Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR E ACADEMICO ANTONIO CALLADO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ESCRITOR E ACADEMICO ANTONIO CALLADO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Gilvam Borges.
Publicação
Publicação no DSF de 30/01/1997 - Página 3411
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO CALLADO, ESCRITOR, JORNALISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, morre o romancista Antônio Callado. Sua mente criativa e brilhante recosta, cansada e satisfeita, à máquina de escrever, à pena, às folhas, e se recolhe consolidada. Como uma dádiva, que só os corações generosos podem ofertar, nos deixa uma obra literária ímpar, cuja expressão extrapola os limites do imaginário das fronteiras do País. E, para o nosso deleite, permanecerá imortal, como imortal é o seu nome: Antônio Callado.

Morre o homem Antônio Callado. O pai, o esposo, parte. E bem assim partiremos todos, seres transitórios que somos. Mas alguns, alguns poucos privilegiados deixam sua marca indelével no mundo, nas grandes e nas pequenas coisas, aquelas que compõem o cotidiano, transformando-o em algo tão aconchegante como um carinho.

As lágrimas derramadas pela dor da perda de um ente querido se transformam, então, em vívidas rosas, cujo buquê, de fragância distinta, aviva-nos na memória, que não conhece o tempo, o brilho dos olhos, o timbre da voz, a magia dos movimentos, o ser por inteiro; existindo, pousará sempre em nós, em algum lugar entre o coração e a alma.

Morre o jornalista e cidadão Antônio Callado, mas seu trabalho à frente dos melhores órgãos de imprensa do Brasil permanecerá para sempre como registro histórico de momentos que o mundo jamais esquecerá, como a Segunda Guerra Mundial, onde foi correspondente.

Tão bem-aventurado era o espírito desse jornalista poeta que foi ali, em meio aos bombardeios e aos horrores da guerra, que despertou para o fascínio do teatro, se desdobrando e se rendendo à arte dos palcos que o acompanhou por toda a vida.

Morre Antônio Callado. Mas, múltiplo que era, prismático, reluzente, multicolor, permanece a obra do escritor, do poeta, do jornalista, do ensaísta, como um legado de esperança e força às nossas mentes e aos nossos corações.

Antônio Callado, filho, irmão e menino. Nasceu no início do século, em Niterói. Sua infância transcorreu à sombra de mangueiras e goiabeiras. Cresceu aos olhos do pai, Dario, médico, amante de sonetos e colecionador voraz de obras parnasianas. Cresceu sob os cuidados da mãe, Edite, professora, atenta à educação do único filho homem. Antônio Callado, ainda menino e já escritor de poemas e contos. Fadas madrinhas, dragões e destino, unidos numa promessa de amanhã límpido e repleto de realizações. Antônio Callado: promessa consolidada.

Morre cidadão, democrata, brasileiro que lutou contra a ditadura e foi preso; patriota que não fugiu à luta, que nunca temeu a própria morte; alma sagrada contra a luta e a injustiça, independente, doce, grande e benevolente.

Doce radical, como disse Hélio Pelegrino. Único inglês da vida real, como disse Nélson Rodrigues. Figura humana superior, extraordinária, fazemos questão de dizer, todos nós.

Morre Antônio Callado! Viva para sempre Antônio, aquele cujas múltiplas vozes jamais calou!

Como Senadora pelo Estado do Rio de Janeiro, não poderia deixar de prestar esta homenagem a quem contribuiu para a democracia e para cultura deste País, a quem fala à alma de todos nós.

Um poeta é sempre um poeta. E ele não morre nunca, porque certamente estamos, a cada instante de nossas vidas, repetindo, imitando sua prática cotidiana.

Aquele homem simples, nascido em Niterói, em 26 de janeiro de 1917, único filho homem entre quatro, cresceu numa chácara ao lado da família. Órfão de pai aos 11 anos de idade, já aos 13 escrevia contos e poemas. Seu primeiro conto publicado foi no Jornal do Brasil. Formou-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão. Na sua prática profissional, ele tinha, dentro dele, não só o conhecimento adquirido na Faculdade, mas, sobretudo, aquilo que a vida lhe deu: o tesouro de compreender os seres humanos.

Cedo, aos 20 anos, foi trabalhar no Correio da Manhã, como repórter e cronista. Entre 1939 e 1941, foi cronista de O Globo.

Foi também - e aqui faço questão de registrar - contratado pelo serviço brasileiro da BBC de Londres, para cobrir a Segunda Guerra Mundial, quando prestou um relevante serviço. Por isso digo que ele não tinha medo da morte. Ali ele tinha a certeza de que com uma caneta, e não com uma arma, possuía em suas mãos um instrumento de escrever e reescrever a história, com o significado e as conseqüências da guerra. Engajado na luta, talvez tenha conservado no seu interior todo o desejo de que a paz fosse construída no mundo; com a sua experiência, aquele cidadão compreendia melhor a necessidade da luta pela paz, tendo a arma mais potente para estreitar as relações: o diálogo.

Regressou ao Brasil em 1947. Tinha então 30 anos e uma vasta experiência como correspondente internacional de guerra. Foi redator-chefe do Correio entre 1954 e 1960. E exerceu todas aquelas outras atividades que nós já sabemos.

Contudo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse ser humano magnífico e extraordinário produziu ainda tanta coisa. Seus livros foram traduzidos em diversas línguas, recebendo incontáveis prêmios nacionais e internacionais. Durante o regime militar, foi processado, teve vários problemas com os militares devido às suas posições libertárias e democráticas. Esse homem merece ser lembrado por nós, para que sua trajetória tenha continuidade.

Ouso, desta tribuna, dizer que talvez não tenha acumulado em mim o seu talento, mas quero crer que tenho dentro de mim a mesma vontade.

O Sr. Gilvam Borges - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Gilvam Borges - Nobre Senadora Benedita da Silva, representante do Estado do Rio de Janeiro, congratulo-me com V. Exª na homenagem que presta a esse ilustre intelectual. Do extremo Norte do País, do Amapá, externamos o nosso pesar e o nosso lamento pela perda de um homem tão nobre, não só pelo seu intelecto mas também pela sua personalidade. Neste momento em que o Brasil todo se manifesta, associo-me à homenagem feita no belo pronunciamento de V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço comovida esse aparte, porque, como uma cidadã do Estado do Rio de Janeiro, tenho certeza de que esse nome não é apenas um nome do Estado do Rio, mas atravessou fronteiras, chegou ao Nordeste. V. Exª é testemunha do valor desse cidadão, que, lamentavelmente, apenas no dia 17 de março de 1994 foi eleito para ocupar a Cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras. Mas tenho certeza de que há muito tempo, muito tempo mesmo, talvez décadas, ele já estava em nossos corações como uma das maiores figuras intelectuais que o nosso País possui.

Mais uma vez, quero deixar, à família enlutada por essa perda, o nosso carinho, a nossa manifestação de apreço, o nosso sentimento de não podermos estar também ao lado deles nesse momento; mas deixo o pesar do Senado Federal brasileiro, para que possam contar conosco neste instante de uma perda tão preciosa.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora Benedita da Silva, gostaria de manifestar também a V. Exª e aos subscritores do requerimento - Senador Júlio Campos e outros - minha homenagem de pesar pelo falecimento de Antônio Callado, aos seus familiares, a todos os seus amigos. A homenagem a esse extraordinário escritor que lutou, coerentemente, pela democracia em nosso País, para que acontecessem mudanças em profundidade. Ainda ontem, nas emissoras de televisão, pude acompanhar algumas de suas últimas entrevistas. Ele mostrava um certo ceticismo com respeito à possibilidade de o Brasil desenvolver-se com maior justiça e estar à altura da extraordinária potencialidade de nossa Nação e do povo que aqui habita, como se Antônio Callado tivesse lutado tanto ao longo de seus 80 anos e ainda não tivesse conseguido ver, na realidade, para uma enorme parcela da população brasileira, o resgate dos direitos à cidadania, à vida, à democracia, à saúde, à educação, à moradia; ainda não tivesse conseguido ver todas as pessoas, os índios, os negros, os nordestinos, enfim, todos os segmentos do povo brasileiro, deixarem de ser objeto de discriminação. Aquilo que apresentou em Reflexos do Baile, Quarup, A Madona de Cedro e em outras obras e nos seus escritos recentes como jornalista, as suas contribuições na Folha e no Jornal do Brasil constituíram algo de extraordinária relevância para todos nós, brasileiros. Portanto, queremos cumprimentar Antônio Callado e a sua família por sua extraordinária contribuição. Meus cumprimentos a V. Exª pela iniciativa.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte, Senador Eduardo Suplicy. A emoção tomou conta de todos nós com essa preciosidade, por todo o compromisso que assumiu e por ter partido sem ter visto ainda todos os filhos amados desta nossa Pátria com seu pedacinho de chão, com seu emprego, com seu salário.

Mas tenho certeza de que ele deixou um grande legado para todos nós. Para que possamos construir um mundo de paz não precisamos ter guerra. Havendo guerra, podemos construir um mundo de paz, se formos capazes de reconhecer no ser humano a competência maior e necessária, através do diálogo, para fazer valer os nossos direitos.

Morre o romancista Antônio Callado; sua voz não soa apenas no Senado Federal, mas no coração de todo brasileiro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/01/1997 - Página 3411