Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM O SR. PEDRO TIERA, OU SEJA, O SR. HAMILTON PEREIRA DA SILVA, POR SUA POSSE COMO SECRETARIO DE CULTURA DO DISTRITO FEDERAL. RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 5, DE 1997, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DA ARRECADAÇÃO DAS DISTRIBUIDORAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL PARA O CINEMA NACIONAL E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). POLITICA CULTURAL.:
  • CONGRATULANDO-SE COM O SR. PEDRO TIERA, OU SEJA, O SR. HAMILTON PEREIRA DA SILVA, POR SUA POSSE COMO SECRETARIO DE CULTURA DO DISTRITO FEDERAL. RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 5, DE 1997, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DA ARRECADAÇÃO DAS DISTRIBUIDORAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL PARA O CINEMA NACIONAL E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 24/01/1997 - Página 3025
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, HAMILTON PEREIRA DA SILVA, POSSE, CARGO PUBLICO, SECRETARIO, CULTURA, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PERCENTAGEM, ARRECADAÇÃO, SESSÃO, CINEMA, PROCEDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, FUNCIONAMENTO, PRODUÇÃO CINEMATOGRAFICA, AMBITO NACIONAL, PROGRAMA NACIONAL DE APOIO A CULTURA (PRONAC), MINISTERIO DA CULTURA (MINC).

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomou posse ontem na Secretaria de Cultura uma pessoa extraordinária, um ser humano dotado de raras qualidades, qualidades que rareiam em nossa sociedade. Parece ser jovem, mas como é antiga a sua sabedoria, como é velho o seu compromisso com a vida, como é bela a sua forma de expressão e de visão do mundo em que vivemos! Ele é um guerrilheiro do espírito, um guerrilheiro da emoção.

Depois de sua posse, quando recebia o cumprimento de Luís Inácio, o Lula, e do Governador Cristovam Buarque, eu o cumprimentei e agradeci pelo seu discurso, pela sua presença; agradeci por ter-me dado a oportunidade de chorar.

Bom seria se tivéssemos a nossa sensibilidade individual fina não contaminada, não poluída por esta sociedade selvagem, por esta barbárie que a todo dia vemos nas televisões, nos "Aqui, Agora", e que, desde criança, vai fazendo a insensibilidade, a indiferença, o cansaço pela repetição, tornando normais esses fatos agressivos, esse crime constante que amedronta a sociedade brasileira.

A mim me parece que foi principalmente o fato de não se ter deixado espoucar e realizarem-se as necessidades sociais, abafando-se as ligas camponesas, não permitindo que o povo avançasse para trabalhar e para construir; foi por terem colocado as barreiras a esta necessidade primária, essencial do ser humano, que é manifestar a sua agitação contínua, o seu movimento por meio do trabalho: é justamente pelo fato de que expulsaram os brasileiros das condições de trabalho, desprezaram a vida e o trabalhador, a infância e a terceira idade; é justamente por isso que essas forças reprimidas, sem ideologia, expressam a sua violência desorganizada nessa criminalidade, nessa desumanidade, nessa barbárie que tomou conta de nosso País.

Lerei alguns trechos do discurso que, ontem, Pedro Tiera, ou seja, Hamilton Pereira da Silva, proferiu ao ser empossado como Secretário da Cultura do Distrito Federal:

      Trabalhadores da arte e da cultura,

      "O sol procura é as pontas dos aços..."

      Guimarães Rosa pôs essas palavras na boca de Riobaldo, para antecipar batalhas. Digo a todos os que aqui vieram para viver comigo esses instantes, que a vida me levou a muitos lugares, pessoas e batalhas. Ana e Sabino e os irmãos disseminados no tempo e na geografia, Carlos Marighella, Aurora Maria do Nascimento, Alexandre Vannucchi Leme, José Porfírio de Souza, Nativo da Natividade, Chico Mendes, Josimo Tavares, Margarida Alves, Marçal Tupã-Y. A seu lado vida me levou entre a terra e a dor a buscar a raiz da invencível alegria do nosso povo. A militância, o cárcere, a tortura, a morte - porque quem testemunha a morte morre um pouco na morte de cada um -, a paixão pela poesia me deram a convicção de que a vida não é só isso que a selvageria do capitalismo nos oferece. Hoje a vida me trouxe aqui para este lugar e para este serviço. Uma tarefa com tempo medido e grandes desafios, que será continuada pelos que virão depois.

      Antes de afirmar que "Viver é muito perigoso..." Guimarães Rosa disse: "Tudo o que já foi é o começo do que vai vir..."

      Repito Guimarães Rosa para que se recupere a convicção de que somos apenas parte da congregação das vontades de transformar a face disforme, brutal e injusta deste país.

      Para isso nascemos.

      Mas hoje, passados apenas alguns anos já é preciso lembrar onde nascemos:

      "Nascemos num campo de futebol.

      Haverá berço melhor para dar à luz uma estrela?

      Aprendemos que os donos do país só nos ouviam

      quando cessava o rumor da última máquina...

      quando cantava o arame cortado da última cerca...

      Carregamos no peito, cada um, batalhas incontáveis.

      Somos a perigosa memória das lutas.

      Projetamos a perigosa imagem do sonho.

      Nada causa mais horror à ordem

      do que homens e mulheres que sonham".

      O que temos hoje - e esse é um dos grandes desafios para os democratas e socialistas do Brasil - é que a roda da exclusão, em velocidade nunca vista, produz uma massa crescente de miseráveis, aprofunda o abismo entre os trabalhadores formais e informais, empregados e desempregados, entre os pobres e esses novos miseráveis. Em síntese, encontramos aqui aquela situação descrita por Hannah Arendt ainda nos anos 50: "O perigo é que uma civilização global universalmente correlata possa produzir bárbaros em seu próprio seio por forçar milhões de pessoas a condições que, a despeito de todas as aparências, são as condições da selvageria".*

Um bilhão de pessoas desempregadas fazem parte da selvageria moderna, da neo-selvageria.

Por coincidência, em seu belo discurso, Pedro Tiera sabe que aqueles que, quando sonham, têm pesadelos e querem baixar seus pesadelos, transformando-os em planos de governo, em projetos de sociedade, realmente temem os utópicos, os que não param de sonhar, que lutam pelo sonho e que, apesar de tudo isso que ocorre, afirmam que vão continuar sonhando.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Logo que terminar essa frase, darei permissão a V. Exª para me apartear.

Felizmente, tão destituído de qualidades e atributos, fui aquinhoado com esta grande virtude, esta grande força: sou um utópico, um sonhador.

Eu gostaria de ouvir a nobre Senadora Marina Silva, que acaba de me pedir um aparte.

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - A Mesa recomenda à nobre Senadora que ocupe a tribuna ao lado, em função do defeito existente em nossos equipamentos.

A Srª Marina Silva - Uma situação deveras incômoda para os tímidos. Primeiramente, quero parabenizar V. Exª e dizer que também fico feliz por Pedro Tiera estar nesse posto. Conheço o seu trabalho, a sua dedicação, a luta pela democratização da terra e, sem dúvida, é um sonhador. V. Exª está fazendo uma diferença entre aqueles que sonham e os que têm pesadelo; e os que têm pesadelos e tentam realizá-los na prática têm causado grande assombro e problemas para aqueles que poderiam não ser incomodados por esses pesadelos. Mas penso que o sonho, pelo fato de tentar contribuir na medida do possível com as nossas utopias, seja no enfrentamento desse problema que V. Exª acaba de colocar, como sendo um dos males da nossa cultura globalizada, que não globaliza os benefícios, mas globaliza para a grande maioria os seus prejuízos, as suas mazelas, o sonho, repito, é fundamental. E neste ponto me permito até parodiar um poeta chamado Kabir, que tenta definir na sua poesia o que é o amado, dizendo: ele é o respirar no interior da respiração. E eu acho que o sonho, parodiando esse poeta, é exatamente isso para a raça humana; é uma espécie de respirar no interior da respiração. É isso que nos movimenta, é isso que faz com que busquemos sempre alcançar a estrela de Davi, que sabemos vai estar sempre longe; no entanto, nosso objetivo é alcançá-la e, assim, construímos coisas, realizamos parte do nosso sonho, fazemos realizar os sonhos dos outros, modificamos também os nossos sonhos e as nossas esperanças. É isso que alguns pensadores propõem: mudar o mundo e, depois, mudar o mundo mudado. Muito obrigada.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço à colega e companheira, eminente Senadora Marina Silva, o aparte que, devido à sua imensa sensibilidade, acaba de proferir e cujas palavras incorporo com prazer ao meu pronunciamento, que, com toda certeza, com elas será engrandecido.

Realmente, nobre Senadora Marina Silva, V. Exª tem mais do que razão. O sonho é o ingrediente indispensável à vida e, quanto mais a realidade vai se tornando dura, bruta, agressiva, maior a necessidade de sonharmos. É pena que alguns, que não têm pesadelos e que não podem sonhar um mundo melhor, uma vida mais fraterna, criem mundos esquizofrênicos - esquizofrênicos sim, cindidos, cortados -, fujam para modelos imaginários, para tecnocracias eficientes contra a natureza, eficientes contra a vida. Realmente, a tecnocracia não suporta o sonho.

Continuo lendo mais um trecho do discurso pronunciado pelo companheiro Pedro Tiera.

      "O estímulo à produção cinematográfica do Pólo de Brasília é parte indispensável da afirmação das políticas culturais do Governo do Distrito Federal. É meta deste Governo a constituição da Film Comission agregando o esforço do Estado e da sociedade para atrair produções cinematográficas para Brasília.

Não há dúvida alguma quanto a que dar razão a Walter Benjamin quando faz o estudo aprofundado e pioneiro sobre a reprodução da obra de arte na sociedade moderna, esta reprodutibilidade da obra de arte, nas televisões, nos jornais e nos diversos meios de comunicação. Esta reprodutibilidade, estas cópias de obras de arte, fazem com que, como dizia Walter Benjamin, a arte se transforme em uma mercadoria. E esta mercadoria artística vai criando formas de comunicação que dão ubiqüidade às figuras sobre as quais esses meios de comunicação apontam suas lentes.

Agora, R$17 milhões serão gastos para apontar as lentes das empresas de comunicação sobre aqueles que querem a reeleição neste País, para fabricar uma falsa consciência da necessidade desse processo que colocará no centro do poder, por mais 4 anos, aquele que veio para ficar 20: Fernando Henrique Cardoso, o Presidente.

Contudo, é preciso recolher - tendo em vista a criação desse pólo cinematográfico de Brasília - a disposição e a generosidade dos criadores e produtores materiais de cultura e dialogar com eles para gerarmos juntos um processo que converta nossas cidades em "oficinas do novo". Que interrompa o caminho do cidadão e da cidadã que vai para o trabalho ou que busque o lazer, com as expressões artísticas que produzimos, para humanizar o cidadão humanizando o artista.

Assim, foi uma feliz coincidência o fato de que hoje apresentei projeto de lei que tem por objetivo desenlatar um pouco a nossa cultura, a cultura enlatada que somos obrigados a consumir como Nação dominada, hospedeira e subjugada.

Para dar um ânimo e abrir um espaço à produção cultural - que é a manifestação dessa inquietude humana -, apresentei projeto que tem por objetivo destinar 2% da arrecadação total das bilheterias de toda sessão cinematográfica comercial de cuja programação constar filme estrangeiro de longa-metragem ao Fundo Nacional de Apoio à Cultura, do Ministério da Cultura. O recurso será destinado exclusivamente ao funcionamento de projetos cinematográficos nacionais submetidos à apreciação do Ministério da Cultura.

Pedro Tierra, que sabe o valor da cultura, Pedro Tierra, que sabe a precariedade dos recursos destinados à cultura, certamente ficará satisfeito com este meu projeto que visa a fazer essa transfusão de calor e de energia, de recursos para a nossa cultura.

Realmente, o cinema é uma indústria. E o Brasil protege há muitos anos a indústria das coisas. A indústria cinematográfica fica no esquecimento, porque não fabrica mercadoria. Muitas vezes é uma miniempresa que não consegue se reproduzir, não consegue obter lucros diante da massificante concorrência estrangeira.

Portanto, parece-me que este meu projeto vem em boa hora. Foi uma feliz coincidência tê-lo apresentado justamente no dia seguinte àquele em que Pedro Tierra tomou posse na Secretaria de Cultura do Distrito Federal.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/01/1997 - Página 3025