Discurso no Senado Federal

SOLICITANDO A MESA QUE INGRESSE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM DENUNCIA DE CRIME DE RESPONSABILIDADE CONTRA O MINISTRO DA FAZENDA, SR. PEDRO MALAN, POR NÃO TER ENVIADO AO SENADO FEDERAL INFORMAÇÕES SOLICITADAS POR S.EXA., SOBRE EXPORTAÇÃO DE CIGARROS, COM O ARGUMENTO DE QUE AS INFORMAÇÕES ESTÃO PROTEGIDAS PELO SIGILO FISCAL.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • SOLICITANDO A MESA QUE INGRESSE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM DENUNCIA DE CRIME DE RESPONSABILIDADE CONTRA O MINISTRO DA FAZENDA, SR. PEDRO MALAN, POR NÃO TER ENVIADO AO SENADO FEDERAL INFORMAÇÕES SOLICITADAS POR S.EXA., SOBRE EXPORTAÇÃO DE CIGARROS, COM O ARGUMENTO DE QUE AS INFORMAÇÕES ESTÃO PROTEGIDAS PELO SIGILO FISCAL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 28/01/1997 - Página 3192
Assunto
Outros > MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, MESA DIRETORA, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, INGRESSO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DENUNCIA, CRIME DE RESPONSABILIDADE, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), RECUSA, ESCLARECIMENTOS, EXPORTAÇÃO, CIGARRO, MOTIVO, SIGILO, NATUREZA FISCAL.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, PROTEÇÃO, SONEGAÇÃO, CONTRABANDO, OPOSIÇÃO, FISCALIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para registrar a apresentação a V. Exª, Sr. Presidente, para a adoção de procedimentos cabíveis, a denúncia ao Senado e posteriormente à Câmara dos Deputados, conforme o previsto no art. 51, I, da Constituição Federal, contra o Sr. Ministro da Fazenda, Pedro Malan, pelo crime de responsabilidade, estabelecido no art. 50, § 2º, da Constituição.

Nos termos do art. 50, § 2º, Sr. Presidente, combinado com o art. 216 do Regimento Interno do Senado Federal, solicitamos à Mesa do nosso Senado que requeresse informações referentes à exportação de cigarros (doc. 1) ao Sr. Ministro da Fazenda.

A Mesa desta Casa, acolhendo o requerimento, enviou ao Titular da Pasta da Fazenda pedido de informações correspondente (doc. 2). Não obstante, S. Exª, o Sr. Ministro Pedro Malan, se recusou a prestar as informações solicitadas sob a alegação absurda de sigilo fiscal. (docs. 03, 04 e 05).

O art. 50, § 2º, da Constituição estabelece:

      "Art. 50.....................................

      ..............................................

      § 1º..........................................

      ...............................................

      § 2º As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informação a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não-atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas."

Portanto, o dispositivo em tela faculta às Mesas das duas Casas do Congresso Nacional enviarem pedidos de informações a Ministros de Estado e outras autoridades implicando a recusa, o não-atendimento em trinta dias e a prestação de informações falsas em crime de responsabilidade.

O Regimento Interno do Senado Federal estatui:

      "Art. 216. Os requerimentos de informações estão sujeitos às seguintes normas:

      I - serão admissíveis para esclarecimento de qualquer assunto submetido à apreciação do Senado ou atinente à sua competência fiscalizadora;

      II - não poderão conter pedido de providência, consulta, sugestão, conselho ou interrogação sobre o propósito da autoridade a quem se dirija;

      III - lidos na Hora do Expediente, serão despachados à Mesa para decisão;

      IV - se deferidos, serão solicitadas ao Ministro de Estado competente as informações requeridas, ficando interrompida a tramitação da matéria que se pretende esclarecer. Se indeferido, irá ao Arquivo, feita a comunicação ao Plenário.

      V - as informações recebidas, quando se destinarem à elucidação de matéria pertinente à proposição em curso no Senado, serão incorporadas ao respectivo processo.

      § 1º - Ao fim de trinta dias, quando não hajam sido prestadas as informações, o Senado reunir-se-á dentro de setenta e duas horas, para declarar a ocorrência do fato e adotar as providências decorrentes do disposto na Constituição, art. 50, § 2º.

      § 2º - Aplicam-se, no que couber, as disposições do parágrafo anterior ao caso de fornecimento de informações falsas."

Quanto ao cumprimento do previsto no inciso I do artigo em pauta pelo requerimento de que se cuida (doc. 1), anote-se que o assunto que é seu objeto diz respeito a comércio exterior, matéria da competência da União (v.g. art. 22, VIII, da CF). E as matérias da competência da União são da competência legislativa do Congresso Nacional (art. 48, caput, da CF).

Por outro lado, como é sabido, a competência fiscalizadora é simétrica à legislativa. Assim, se cabe ao Congresso Nacional legislar sobre as matérias da competência da União, é igualmente competência do Congresso Nacional fiscalizar as atividades da União relacionadas com tais matérias.

Além disso, o art. 174, caput, do Estatuto Supremo, preceitua que, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, entre outras, as atividades de fiscalização dessa atividade.

Sendo assim, o requisito exigido pelo inciso I do art. 216 do Regimento Interno do Senado Federal está atendido pelo Requerimento nº 998/96.

Ademais, conforme disposto nos incisos III e IV do mesmo art. 216, o requerimento de que se cuida foi acolhido pela Mesa do Senado e encaminhado ao Sr. Ministro da Fazenda (conforme Ofício 1.564/96 - SF - doc.02).

Destarte, uma vez que foi acolhido pela Mesa do Senado Federal, o requerimento em pauta deixou de ser do estrito interesse do seu autor, passando a ser do interesse da instituição e do seu poder fiscalizador, sendo a recusa em fornecer as informações solicitadas um desrespeito não ao Senador mas ao Poder Legislativo.

Por outro lado, o fundamento legal da recusa do Sr. Ministro da Fazenda em fornecer as informações requeridas não se sustenta. Segundo o Aviso nº 1.109/MF (doc. 03), aquela autoridade não pode prestá-las "tendo em vista tratar-se de matéria protegida pelo instituto do sigilo fiscal". De acordo com nota técnica anexa (doc. 05), tal impossibilidade decorreria dos arts. 198, parágrafo único, e 199 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional - CTN).

O art. 198, caput, do CTN, veda a divulgação por parte da Fazenda Pública de qualquer informação sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

Já o parágrafo único do mesmo artigo excetua da vedação as requisições judiciais e os casos de cooperação fiscal-tributária entre os entes estatais (art. 199).

Ocorre que as informações solicitadas não dizem respeito a matéria fiscal, uma vez que o que se pede são dados quantitativos referentes a determinado bem exportado - cigarros exportados por indústrias sediadas no Brasil para levantar o volume contrabando e da sonegação fiscal interna - dados esses que estão afetos a comércio exterior. Ao protegê-los, o Ministério da Fazenda está, na realidade, protegendo a sonegação e formando ao lado dos contrabandistas. 

Não obstante, mesmo que se conclua estarem tais informações protegidas por sigilo, ainda assim o Senhor Ministro da Fazenda não pode se negar a prestá-las ao Senado Federal. Deve, sim, ao fornecê-las, alertar para o fato de que tais informações estão protegidas por regras de sigilo, pois se determinadas informações prestadas estão protegidas por regras de sigilo, o próprio Regimento Interno do Senado tutela esses casos.

O seu art. 20 firma que não será lícito ao Senador ler da tribuna ou incluir em discurso, aparte ou em qualquer outra manifestação pública, documento de natureza sigilosa.

Já o art. 144 preceitua que não será lícito transcrever documento de natureza sigilosa nos pareceres das comissões, além de firmar outras regras para preservar o sigilo de documentos assim caracterizados.

Acresça-se, ainda, que comentadores autorizados do Código Tributário Nacional entendem que o sigilo presente nos arts. 198 e 199 não impedem o poder fiscalizador do Congresso Nacional. Nesse sentido, note-se a opinião do saudoso Aliomar Baleeiro, que, ainda sob o sistema constitucional anterior, prelecionava estar a autoridade fazendária sujeita a prestar informações às comissões parlamentares de inquérito.

Enfim, ante todo o exposto, impõe-se a conclusão de que o sistema constitucional inaugurado em 5 de outubro de 1988 não erige o sigilo fiscal em impedimento à ação fiscalizadora do Parlamento, antes favorece tal prerrogativa democrática, à medida em que ampliou o poder fiscalizador do Congresso Nacional.

Logo, sobressai que o Requerimento nº 998/96 está revestido de amplas constitucionalidade e legalidade, não sendo legítimo ao Sr. Ministro da Fazenda negar o fornecimento dessas informações ao Senado Federal sob o argumento de que se trata de matéria protegida pelo sigilo fiscal.

Assim procedendo, S. Exª incorreu em crime de responsabilidade, conforme previsto no § 2º do art. 50, in fine, do Estatuto Supremo.

Nesse sentido, o art. 51, I, da Constituição Federal dispõe: 

      "Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

      I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;"

Por seu turno, o art. 102, I, "c", da Carta Magna, estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, os Ministros de Estado, nos crimes de responsabilidade, excetuados os casos de conexão com crimes da mesma natureza praticados pelo Presidente da República.

De outra parte, o § 1º do art. 216 do Regimento Interno desta Casa preceitua que, quando não tenham sido prestadas as informações, o Senado deve reunir-se para adotar as providências decorrentes do disposto no art. 50, § 2º, do Estatuto Supremo.

Alegamos e anotamos ainda que o estabelecimento de sigilo - bancário ou fiscal - vem se tornando um verdadeiro álibi mediante o qual o Poder Executivo se nega a prestar informações que são fundamentais para que o Senado da República possa levar a contento sua missão constitucional de fiscalizar o Poder Executivo.

Esses são, Sr. Presidente, os termos do requerimento que apresento. Concluindo a presente justificação, solicito a V. Exª a adoção das medidas necessárias para que o Sr. Ministro da Fazenda, Pedro Malan, seja denunciado por crime de responsabilidade.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Roberto Requião?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Pois não, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Roberto Requião, há algum tempo o Ministro da Fazenda tem, repetidas vezes, negado informações quando Senadores apresentam requerimentos solicitando informações importantes para o esclarecimento de problemas. Tenho convicção de que o Ministro não cumpre o que está na Constituição. O eventual sigilo bancário, por exemplo, ou mesmo o sigilo fiscal, jamais poderia ser justificativa para negar informação aos Srs. Senadores com respeito a possíveis irregularidades; no entanto, volta e meia o Ministro da Fazenda tem respondido a requerimentos de informações dizendo que esse ou aquele quesito não pode ser respondido. Já houve aqui um precedente importante, quando o então Senador Jamil Haddad solicitou à Ministra Zélia Cardoso de Mello informações com respeito a quem, porventura, tivesse movimentado suas contas quando do lançamento do Plano Collor I, primeira medida do Presidente Fernando Collor e que se referia à quantia máxima que cada pessoa teria a possibilidade de movimentar. Interessou-se o Senador Jamil Haddad em saber se alguém teria tido informação prévia, realizando, assim, movimentações muito significativas; por isso fez o requerimento, algo mais do que legítimo. A Ministra Zélia negou-se a dar a informação, e o Senador Jamil Haddad procedeu, na ocasião, de forma semelhante à de V. Exª. Diante da ameaça de ser processada por crime de responsabilidade, a Ministra encaminhou os documentos, que estão até hoje guardados no cofre do Senado Federal, e colocou-as à disposição do então Senador Jamil Haddad e demais Senadores. Portanto, se um Senador está solicitando uma informação séria e importante para desvendar possível irregularidade cometida, cabe ao Ministro da Fazenda responder constitucionalmente. Caso aquela informação esteja de alguma forma sob o resguardo de sigilo previsto na Constituição, no meu entendimento, que acredito seja também o de V. Exª, a responsabilidade passa a caber também ao Senador, mas ele tem direito à informação. Já reclamamos, eu próprio já reclamei, à Mesa por causa da atitude do Ministro da Fazenda, porque avaliava e avalio que deve a Presidência do Senado reiterar o pedido de informação e o Ministro responder. Essa questão, entretanto, está até hoje no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça para um esclarecimento definitivo. Portanto, avalio que a atitude que V. Exª está tomando poderá implicar uma nova atitude por parte do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e de outros Ministros que têm se recusado a prestar devidamente as informações. Apóio a iniciativa de V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senador Suplicy, na realidade, estou estabelecendo o jogo da verdade. Quero saber se tenho um mandato por inteiro ou se este é um Senado pela metade. Parece que, pela exposição que V. Exª fez nesse aparte que lhe concedi, na época do Collor, os Ministros eram mais afeitos a atender pedidos do Senado porque se intimidavam com ameaças de enquadramento por crime de responsabilidade. O Ministro Malan não se incomoda com as ameaças e sequer atende telefonemas.

Estou tentando instrumentar-me para instruir um projeto que colocará fim à sonegação de impostos pelas fábricas de cigarro e ao contrabando simulado ou não. Esse projeto é de grande interesse para o Erário Nacional.

Mas, ao que parece, se, por um lado, essa negativa dos Ministros estabelece, como diriam os romanistas, uma capitis diminutio média para o Senado da República, por outro lado, há medidas provisórias, que são as capitis diminutio máximas para o Congresso Nacional.

Coloco o meu requerimento nas mãos da Presidência do Senado da República no momento em que o Governo quer votar a reeleição, negociando cargos e ameaçando o cancelamento de favores a determinados Parlamentares, favores estes que nunca deveriam ter sido concedidos. O Governo ainda pretende, para tornar o absurdo mais claro e mais terrível, que a Câmara dos Deputados vote aberta e nominalmente.

O Congresso Nacional passa por um momento difícil. Estamos no fim da República e no início de um Governo imperial no Brasil, o qual pretende suceder-se e defende não o instituto da reeleição ou da recandidatura, mas o direito da continuidade, porque os Partidos que votarem a reeleição nos termos postos hoje estarão abdicando inclusive da democracia interna. O PFL não poderá mais discutir a possibilidade de lançar um candidato alternativo. Vale o mesmo para o PMDB ou para o PSDB, porque eles estão votando de forma compulsiva, irregular e absurda a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso: "Fernando II", o imperador único e exclusivo do Brasil neste momento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/01/1997 - Página 3192