Discurso no Senado Federal

RELATORIO DAS IMPRESSÕES COLHIDAS PELA COMISSÃO DO SENADO FEDERAL DESTINADA A AVERIGUAR A SITUAÇÃO DE CONFLITO EM OURILANDIA-PA. REFORMA AGRARIA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RELATORIO DAS IMPRESSÕES COLHIDAS PELA COMISSÃO DO SENADO FEDERAL DESTINADA A AVERIGUAR A SITUAÇÃO DE CONFLITO EM OURILANDIA-PA. REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/01/1997 - Página 3040
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ENTREGA, RELATORIO, COMISSÃO, SENADO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), REFERENCIA, MORTE, SEM-TERRA, CONFLITO, ESTADO DO PARA (PA), FAZENDEIRO, INVASÃO, POSSE, TERRAS.
  • DEFESA, ENTENDIMENTO, GOVERNO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na tarde de hoje a Senadora Marina Silva, o Senador Sebastião Rocha e os Deputados Luís Eduardo Greennhalg, Jaques Wagner, Pedro Wilson e Vânio dos Santos, Deputado Federal da Bancada do PT, que substituiu José Fritsch de Santa Catarina, e eu estivemos com o Ministro Raul Jungmann.

Na ocasião, entregamos a S. Exª um relatório sobre as impressões colhidas pela Comissão do Senado Federal composta pelos Senadores Ademir Andrade, por mim, Sebastião Rocha e Senadora Marina Silva, e pelos Deputados Geraldo Pastana, Gervásio Oliveira e Pedro Wilson, quando estivemos em Ourilândia, Pará, e constatamos, com preocupação, a morte de três trabalhadores rurais.

Essas mortes foram provocadas por pessoas armadas que prepararam uma emboscada, uma violência. Portanto, faz-se necessário o fim da impunidade a crimes dessa natureza, bem como a aceleração dos processos de assentamento. E, quanto a este Congresso, é necessário que se faça a tramitação de projeto de lei que trata da punição para a violência no campo.

Segundo nos informou o Ministro, a sugerida providência de desapropriar áreas naquela região - inclusive onde houve o crime - ocorrerá dentro de 15 dias, quando dará uma resposta à Comissão que tratou desse assunto, pois analisa a viabilidade de essas medidas serem tomadas.

S. Exª assinalou que foi designado um Superintendente do Incra para a região do Sul do Pará, considerada especial, para que possam ser tomadas medidas para o assentamento de 10 mil famílias.

Com respeito à questão do Pontal do Paranapanema, transmitimos ao Ministro Raul Jungmann a necessidade de se adotar um outro tipo de atitude, que não a de encerrar o diálogo com o Movimento dos Sem-Terra. Informamos a S. Exª que antes da audiência conversamos com a coordenação do MST, sugerindo que esta mostrasse um sinal, um gesto de boa vontade. E o gesto de boa vontade foi a resolução, por parte do Movimento dos Sem-Terra, de deixar o prédio do Incra que havia sido ocupado na última terça-feira.

Inclusive, na tarde de hoje uma vez que o Incra havia solicitado liminar para que fosse feita a reintegração de posse daquele edifício, quis o juiz ouvir tanto a Superintendência do Incra quanto o Movimento dos Sem-Terra.

Na tarde de hoje os coordenadores do MST, Gilmar Mauro, José Rainha e outros, juntamente com o Superintendente do Incra, estiveram explicando ao juiz a decisão que estavam tomando. O juiz resolveu não conceder a liminar para a reintegração de posse. Entendeu o julgador que o Movimento dos Sem-Terra estava sinalizando para que houvesse a liberação de recursos que possibilitariam a instalação de uma fecularia para o aproveitamento da mandioca que está por ser colhida em março próximo. Seria importante que houvesse a compreensão.

O juiz mencionou que a quantia, da ordem de pouco mais de R$4 milhões, era muito menor do que, por exemplo, a quantia que o Governo estava gastando com a propaganda para defender o direito de reeleição do Presidente e disse que não concederia a liminar.

O Movimento dos Sem-Terra está, neste instante, deixando o prédio do INCRA em São Paulo. O Ministro Raul Jungmann disse que, diante do gesto de boa vontade da parte do MST, estava determinando a retomada dos trabalhos da comissão técnica que estava finalizando a análise da solicitação para o financiamento necessário à aquisição dessa fecularia.

Notamos que há, por parte do Ministro, vontade de retomar os contatos diretos com o Movimento dos Sem-Terra.

É muito difícil hoje pensar-se em realizar reforma agrária sem ter como interlocutor os trabalhadores sem terra, inclusive aqueles que se organizam com a ajuda e coordenação do MST.

Tive a oportunidade de, nesta audiência, transmitir ao Ministro que seria importante pensarmos em situações outras que ocorreram em nossa História.

O Deputado Luís Eduardo Greenhalg relembrou situações do tempo do regime militar, durante o qual quando, dentro de uma prisão, um prisioneiro político fazia um protesto qualquer, todos os demais prisioneiros eram punidos de alguma maneira. Não se pode generalizar. O próprio Deputado Luís Eduardo criou outra imagem. Mencionou que às vezes um pai, erroneamente, resolve punir todos os seus filhos porque um deles teria cometido uma falta. Não se pode, ao lidar com um movimento social, generalizar situações, como fez há poucos dias o Ministro Raul Jungmann, que qualificou as atitudes do Movimento dos Sem-Terra de chantagem ou algo assim.

O Sr. Carlos Patrocínio - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Carlos Patrocínio.

O Sr. Carlos Patrocínio - Eminente Senador Eduardo Suplicy, eu até me inscrevera para dizer da minha preocupação com essa luta desenfreada pela posse da terra. Penso que ela está assumindo proporções imprevisíveis. V. Exª, que, juntamente com outros nobres colegas, foi a Ourilândia, no sul do Pará, apurar os fatos que ali sucederam, deve ter tido a noção exata do que está acontecendo e do que está por acontecer em nosso País. Evidentemente, o Ministro Raul Jungmann acabou por perder a paciência. Parece que também essa é a posição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ouvi declarações de Sua Excelência de que tudo tem um limite. Eu gostaria de dizer, nobre Senador Eduardo Suplicy, que o momento que se alastra pelo País é deveras preocupante. Tenho notícias de que mais de cem fazendas do sul do Pará foram invadidas. No Estado do Tocantins, estão-se avolumando as invasões de terra. Penso que o Ministro tem suas razões ao dizer que "terra invadida não é objeto de negociação". E também o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando diz que "tudo tem um limite". Chegou a hora de o Senado Federal e o Congresso Nacional tomarem também providências e alertarem as autoridades competentes, para evitar um banho de sangue em nosso País. Tenho acompanhado essas questões por meio dos jornais. Parece-me que já se estabelece uma luta entre os sem-terra e a UDR, que tinha uma reunião marcada em Marabá - não sei se foi efetivada. Ao que tudo indica, os proprietários rurais estão-se armando - julgo também que isso não resolve o problema -, em que pese à vontade manifesta do Governo Federal de desarmar todos os segmentos no sul do Pará. Isso tem sido contestado aqui pelo Senador Ademir Andrade. Sei que está faltando ação mais efetiva do Governo, porque não foi feita a quitação de várias fazendas desapropriadas. Isso leva o cidadão a pedir reintegração de posse e logo em seguida o Movimento Sem-Terra voltar a invadir. Temos de alertar as autoridades competentes, eminente Senador, para que fatos como o de Ourilândia, de Corumbiara, de Eldorado dos Carajás, da fazenda Macaxeira, não se repitam em nosso País. O Estado do Tocantins está virando um estopim; eu próprio tenho uma fazenda invadida. A fazenda do Senador José Eduardo Andrade Vieira, em Marabá, no sul do Pará, de alta produtividade, com 6.000 vacas inseminadas com sêmen de reprodutor de alta linhagem, também foi invadida. Isso está acontecendo no Estado de Tocantins. É muito bom que V. Exª ocupe a tribuna para tratar desse assunto. É muito bom que V. Exª tenha ido, com os seus companheiros e os nossos colegas, ao encontro do Ministro da Reforma Agrária, mesmo porque me parece que S. Exª já estava perdendo a paciência. E dou-lhe razão, porque o Movimento dos Sem-Terra está assumindo proporções que tendem a subverter a ordem. Penso que temos de tomar uma providência, que pode muito bem partir do Senado Federal, do Congresso Nacional. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Carlos Patrocínio, agradeço-lhe o aparte, que traz uma informação importante com relação a Tocantins e ao Pará.

Nós reiteramos ao Ministro aquilo que o Senador Ademir Andrade também expôs, ou seja, que diversos proprietários no sul do Pará, inclusive na região de Ourilândia e de Tucumã, estavam dispostos a ceder pelo menos parte da sua propriedade para a realização de assentamentos, em acordos com o INCRA.

Lembramos até que o Prefeito Veloso, de Ourilândia, havia alertado as autoridades do Incra e do Ministério de Assuntos Fundiários e também o Governador do Pará sobre a grave situação social na região. Antes, houve ali uma grande imigração que ajudou a formar Ourilândia, pela exploração de madeira e de ouro. Mais recentemente, essas atividades econômicas diminuíram muito e não foram suficientemente substituídas. Assim, haveria necessidade de encontrarem novas atividades econômicas, pois o desemprego é sério na região e são muitas as situações de agravamento do problema social, que deve ser corrigido.

Por outro lado, o Ministro Raul Jungmann mencionou que há hoje no País uma atitude bastante diferente no que diz respeito à reforma agrária. Referiu-se até a encontros que tem tido com segmentos patronais, fazendeiros, proprietários de terra. Mencionou o recente convite do Diretor da Gazeta Mercantil, Luiz Fernando Levy, para dialogar com 16 grandes proprietários de terra, pessoas pertencentes à classe patronal da área rural, sobre esse tema. S. Exª disse que ouviu desses proprietários que a reforma agrária é algo necessário e importante. Chegaram, inclusive, a fazer uma avaliação crítica daquilo que foi o resultado da Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Em vista de posições que talvez tenham sido radicalizadas por parte de segmentos a favor e contra a reforma agrária, o que ficou estabelecido na Constituição hoje dificulta o aceleramento da reforma agrária, mas a realização dela - segundo esses empresários disseram ao Ministro Raul Jungmann - já não é vista por eles como algo inadmissível. Eles reconhecem a necessidade da reforma agrária, e o Ministro disse-lhes que ela é inexorável.

Por outro lado, após uma conversa de duas horas conosco, o Ministro disse que reconhecia no Movimento dos Sem-Terra um interlocutor importante. Pareceu-nos que S. Exª de fato quer retomar o diálogo com esse Movimento.

Dialogando com as duas partes, percebi que há certa vontade de que esse diálogo seja retomado, desde que haja gestos na direção de produzir importante transformação social e, conseqüentemente, promover a justiça social no País.

Dei ao Ministro Raul Jungmann o livro da autobiografia de Nelson Mandela, "O Longo Caminho da Liberdade". Por que razão? No final de dezembro e início de janeiro, fiz uma viagem de duas semanas à África do Sul e me interessei em estudar o processo de transformação daquele país. Conhecendo a beleza da África do Sul, seus problemas, a semelhança com o Brasil no que se refere à existência de alguns lugares onde a riqueza se acumulou de forma extraordinária e outros, com favelas imensas, onde a população, especialmente negra, ainda é muito pobre, considerei importante que nós brasileiros viéssemos a conhecer mais de perto aquela realidade. Li o livro sobre a vida de Nelson Mandela - e o recomendo também a V. Exª, Senador Carlos Patrocínio, e a todos os Srs. Senadores - e verifiquei que ele é extremamente bonito. Quando cheguei ao Brasil, conversei com João Pedro Stedile, José Rainha, Gilmar Mauro e outras lideranças do Movimento dos Sem-Terra sobre o quão bonito e relevante era aquele livro, para que eles conhecessem a vida de quem tanto lutou por justiça e liberdade, diante de governos extremamente repressivos, e como Nelson Mandela tinha uma qualidade excepcional de, mesmo diante de seu mais ferrenho inimigo ou adversário, sempre procurar ver algo de bom naquele ser humano, de sempre acreditar em alguma forma de diálogo. Após ter ficado 27 anos preso, Nelson Mandela saiu da prisão para se tornar o Presidente da República e ajudar na construção de uma nação, que, acreditamos, poderá ser mais justa do que certamente foi em todo o passado de apartheid e tantas injustiças. Por essa razão, dei o livro ao Ministro Raul Jungmann. Ao transmitir a João Pedro Stedile, Coordenador do Movimento dos Sem-Terra, a minha impressão do livro, qual não foi a minha surpresa ao ouvir que ele já o havia lido e achado ótimo. Plínio de Arruda Sampaio, ex-Deputado Federal, presenteou-lhe com um exemplar e ele achou tão bom que mandou comprar 20 e distribuiu a toda a coordenação do Movimento dos Sem-Terra.

Achei interessante que o Ministro Raul Jungmann pudesse ler o livro, primeiro para compreender melhor as razões de pessoas como os trabalhadores sem-terra às vezes se verem na iminência de realizar ocupações, de fazerem gestos. E, observem que os gestos dos trabalhadores sem-terra têm sido sempre de natureza pacífica. Fazem ocupações em áreas improdutivas para chamar a atenção das autoridades sobre a necessidade da realização da reforma agrária. Ocuparam o edifício do Incra para mostrar que estava havendo uma demora no exame da liberação de recursos, que já haviam, em princípio, sido aprovados. Falta ainda a conclusão de um órgão técnico. Essa comissão agora vai se reunir na segunda-feira.

Mas, por que razão um economista do porte de Celso Furtado, há duas semanas, na Istoé, disse que considerava o Movimento dos Sem-terra o mais importante da história do movimento social neste País, neste século? Por que razão terá um antropólogo, do porte do Senador Darcy Ribeiro, dito aqui, no ano passado, que considerava o Movimento dos Sem-terra o mais importante da História do Brasil? Alguma coisa, certamente, há de importante e de sui generis nesse movimento, que guarda tamanha relevância, que fez com que Benedito Rui Barbosa, um dos principais autores de novela do Brasil, levasse para o ar uma história como "O Rei do Gado", que fez com que tantas pessoas pudessem até melhor compreender a importância do Movimento dos Sem-terra. Havia um personagem, que na novela faleceu na semana passada, um senador chamado Roberto Caxias, que teve o interesse de ir aos lugares onde estava havendo o problema da terra conversar com o Movimento dos Sem-terra, ao mesmo tempo em que foi sempre conversar com as autoridades, com o Presidente da República, com os ministros, procurando fazer o elo entre as partes. Não foi à toa que quando Benedito Rui Barbosa e Luís Fernando de Carvalho convidaram-me, na semana passada, para estar presente à cena do velório, eu aceitei, pois considero que foi realizado um trabalho sério, e eu poderia perfeitamente dar um depoimento sobre como seria bom se outros senadores e deputados se interessassem pela questão da terra, como fez aquele personagem. Nesse sentido é que saúdo o interesse de V. Exª, Senador Carlos Patrocínio, pela questão da terra. Assim o Congresso Nacional, com a contribuição de V. Exª e de todos os Senadores, pode fazer com que mais rapidamente haja um diálogo entre as partes, que não seja jamais interrompido, e que haja uma solução efetiva para o problema de justiça na estrutura fundiária brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/01/1997 - Página 3040