Discurso no Senado Federal

PREMENCIA DE MUDANÇAS NA POLITICA CAMBIAL. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O CRESCENTE DEFICIT EM CONTA CORRENTE DO BALANÇO DE PAGAMENTOS BRASILEIRO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREMENCIA DE MUDANÇAS NA POLITICA CAMBIAL. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O CRESCENTE DEFICIT EM CONTA CORRENTE DO BALANÇO DE PAGAMENTOS BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 28/01/1997 - Página 3177
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DESEQUILIBRIO, BALANÇO DE PAGAMENTOS, BRASIL, IDENTIFICAÇÃO, DEFICIT.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, APREENSÃO, DEMORA, CORREÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, DOLAR, RELAÇÃO, REAL, CRITICA, POSIÇÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, GOVERNO, EXCESSO, DEPENDENCIA, CAPITAL ESTRANGEIRO, RISCOS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso fazer uma advertência antes que ocorra um desastre.

Na sexta-feira, o Banco Central divulgou, pela primeira vez, os dados preliminares para o balanço de pagamentos de 1996. Os resultados confirmam que a questão do desequilíbrio externo constitui um problema grave. Não apenas por causa do déficit crescente da balança comercial, que já havia sido divulgado anteriormente, mas também em função da evolução adversa de outros componentes do balanço de pagamentos em conta corrente.

Embora a opinião pública e os meios de comunicação concentrem a sua atenção na balança comercial, os dados divulgados na sexta-feira pelo Banco Central mostram que o déficit comercial de US$5,5 bilhões respondeu por apenas 23% do desequilíbrio total no balanço de pagamentos em conta corrente. Sabemos agora que este último alcançou nada menos que US$24,3 bilhões em 1996, contra US$17,7 bilhões em 1995.

Ressalte-se que este resultado negativo em conta corrente superou por larga margem as previsões oficiais e até mesmo as projeções de analistas independentes, que vinham trabalhando até recentemente com um déficit da ordem de US$21 a 22 bilhões em 1996. O aumento de US$6,6 bilhões no déficit em conta corrente relativamente a 1995 deveu-se não apenas ao déficit maior do que o esperado na balança comercial, mas também à deterioração na balança de serviços e à queda no superávit com transferências unilaterais, que incluem, como se sabe, as remessas de imigrantes brasileiros.

No que diz respeito a serviços, cabe destacar duas rubricas. Primeiro, a despesa líquida de juros da dívida externa, que aumentou 21% em relação a 1995, passando de US$8,2 bilhões para US$9,8 bilhões. Segundo, as despesas líquidas com viagens internacionais, que aumentaram 49%, de US$2,4 bilhões em 1995 para US$3,6 bilhões em 1996. Não se deve perder de vista que a excessiva valorização do real em relação ao dólar e outras moedas estrangeiras, que vem contribuindo para sucessivos déficits na balança de comércio, contribui também para explicar os déficits crescentes com turismo, viagens internacionais, transportes e outros componentes da balança de serviços. A sobrevalorização do real ajuda também a explicar a queda nas transferências de imigrantes brasileiros que trabalham no exterior, como relatou a Folha de S. Paulo ontem, em matéria sobre a cidade de Governador Valadares.

É verdade que a conta de capitais do balanço de pagamentos continua apresentando bons resultados, como sempre destaca o Governo. O ingresso líquido de capitais foi suficiente para financiar o déficit em conta corrente e ainda permitiu uma ampliação das reservas internacionais do País. No conceito de caixa, que registra apenas haveres prontamente disponíveis, as reservas no Banco Central aumentaram de US$50,4 bilhões em dezembro de 1995 para US$59 bilhões em dezembro de 1996, segundo o documento divulgado na sexta-feira.

Não obstante, é um equívoco grave afirmar, como tem sido feito por integrantes da equipe econômica, que o resultado deficitário em conta corrente pode ser desprezado e que bastaria atentar para o resultado global de balanço de pagamentos. A teoria argumenta e a experiência confirma que a composição do balanço de pagamentos é de grande relevância. Permitir déficits elevados e crescentes em conta corrente pode ser a receita para um desastre.

O déficit em conta corrente mede a dependência de um país em relação ao ingresso líquido de capitais externos. O déficit corrente esperado para determinado ano, por exemplo, corresponde ao montante líquido de capitais que o pais precisa atrair para manter constante o seu nível de reservas internacionais.

Além disso, um déficit em conta corrente resulta necessariamente em aumento do passivo líquido de um país, uma vez que o seu financiamento implica absorver capitais externos - seja na forma de empréstimos e financiamentos, seja na forma de investimentos - ou reduzir as reservas internacionais ou outros ativos externos do país. Só nos últimos dois anos, o Brasil aumentou o seu passivo externo líquido em nada manos que US$42 bilhões. Naturalmente, esse aumento do endividamento tenderá a produzir aumentos nas despesas líquidas com juros e nas remessas de lucros e dividendos ao longo dos próximos anos, reforçando a tendência à ampliação do déficit em conta corrente.

O próprio Governo já admitiu que haverá novo aumento do déficit comercial e do déficit em conta corrente em 1997. É difícil fazer projeções, particularmente para a balança comercial. Mas, a julgar pelas tendências recentes, não se pode descartar que o déficit em conta corrente venha a se aproximar e talvez até ultrapassar os US$30 bilhões este ano. Neste caso, o Brasil terá acumulado, em apenas três anos, um passivo adicional de ordem de US$70 bilhões.

É decrescente o número de analistas que se anima a negar a seriedade do problema. Até mesmo economistas de destaque, como Eliana Cardoso e Edmar Bacha, que integraram recentemente a equipe econômica do Governo, já fazem críticas abertas à política cambial ou admitem a necessidade de mudanças. Em trabalho recente, Eliana Cardoso, que até há poucos meses chefiava a Secretaria de Assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, alertou para o fato de que "o uso prolongado da taxa de câmbio como uma âncora para reduzir a inflação colocou a economia em uma trajetória semelhante a do México". E acrescentou que "quanto mais se adiar a correção (da sobrevalorização) pior será o ajustamento postergado".

O Governo não pode continuar respondendo a essas e outras manifestações simplesmente com bravatas. Não deve insistir na tentativa de negar o óbvio e desqualificar as críticas como "politicamente motivadas", para usar expressão cara ao Ministro Malan.

Parecem cada vez menos convincentes os argumentos a que tem recorrido a equipe econômica do Governo para justificar a continuação da política cambial atual. O Governo alega que mudanças na política cambial trariam a inflação de volta. Mas, com a inflação muito baixa e a economia bem mais desindexada, torna-se agora possível corrigir preços relativos como a taxa de câmbio sem produzir necessariamente impacto duradouro sobre a taxa de inflação. Se for acompanhada de medidas no campo fiscal e monetário e realizada com cuidado, no momento apropriado, uma mudança cambial poderá contribuir para reforçar o processo de estabilização. Obviamente, há que se tomar o devido cuidado com a forma de realizar esse ajuste na política cambial.

Alega-se também que o câmbio estável estimula a modernização da economia e o aumento da produtividade. Mas a verdade é que a estabilidade cambial tem significado a criação de condições desiguais de competição para a indústria, a agricultura e outros setores da economia. A sobrevalorização cambial aumentou de forma drástica o custo de se produzir no Brasil, medido em dólares, prejudicando os setores que exportam e os que competem com importações.

O Governo ou pelo menos certos setores do Governo parecem depositar excessiva confiança na possibilidade de atrair em escala crescente os fluxos de capital estrangeiro em relação aos quais a nossa economia se tornou tão dependente. É uma temeridade. A história recente e remota, não só do Brasil, como de muitos outros países, está repleta de experiências de política econômica que fracassaram, com alto custo social em termos de recessão, desemprego e cortes salariais, por terem despendido em excesso da captação de recursos internacionais e do conseqüente aumento do endividamento do exterior.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores seria interessante que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, conforme recomendou em artigo recente, publicado na última quinta-feira na Folha de S.Paulo, lesse o livro que prefaciou do Professor Albert Hirschman, em que assinalava o risco em que poderiam incorrer algumas economias que não atentassem para os problemas de desequílibrio externo, o que atualmente vem caracterizando os números da economia brasileira.

Assim, Sr. Presidente, é preciso que o Governo veja a evolução das contas externas como um sinal de advertência. Pode-se ter o cuidado devido na forma de ajustar a política cambial, mas a teimosia não é boa conselheira nesta hora.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/01/1997 - Página 3177