Discurso no Senado Federal

RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES AO MINISTRO DO PLANEJAMENTO, ACERCA DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS ENVIADOS A ESTADOS E MUNICIPIOS AFETADOS PELAS ULTIMAS ENCHENTES. GRAVIDADE DO CONFLITO ENTRE FAZENDEIROS E SEM-TERRA EM PARANAPANEMA - SP. REFORMA AGRARIA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. REFORMA AGRARIA.:
  • RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES AO MINISTRO DO PLANEJAMENTO, ACERCA DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS ENVIADOS A ESTADOS E MUNICIPIOS AFETADOS PELAS ULTIMAS ENCHENTES. GRAVIDADE DO CONFLITO ENTRE FAZENDEIROS E SEM-TERRA EM PARANAPANEMA - SP. REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Lauro Campos, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/1997 - Página 3281
Assunto
Outros > MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, ENDEREÇAMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, ASSISTENCIA, GOVERNO, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, VALE DO RIBEIRA, MOTIVO, OCORRENCIA, INUNDAÇÃO, REGIÃO.
  • AGRAVAÇÃO, CONFLITO, FAZENDEIRO, SEM-TERRA, POSSE, TERRAS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), APREENSÃO, AUMENTO, UTILIZAÇÃO, ARMAMENTO, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou tratar de dois assuntos. O primeiro diz respeito a um requerimento de informações sobre a assistência do Governo Federal aos Municípios do Vale do Ribeira do Iguape atingidos por enchentes em 1995 e, neste ano, por uma enchente duas vezes mais grave do que a anterior.

Apresento o seguinte requerimento de informação:

"Requeiro, nos termos do art. 49, inciso X, e artigo 50 da Constituição Federal, combinados com o art. 216 do Regimento Interno do Senado Federal, sejam solicitadas ao Ministro do Planejamento as seguintes informações:

1. Quais os critérios adotados por esse Ministério para liberação de recursos, a Estados e Municípios, que devem ser aplicados na recuperação de áreas afetadas por enchentes, trombas d´água e outros desastres naturais?

2. Listar os Estados e Municípios que receberam recursos desse Ministério em 1995, 1996 e 1997, destinados ao controle de enchentes e recuperação de vales e cidades. Detalhar a data da liberação dos recursos, bem como o seu montante.

3. Listar os Estados e Municípios que receberam recursos desse Ministério em 1995, 1996 e 1997, destinados a atender as pessoas atingidas por enchentes, no que concerne ao fornecimento de alimentos, fornecimento de remédios e assistência à saúde, reconstrução de moradias, construção e recuperação de infra-estrutura urbana e rural. Detalhar a data da liberação dos recursos, bem como o seu montante.

4. Por quais razões os municípios do Vale do Ribeira do Iguape, no Estado de São Paulo, a saber, Itapirapuã Paulista, Ribeiro, Eldorado, Iguape, Registro, Sete Barras, Guapiara, Iporanga, Juquiá, Apiaí, Nova Campinas, Itaoca, Itapeva, Barra do Chapéu e Barra do Turvo, todos fortemente atingidos pela enchente de 1995, que haviam solicitado a liberação de recursos para a recuperação de infra-estrutura na região e obras de prevenção contra enchentes, não foram atendidos até o presente momento?

5. Que providências está o Ministério do Planejamento e a Secretaria Especial de Política Regional adotando com respeito às conseqüências das enchentes de janeiro de 1997, que são ainda mais graves do que as de 1995?

JUSTIFICATIVA

Neste final de semana, estive nos Municípios do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo, que, nos últimos dias, sofreu os efeitos de extraordinária enchente. Em muitas cidades o nível das águas atingiu o telhado das casas. Plantações inteiras estão perdidas. Existem mais de 13.500 pessoas desabrigadas. Diversas áreas encontram-se totalmente ilhadas, sem possibilidade de comunicação.

No Município de Registro, quase a metade da cidade estava sob as águas. A Cidade de Eldorado teve 70% de sua área submersa. Seu hospital ficou com a estrutura abalada, diversos equipamentos foram totalmente destruídos, na sala de cirurgia houve um deslocamento do chão.

O Vale do Ribeira compõe-se de quinze Municípios, a saber: Itapirapuã Paulista, Ribeiro, Eldorado, Iguape, Registro, Sete Barras, Guapiara, Iporanga, Juquiá, Apiaí, Nova Campinas, Itaoca, Itapeva, Barra do Chapéu e Barra do Turvo, todos fortemente atingidos pela última enchente.

Desde a inundação de 1995, causadora de inúmeros estragos, que, juntamente com os Prefeitos Donizete Antonio de Oliveira (Eldorado); Larry Sanches (Jacupiranga); Luiz Antonio Dias Batista (Ribeira); Sebastião José Cardoso e Miyoji Kayo (Miracatu), fomos recebidos em audiência pelo então Ministro José Serra e pelo Dr. Cícero Lucena, Secretário Especial de Política Regional, para tratar da liberação de recursos para execução das obras de prevenção de enchentes do Rio Ribeira do Iguape.

Encaminhei, em 19 de junho de 1996, cópia de ofício de autoria do Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira - Codivar, que solicitava sua interveniência para agilizar a assinatura de convênios com os Municípios de Eldorado, Ribeira, Jacupiranga, Miracatu e Pedro de Toledo. A documentação dos referidos Municípios já se encontrava no Ministério do Planejamento e os recursos solicitados seriam aplicados nas obras de prevenção das enchentes do Rio Ribeira do Iguape.

Em 27 de janeiro de 1997, o Ministro Secretário Especial de Política Regional, Fernando Catão, informou-me que, de fato, até hoje não foram liberados, para a região, os recursos anteriormente solicitados. Os novos prefeitos, que assumiram seus mandatos no início do ano, gostariam de saber que procedimentos devem adotar para que o Ministério do Planejamento os auxilie na adoção das providências necessárias à recuperação de pelo menos vinte pontes, das lavouras de bananas e outras culturas, bem como de tantos outros estragos.

Considerando a gravidade do problema das enchentes que seguidamente vem ocorrendo no Vale do Ribeira, as informações aqui solicitadas visam possibilitar a adoção de políticas para a região.*

Sr. Presidente, eu gostaria também de tratar da situação grave que ocorre no Pontal do Paranapanema, onde aumenta o grau de tensão entre trabalhadores e fazendeiros.

O jornal O Estado de S.Paulo de hoje noticia a situação ocorrida na fazenda do Sr. Guilherme Coimbra Prata, proprietário da fazenda e Vice-Presidente da União Democrática Ruralista do Pontal:

      Num dos mais graves confrontos já registrados naquela região, cerca de 200 sem-terra que tentaram invadir a Fazenda Concórdia, em Tarabaí, às 6 horas de ontem, foram rechaçados a tiros por cerca de 20 seguranças da propriedade. Durante cerca de 10 minutos, foram disparados mais de 200 tiros, conforme cálculos do delegado de polícia Adalberto Gonini Júnior. Os ocupantes tiveram de rolar por um barranco de 15 metros, abandonando todos os seus pertences na área.

      O fazendeiro Guilherme Coimbra Prata, dono da fazenda e Vice-Presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Pontal, comandou a ação. Ele admitiu que atirou para matar. "Só não acertei porque sou muito ruim de tiro, mas agora vou treinar e da próxima vez não erro", disse, quando os invasores já caminhavam para o trevo de acesso da rodovia Assis Chateaubriand e a ligação com Narandiba, onde montaram acampamento, prometendo voltar a invadir a fazenda.

      Pela primeira vez no Pontal, a invasão foi organizada em conjunto pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A maioria dos trabalhadores foi arregimentada pelo Líder da CPT na região, João Mendes. A ocupação foi liderada pelos dirigentes do MST, Valter Gomes, Cláudio Cane e Valmir Chagas.

      Antes de invadir a fazenda Concórdia, os sem-terra entraram, por engano, no sítio GBS, pertencente a Guilherme Brandino de Souza. Constatado o erro, atravessaram o Ribeirão Laranjeiras, que separa as duas propriedades, e já começavam a montar o primeiro barraco quando os seguranças apareceram atirando.

      Segundo o fazendeiro, 20 pessoas participaram da repressão aos sem-terra. "São todos parentes, amigos e empregados", disse, garantindo que foram usadas exclusivamente armas registradas. Mas o delegado de Tarabaí disse que foram apreendidos 3 rifles Puma, calibre 38, dois revólveres 38 e uma espingarda calibre 12, encaminhados para perícia técnica.

      O coordenador da CPT disse que o sem-terra Nestor Correia dos Santos foi ferido por um dos disparos feitos pelos seguranças. Santos disse que foi atingido na coxa esquerda, mas a calça não chegou a rasgar. Ainda assim, foi encaminhado para exame médico.

      Os sem-terra deixaram os limites da propriedade invadida, mas continuam na frente da fazenda Concórdia, na parte pertencente a Orivaldo Coimbra, integrante da mesma família. O genro do proprietário, Felipe Libório, disse que ontem mesmo entraria com ação de interdito proibitório na Justiça para tentar retirar os acampados daquele local.

Hoje, pela rádio CBN, José Rainha Júnior, do Movimento dos Sem-Terra, afirmou que, junto à estrada onde estavam acampados os trabalhadores, os que estavam nessa fazenda e que ontem expulsaram com tiros os ocupantes, desta vez resolveram expulsar os trabalhadores acampados não dentro da fazenda, mas na estrada. Na noite de hoje, incendiaram as barracas de lona, causando pânico, e as famílias saíram em corrida.

A nota divulgada ontem pelo Movimento dos Sem-Terra informou que se está tentando impedir acampamentos nas rodovias.

Em Presidente Prudente, as 400 famílias que ocuparam a Fazenda São Luiz foram despejadas na sexta-feira à noite. A polícia, durante os dias da ocupação, impediu o acesso dos trabalhadores ao local e, após o despejo, impediu as famílias de montarem acampamento na rodovia. Estão agora acampadas no Distrito de Eneida, em Presidente Prudente.

Em Santo Anastácio, as 520 famílias que ocuparam a Fazenda Santa Terezinha também foram despejadas na sexta-feira e montaram acampamento na rodovia que liga Mirante do Paranapanema a Santo Anastácio.

Em Narandiba, na madrugada de ontem, 300 famílias tentaram ocupar a Fazenda Concórdia e foram recebidas a tiros por um grupo de 20 a 30 pistoleiros, armados com carabinas, metralhadoras e fuzis. Neste momento, estão montando acampamento na rodovia que liga Presidente Prudente, São Paulo, ao Paraná, numa situação muito tensa, porque, segundo o MST, os pistoleiros estão tentando impedir que as famílias acampem ali. E, de fato, isso ocorreu na noite de hoje.

Até estava dialogando com o Senador Romeu Tuma sobre como o fazendeiro Renato Prata, com um rifle na mão, atirar e depois dizer que o fez para matar: "só não acertei, porque sou muito ruim de tiro, mas agora vou treinar e, da próxima vez, não erro".

O que diz o Código Civil a respeito dessa situação? O art. 502 do Código Civil trata da legítima defesa da posse pelos próprios meios.

Quando o proprietário de uma residência, de um imóvel ou de uma fazenda nota que há pessoas adentrando na propriedade, que tipo de atitude pode tomar? Quais são os diversos casos? Se estão entrando pessoas desarmadas, outras podem usar de arma, apontar e atirar para matar, como se configurou a situação na data de ontem?

O art. 589, inciso III, do Código Civil trata da perda da propriedade de imóvel rural em favor do Estado, se o imóvel estiver abandonado há mais de três anos. Portanto, se há uma propriedade especialmente que esteja improdutiva, que esteja com abandono relativo ou intenso por parte do proprietário, ali já se configura uma situação que não é da propriedade que está bem cuidada, da propriedade que esteja cumprindo a sua função social de acordo com o previsto na Constituição.

Pode ter ocorrido crime no caso da atitude do fazendeiro. Se não havia porte regular das armas pelo proprietário da fazenda e pelos demais pistoleiros contratados, que devem ser obrigatoriamente empregados fichados, pode haver enquadramento como crime de incitação, segundo o art. 286 do Código Penal e de formação de quadrilha, segundo o art. 288 do mesmo diploma legal. Também não pode estar havendo por parte do fazendeiro Prata incitação ao crime ou apologia do crime, e é preciso que isso seja bem levado em conta.

O art. 502 do Código Civil diz:

      Art. 502."O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo".

Diz o parágrafo único:

      "Os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse".

Acredito que o Senador Romeu Tuma, tendo sido Diretor da Polícia Federal, tenha grande experiência no assunto. Também convidaria o Senador Lauro Campos, por sua formação como advogado, para esclarecer melhor essa situação.

Mas, antes, eu gostaria de ler o art. 589, que se refere à perda da propriedade de imóvel:

      Art. 589. "Além das causas de extinção consideradas neste Código, também se perde a propriedade imóvel:

      I - Pela alienação.

      II - Pela renúncia.

      III - Pelo abandono.

      IV - Pelo perecimento do imóvel".

      Diz o inciso b: "Três anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona rural".

Essa reflexão é importante para todos os fazendeiros, ainda mais diante do que vimos no sul do Pará, na Fazenda Santa Clara. Três trabalhadores sem-terra haviam adentrado numa fazenda com seus facões, porque tinham ouvido falar que ali poderia haver uma divisão de lotes e acabaram sendo vítimas de uma emboscada, sendo brutalmente mortos com dezenas de balas que perfuraram seus corpos por pistoleiros contratados que depois se evadiram.

Mas há uma diferença no caso desse fazendeiro, Guilherme Coimbra Prata, que ali está com o seu rifle, dizendo abertamente que usou o rifle, que tentou atirar para matar e que da próxima vez inclusive o fará. Mas pelo menos não se evadiu do local, como ocorreu no sul do Pará, onde os pistoleiros se foram da fazenda e nem explicações deram.

Acredito que seja muito importante que todos nós realizemos um esforço para que a situação da estrutura fundiária, tão injusta no País, seja resolvida rapidamente e de forma pacífica. Gostaria que não houvesse armas de um lado e de outro.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª sabe do respeito que tenho por sua pessoa, a quem tenho cumprimentado pela permanente presença nos locais de conflitos. E falava eu a V. Exª que deveríamos ter uma comissão que não estivesse sempre a reboque dos acontecimentos, mas que tivesse a iniciativa de procurar saber realmente o que acontece no campo e talvez trazer a este Plenário algumas definições de comportamento das autoridades. V. Exª leu alguns textos legais que isoladamente têm um aspecto que deixa dúvida quanto ao comportamento do proprietário da terra. O artigo que V. Exª leu do Código Civil é muito claro, quando diz que o cidadão tem direito de usar de todos os recursos para garantir a sua posse. Então, provavelmente, o clima que existe, em decorrência de várias invasões, expulsões, mortes, que o noticiário traz do contexto social, acaba se transferindo para todos os proprietários e todos aqueles que têm esperança de um dia ter um pedaço de terra para poder produzir, cultivar o que necessitam para a sua alimentação. Então, ele teve um gesto que ultrapassa talvez o limite do necessário para garantir a sua posse, mas com o aspecto de uma ameaça, para que não volte a tentativa de invasão. E ainda esta semana, conversando com o Secretário de Justiça de São Paulo, ele estava preocupado porque prenderam dois sem-terras armados no Pontal, então V. Exª tem razão quando diz que o conflito vem alcançando uma posição que poderá ser irreversível. E tudo isso acontece por quê? Provavelmente pela falta de presença do Estado, onde há aqueles que querem garantir o seu patrimônio, e os outros, na expectativa de uma demora de solução, tentam conquistar com a sua própria força. Fizemos aqui, e foi aprovado, um projeto de controle de armas. Se analisarmos a posse ou o porte dessas armas, talvez se caia numa contravenção penal. Não sei se caracterizaria bando ou quadrilha, porque não podemos analisar os artigos do Código sem um inquérito policial.

O inquérito tem que ser aberto para apurar-se o comportamento do proprietário, verificar se ele ultrapassou os limites permitidos no caso de esbulho, quando o proprietário pode reagir de imediato, ou seja, logo após a invasão, para garantir ou reaver seu patrimônio. V. Exª tem razão: o Estado tem que intervir. V. Exª assistiu comigo, no Palácio do Governo de São Paulo, a uma exposição do Governador Mario Covas sobre os assentamentos e as soluções que vem tentando dar à questão do Pontal do Paranapanema, questão essa que tem quase meio século. São terras devolutas e, portanto, de propriedade do estado, que tem, por sua vez, que arrumar recursos para garantir o ressarcimento dos investimentos. Deve existir uma contabilidade da qual conste o fruto que essa terra já deu, fruto esse que tem que ser descontado. É uma questão que a Justiça está disposta a, em curto tempo - já falei com o antigo Presidente do Tribunal - resolver, desde que sejam alocados os recursos. Trata-se de um assunto delicado. Talvez se possa acusar os involvidos, porque, é certo, houve excesso, mas não se pode julgar sem que haja uma apuração regular pela autoridade competente. E Até agora não vi qualquer manifestação a respeito.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte. O Senador Romeu Tuma fez uma reflexão no sentido de tentar regularizar a situação e evitar o confronto permanente e o uso de armas de fogo. É positivo, portanto, o projeto de lei aprovado há pouco no Senado - com a colaboração de V. Exª - que considera crime o porte ilegal de armas.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª me permite um aditamento?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Romeu Tuma - Nobre Senador, o Senador Ademir Andrade abordou da tribuna o problema da operação desarmamento, operação essa que para mim é uma interrogação. A que título vão desarmar aqueles que podem no dia seguinte comprar com facilidade outra arma? Não há uma imposição legal que os impeça de fazer uso dessa arma. O porte ilegal é apenas uma contravenção. Não é crime. O contraventor não responde a processo nenhum. Isso já justifica a necessidade de a nova lei ser aprovada o quanto antes. Se a lei estivesse em vigor, esse cidadão provavelmente não exibiria essa arma. Ela teria de estar regularizada, se quisesse o proprietário dessa terra utilizar dos meios legais para intimidar os invasores e evitar a invasão. O confronto tem sido freqüente e, como noticia a imprensa, as pessoas têm medo. Não há harmonia nas discussões que são travadas durante o processo dessa reforma. Já fiz um apelo para que o Ministro da Reforma Agrária seja apoiado, a fim de que coloque em prática a reforma agrária, sem ter que se preocupar com a apuração de crimes, porque isso não é de sua responsabilidade.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Romeu Tuma, V. Exª mencionou o episódio da prisão de trabalhadores do MST ocorrido na sexta-feira. Eu gostaria de oferecer algumas informações. Segundo a coordenação do MST, naquele dia, à tarde, foi preso Clédison Mendes, que se dirigia ao acampamento dos trabalhadores no Distrito de Eneida, em Presidente Prudente.

No caminho, Clédison ofereceu carona a um senhor que, infelizmente, tinha em sua bolsa um revólver. No carro, havia também uma filmadora pertencente a uma professora do MST. Clédison e a pessoa que com ele pegou carona ficaram presos em Presidente Prudente, e, até agora, a Juíza não estabeleceu sequer a fiança para que os mesmos possam responder em liberdade às acusações a eles imputadas. Provavelmente exigiram que a pessoa que estava de posse da filmadora e de um outro aparelho eletrônico apresentasse as notas fiscais desses produtos. Essa pessoa não estava com as notas fiscais e, com isso, estão todos presos até hoje. Até agora, não há notícias de que algum fazendeiro que porventura tenha comprado algum aparelho eletrônico ou celular no Paraguai tivesse ficado preso por tanto tempo, sem que pelo menos tivesse sido estabelecida uma fiança.

Faço um apelo para que a Juíza tenha consideração com o caso. Entretanto, recomendo, como sempre faço, aos membros do MST que, sobretudo nesta hora, não estejam portando armas, porque isso vai acabar sendo contra o movimento.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me concede um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Quero congratular-me com V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy, por estar abordando tema que é preocupação permanente de V. Exª e de todos os brasileiros conscientes. De início, gostaria de lembrar que, dos recursos destinados pelo Orçamento do ano passado para a reforma agrária, apenas 11% foram utilizados. Oitenta e nove por cento, portanto, dos recursos destinados à reforma agrária permaneceram intocados, o que mostra, obviamente, que, apesar das novelas, apesar das conversas, apesar das promessas e das juras de "tudo pelo social", realmente o Governo não tem vontade política ou pelo menos ainda não a demonstrou. Talvez, quem sabe, no próximo mandato? Neste atual, não demonstrou nenhuma vontade política de fazer uma reforma agrária. O que sabemos é que neste País de 8.500 mil quilômetros quadrados deveria haver terra abundante para aqueles que nela quisessem trabalhar. O que nós pudemos fazer, modestamente, nestes dois anos de mandato, foi modificar o art. 589, que trata em seu item 3º dos imóveis abandonados. O prazo que o Governo João Baptista Figueiredo determinava para considerar-se perda da propriedade, para considerar-se uma terra abandonada, era de três anos. Nós, nesse nosso projeto, pretendemos reduzi-lo para dois. Se por dois anos a terra não for utilizada, ela será considerada abandonada e, portanto, destinável à reforma agrária, tal como as terras devolutas que ainda existem em grande quantidade neste País. Mas nós sabemos que existe uma indústria da reforma agrária: aqueles que adquirem a propriedade de uma fazenda por x e a revendem para a reforma agrária por 10x. Essa máfia que há muito tempo vive no Brasil fazendo essa mediação altamente rentável das terras adquiridas pelo Governo para fim de reforma agrária obviamente dificulta o andamento do processo. O que me parece é que esse fazendeiro Prata, com o seu capanga - pois que ele não estava sozinho - enquanto ele exibia uma espingarda, o capanga exibia um revólver, dizendo que já havia, portanto, praticado a tentativa de homicídio, vez que sua vontade manifesta era realmente a de matar; todavia, essa ameaça foi feita sem que qualquer trabalhador sem terra tivesse colocado os pés em sua sacrossanta propriedade privada. Sabemos muito bem que, se formos a um país como a Áustria - há cerca de cinco anos percorri aquele país inteiro -, não veremos a afamada cerca nem o muro - muro e cercas esses especialmente do gosto lusitano. E, de outra parte, essa nossa propriedade privada é ainda a propriedade privada dos romanos - jus tendi, abutendi et fruendi -, consubstanciada no direito de ter, de abusar e de dispor como quiser, independentemente do interesse social. Portanto, o conflito instalado no Brasil é de natureza cultural. Opõem-se àqueles que têm respeito pela vida aqueles que respeitam apenas a coisa, o capital, quer este se chame terra, quer se chame máquina, quer se chame dinheiro. De um lado, estão aqueles preocupados com a vida humana, com seu crescimento, com seu florescimento e com a sua proteção; de outro, as forças conservadoras e reacionárias, que estão diante da propriedade e de sua conservação tal como ela é, enquanto nós outros, modestamente, colocamo-nos a serviço da vida, convencidos que estamos, há muito tempo, de que não é possível maximizar o lucro e, ao mesmo tempo, a vida. Quando se maximiza o lucro se minimiza a vida e a natureza. Diante disso, sabemos muito bem que esses elementos culturais determinam o nosso comportamento individual. Antes de me mudar para a área de 20 mil m², onde resido hoje, nunca, em toda a minha vida, havia possuído um revólver e, muito menos, dado um tiro, embora, por várias vezes, tivesse sido ameaçado de morte. Mas tive que comprar uma arma após oito tentativas de furto em minha residência. E, por essa razão, comecei a meditar qual seria a minha atitude se, novamente, entrasse ali um ladrão para furtar. Sei que o Direito me concede a prerrogativa plena de matar quem penetra na minha propriedade ou ameaça a minha vida. A vida e a propriedade ameaçadas podem ter como resposta o assassinato do agressor, sem que isso constitua crime. Não há, portanto, uma figura que retire o caráter criminoso desse revide. Mas, como dizia, pensava comigo: se um ladrão entrar na minha residência, teria coragem, embora acobertado pela lei, de tirar a vida desse ser humano? Cheguei à conclusão de que eu ainda não tinha a brutalidade que a atualidade nos empresta. De modo que, durante muito tempo, estive convencido de que eu não seria capaz de defender nem a mim nem a minha propriedade. Mais tarde, pensando nas conseqüências com relação a minha família, mudei de opinião. A agressividade social é tão grande que, diante dela, também nos tornamos fera e, então, passamos a considerar natural e normal atirar naqueles que ameaçam nossa propriedade e nossa vida. Infelizmente, nossa cultura, essa cultura da barbárie, nos leva a esses episódios tão freqüentes. Mil e trezentos trabalhadores sem terra já foram assassinados, contudo, apenas um assassino foi processado e julgado neste País. Obviamente, não me refiro aos dois Mendes que mataram nosso grande seringueiro Chico Mendes; pai e filho que fugiram da cadeia depois da condenação. Apesar de esse assassinato ter provocado uma reação mundial, a nossa Justiça não pôde ser exercida. Senador Eduardo Suplicy, parabenizo V. Exª por este pronunciamento. Realmente, esses dois indivíduos ameaçaram de morte, atiraram sem que tivesse havido uma real invasão de qualquer terra. Os integrantes do Movimento dos Sem-Terra se encontravam desarmados e fora de sua propriedade. É necessário seguir a opinião do nobre Senador Romeu Tuma e propor que se abra um inquérito para apurar as responsabilidades do fazendeiro e de seu capataz. Ambos, armados e valentes, estavam prontos para, antecipadamente, sem que houvesse qualquer ameaça, agirem contra a vida dos trabalhadores sem terra que se encontravam nas proximidades de sua sacrossanta propriedade. Esse fazendeiro é vice-presidente da UDR, portanto, age - como se viu - de acordo com a classe a que pertence.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço ao Senador Lauro Campos por essa reflexão feita, inclusive, com profundidade, ao abordar a hipótese de ocorrer uma invasão de sua própria residência.

É muito importante que venhamos a criar, no Brasil, uma situação em que pessoas não estejam tão destituídas dos seus direitos à cidadania, sem verem outra alternativa, senão a de realizar ocupações. Pois, nessa situação procuram adentrar propriedades para obterem aquilo que não conseguem na sua atividade normal, dado o grau de desemprego, dada a estrutura tão iníqua existente no País, particularmente no que diz respeito à estrutura fundiária. Dois vírgula seis por cento dos maiores proprietários detêm praticamente 58% dos imóveis rurais no País. Isso denota a necessidade premente, urgente, de os Governos estaduais e federal acelerarem os assentamentos e a realização da reforma agrária. Essa, sim, será a melhor forma de resolvermos a inquietação no campo hoje, no Brasil.

Ficam as recomendações de V. Exª, inclusive aos membros da UDR, porque esse tipo de atitude, de bravatas, com armas nas mãos, não conduzirá a uma solução adequada e de justiça para o nosso País.

Sr. Presidente, requeiro ainda, como complementação da primeira parte de meu pronunciamento, que seja anexado o balanço da situação no Vale do Ribeira, de hoje, 28 de janeiro de 1997, encaminhado pelo gabinete do Governador de São Paulo, da Casa Militar e da Coordenadoria Estadual da Defesa Civil em que são listadas todas as observações sobre os danos causados em cada um dos municípios do Vale do Ribeira. Isso servirá de subsídio para que o Ministro do Planejamento tenha melhor noção sobre os estragos ocorridos na região.

Gostaria que esse balanço fosse anexado ao requerimento enviado ao Ministro do Planejamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/1997 - Página 3281