunciamento não teria o valor que tem agora sem o seu aparte, que veio realmente valorizá-lo, enriquecê-lo.

Diria mais: por mais fria que seja a criatura humana, ela tem o seu lado sensível. Por mais fria que seja a pessoa, as músicas natalinas normalmente tocam o seu coração, e é por ocasião do Natal que observamos que essa elite, muitas vezes fria e até selvagem, preparando sua mesa com ricas bebidas e comidas, e talvez no seu subconsciente envergonhada, prepara cestas e vai para as periferias das cidades distribuí-las para as pessoas famintas. No entanto, fazem isso uma vez por ano, às vésperas do Natal, como que para passarem aquela noite de comemoração do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo com a consciência mais tranqüila.

Essa é a hipocrisia, é a falsidade, é até a falta de vergonha de um segmento da nossa sociedade, que pensa no seu semelhante sofrido uma vez por ano. Precisamos, no Congresso Nacional, no Governo Federal, representando a sociedade brasileira, estabelecer uma política à altura dos nossos destinos, de tal modo que o Brasil passe a produzir mais, mas muito mais, porque não pode haver limite na produção de alimentos num país de 150 milhões de habitantes.

É preciso produzir mais, muito mais, a fim de que nos próximos anos comemoremos o Dia Internacional da Alimentação com a nossa consciência realmente tranqüila, consciência do dever cumprido, consciência de que conseguimos, a nossa geração conseguiu encontrar o caminho para este País tão rico e de um povo tão trabalhador.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/1996 - Página 17084