Discurso no Senado Federal

REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO ORADOR QUE A ANTECEDEU NA TRIBUNA. PROTESTANDO CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. PRIVATIZAÇÃO.:
  • REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO ORADOR QUE A ANTECEDEU NA TRIBUNA. PROTESTANDO CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Aparteantes
Gilvam Borges, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 31/01/1997 - Página 3557
Assunto
Outros > JUDICIARIO. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, PRONUNCIAMENTO, ROMEU TUMA, SENADOR, REFERENCIA, CONDENAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JORGINA MARIA DE FREITAS FERNANDES, RESPONSAVEL, FRAUDE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ESTADO, MANUTENÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, RESULTADO, CRITICA, POLITICA, GOVERNO, INSERÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, OPOSIÇÃO, PRETENSÃO, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Senador Romeu Tuma que apóio integralmente seu pronunciamento. Não lhe pedi aparte porque não era cabível regimentalmente, já que se tratava de comunicação inadiável. O assunto é de nosso interesse, não apenas porque o fato ocorreu no Estado do Rio de Janeiro. Queira Deus que todos os demais envolvidos nesse desfalque, nessa fraude, também mereçam o mesmo tratamento. Portanto, apóio V. Exº nessa iniciativa de se fazer um estudo para mudar a nossa legislação, a fim de favorecer medidas como essa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que desejo abordar hoje tem importância transcendental: trata-se da questão da soberania nacional. Creio que sua atualidade decorre, antes de tudo, do fato de estarmos vivendo um período histórico singular, em que a velocidade e a profundidade das transformações podem mascarar ou encobrir determinados aspectos da realidade, com enormes riscos para a sociedade.

Num mundo que a cada dia parece mais monolítico, no qual a pluralidade tende a ser sufocada por um discurso hegemônico e as alternativas distintas deixam de ser focalizadas, torna-se absolutamente necessário ter o cuidado de não se deixar levar pelas aparências e de não se transformar em massa de manobra de interesses que, mesmo quando não ocultos, sempre se mostram envoltos em enigmáticos mantos.

É nessa perspectiva que ressalto o Estado nacional, seu papel e sua importância. Para tanto, nada melhor do que fazer uso da História, até mesmo como forma de se fornecer um contraponto a certas idéias - hoje tão em voga - que, por sua superficialidade e por seu extremado apego ao utilitarismo pragmático, precisam e devem ser combatidas.

Da Antiguidade Oriental a este final de Século XX, a presença do Estado foi marcante em, pelo menos, dois aspectos essenciais: na organização política da sociedade e na manifestação do poder nacional. No primeiro caso, o Estado estabeleceu as normas internas de convivência social, o fio condutor da vida nacional, o estatuto jurídico-político a abranger o conjunto da sociedade. No segundo, foi o responsável pela fixação das fronteiras territoriais, sua defesa e integridade, e, muitas das vezes, por sua expansão.

A esse respeito, basta lembrar a inexistência, em toda a História da Humanidade, de um único exemplo de consistente projeto de desenvolvimento nacional que não estivesse alicerçado em um Estado verdadeiramente consolidado. Se ampliarmos nossa análise em relação às políticas expansionistas - quer sob o ponto de vista militar, quer sob o prisma econômico-político -, aí então é que a presença de um Estado plenamente organizado se torna imprescindível. O fracasso das Cruzadas - cujo sentido religioso jamais conseguiu encobrir seu caráter expansionista, em que a Europa feudal se volta para a conquista do Oriente - é explicado, antes de tudo, pela fragmentação política que caracterizava a feudalidade européia. Não por coincidência, a Europa somente conseguiu expandir-se e tornar-se uma espécie de centro do poder mundial, incorporando novas áreas à sua exploração, quando o poder local, típico do sistema feudal, cedeu lugar a verdadeiros Estados nacionais.

De igual modo, e ao contrário do que gostariam muitos dos que hoje defendem a tese de um Estado "mínimo", o moderno capitalismo pôde se consolidar graças ao apoio que lhe foi conferido pelas instituições estatais. Impossível imaginar-se um vigoroso processo de transformações estruturais - como foi o caso da Revolução Industrial - sem o concurso do Estado. Alguém, em sã consciência, pode entender o êxito do capitalismo inglês, de meados do Século XVIII até as primeiras décadas do século atual, sem o aporte do Estado britânico, oferecendo-lhe colônias para serem exploradas, abrindo-lhe os mercados pelo mundo afora, garantindo-lhe - pela força, se necessário - seus investimentos?

Julgo ser desnecessário repetir, aqui, a longa relação de exemplos que confirmam nossa tese. Um caso, no entanto, não posso omitir. Refiro-me à experiência protagonizada pelo Japão. Em tudo e por tudo, ela é emblemática. Como sabem todos, o Japão é reconhecido, em nosso século, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, como exemplo de país que soube vencer as adversidades e transformar-se em potência mundial, sendo, hoje, um dos núcleos econômicos do planeta.

O que precisa ser ressaltado no caso japonês? Muito simples, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: todo o processo de modernização empreendido por esse país se fez a partir do Estado, nele tendo sua referência fundamental. Da Revolução Meiji, na segunda metade do século passado, aos dias de hoje, o Estado conduziu a transformação modernizadora do Japão, incorporando-o à economia mundial de maneira não subalterna, tendo por grande meta a conquista do desenvolvimento.

O Sr. Gilvam Borges - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Gilvam Borges - Senadora Benedita da Silva, V. Exª está abordando um tema muito importante aqui na tribuna do Senado Federal. O Japão, sem sombra de dúvida, tem sido um modelo, mas, em termos comparativos, é preciso uma interpretação mais profunda justamente no que tange ao aspecto da cultura. O Japão é um país de uma cultura milenar e, portanto, já passou por muitos momentos difíceis, mas o seu desenvolvimento partiu única e exclusivamente do investimento maciço na educação. Além dos séculos, dos milênios de experiência que esse povo viveu, após a Segunda Guerra Mundial, o governo se sensibilizou e investiu maciçamente na educação. O nosso País avança em passos muito lentos. Somos o resultado de um somatório de culturas, esse povo que aqui está, V. Exª e eu, uma mistura. Acreditamos que V. Exª tenha abordado esse tema no sentido de que investimentos sejam feitos em áreas estratégicas para o desenvolvimento. Nosso País é fantástico, de dimensões continentais, e o nosso povo, aos poucos, vai caminhar. O Japão passou por milhares de guerras, atravessou muitas fases. Fala-se muito, comparativamente, no povo judeu, muito sábio, inteligente. Mas trata-se de um povo que há milhares de anos passa também por um aprendizado muito grande. Quero congratular-me com V. Exª por trazer um tema tão importante à tribuna do Senado Federal e desejar-lhe, bem como a sua família, aos seus eleitores no Rio de Janeiro, muitas felicidades, parabenizando-os por ter uma representante tão atuante, dedicada e persistente como V. Exª. Não há um dia em que V. Exª não ocupe a tribuna, não esteja nas comissões. Portanto, é um exemplo e a parabenizo por ter trazido um assunto tão importante como esse. Muito obrigado, Senadora.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Senador Gilvam Borges, agradeço-lhe pelo seu aparte. V. Exª tem, sem dúvida, contribuído para que eu possa ocupar esta tribuna, como foi o caso hoje, cedendo-me o seu tempo para que eu pudesse me pronunciar. V. Exª tem sido, sem dúvida, um dos maiores parceiros para as minhas inscrições, já que, regimentalmente, não posso fazê-lo por mais de duas vezes na semana. V. Exª o faz, como sempre, não por cavalheirismo, mas por compreensão, e, por que não dizer, em homenagem ao Estado do Rio de Janeiro.

Sabemos que o Japão tem uma cultura diferenciada. Ao abordar desta tribuna o papel que o Estado deve ter na política de desenvolvimento, V. Exª também destaca um dos grandes fatores do desenvolvimento: a educação, cujas prioridades não conseguiram atingir ainda todo o contingente populacional brasileiro. Isso nos possibilitaria deixar de ser um país de analfabetos e passar, assim, a conhecer oficialmente todo o empreendimento que, do ponto de vista econômico, o Brasil tem levado ao seu processo de privatização. O Estado não tem colocado o mesmo ardor e tratado o tema da educação com a mesma prioridade com que tem tratado outras questões, como a privatização.

Se voltarmos os nossos olhos para a América Latina e nela enxergarmos o Brasil, veremos que o esforço para superar as barreiras do subdesenvolvimento, muito especialmente a partir dos anos 50, se fez sob a liderança do Estado. A ele coube, essencialmente, garantir as condições infra-estruturais indispensáveis à implantação de um parque industrial. A ele coube estimular e orientar a poupança nacional para o financiamento da industrialização e da modernização do campo.

Isso é história, algo que não se apaga e com a qual devemos aprender!

Faço esses comentários para embasar minha posição - que é a mesma de tantos outros brasileiros - acerca do momento que vivemos hoje. Na ânsia de promover a chamada "plena inserção" do País numa economia globalizada, na pressa de demonstrar nossa efetiva compreensão do quadro internacional ora existente, de "irrefreável, irresistível e inevitável globalização", corre o Brasil sérios riscos advindos de decisões e de políticas equivocadas.

O processo de privatização de empresas estatais oferece-nos campo fértil de análise e, particularmente em alguns casos, motivos suficientes para espanto, temor e revolta. Mais que qualquer outro, o caso da venda da companhia Vale do Rio Doce destaca-se e exige de todos nós reflexão e ação.

A Vale não é apenas uma empresa. Seu significado na vida brasileira ultrapassa em muito o caráter meramente empresarial. Mais que um conglomerado que atua de forma competente - e, dessa competência, a ninguém é dado duvidar -, ela simboliza a capacidade realizadora do povo brasileiro. Mais que um conjunto de empreendimentos capazes de fazer prospecção, beneficiamento e transporte de riquezas incontáveis com que a natureza dotou o subsolo brasileiro, ela traduz um projeto nacional de desenvolvimento que não se esgota em resultados financeiros.

A Vale não é apenas uma empresa. Numa época de degradação da máquina do Estado, ela consegue ser considerada modelo mundial. Não por acaso a Vale do Rio Doce é vista pelos analistas como a empresa brasileira com condições plenas de participar do processo de mundialização dos mercados.

Num país em que, ao contrário do que muitos tentam nos fazer acreditar, eficiência e ineficiência existem tanto no setor público quanto no privado - e o exemplo dado, na atualidade, pelo sistema financeiro não deixa dúvida quanto ao que estamos falando -, salta aos olhos o desempenho altamente positivo da Vale do Rio Doce. Assim, abrir mão de seu controle significa, antes de mais nada, subtrair ao Brasil seu poder de barganha na economia mundial, retirar-lhe o mais completo instrumento de que dispõe para enfrentar um cenário de intensa competitividade.

No recente Manifesto ao Povo Brasileiro, assinado por líderes como Itamar Franco, Barbosa Lima Sobrinho, Luís Inácio Lula da Silva, entre outros, há algumas passagens que precisam ser reiteradas. Em primeiro lugar, a lembrança de que a "Vale do Rio Doce custou aos brasileiros mais do que os investimentos financeiros. Ela foi criada pelos Acordos de Washington, que estabeleceram a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com envio da Força Expedicionária Brasileira à Itália e o tributo de sangue de nossa gente naquele conflito".

O Manifesto destaca, ainda, ser a Vale do Rio Doce uma "conquista política e técnica dos brasileiros". Tecnicamente falando, temos uma empresa atuando diretamente em nove Estados, quer por suas empresas controladas, quer por outras 26 coligadas. Promovendo integral sinergia entre os negócios do grupo, esse conglomerado atua na exploração de minério de ferro, manganês, ouro, bauxita e caulim; opera sistemas interligados mina-ferrovia-porto, além da navegação transoceânica; volta-se para as áreas de peletização, siderurgia, ferro-liga e alumínio, sem falar nas enormes áreas de reflorestamento, que asseguram a produção de madeira, celulose e papel, como já falei por diversas vezes aqui desta tribuna.

Impossível avaliar, com um mínimo de confiabilidade e precisão, o patrimônio da Vale, sobretudo em função da extensão de suas jazidas. Desse modo, vendê-la pode significar, inclusive, ato de lesa-pátria. Aliás, pelo que aqui foi dito, maior que seu patrimônio é seu valor estratégico.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senadora, quero congratular-me com V. Exª pelo pronunciamento que faz. Ressalvar a posição da Vale é defender o interesse do País, o interesse nacional. O seu discurso tem, inclusive, a oportunidade de nos fazer relacionar a situação da Vale com a da Petrobrás. Tanto quanto a Vale, a Petrobrás foi uma grande agência de negócios para o País, fonte criadora de riqueza e de formação de mão-de-obra especializada. Mas nada disso tem importância diante do rolo compressor do primitivismo.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Josaphat Marinho. Sei que V. Exª, assim como tantos outros, e eu estamos enfaticamente defendendo os interesses estratégicos para a política econômica brasileira. Lamentavelmente, no caso da Petrobrás, fomos vozes clamando no deserto. Tornaram-se cegos, surdos e mudos à realidade deste País.

Agora, Senador Josaphat Marinho, o que estamos fazendo, cotidianamente, não só da tribuna desta Casa mas também por meio dos movimentos que se instalaram no País, é impedir que façam com a Vale o que já fizeram com a Petrobrás. Haveremos de ter garra, força, coragem e organização para fazê-lo, usando os instrumentos democráticos colocados a serviço da Nação.

Por isso, ainda que o assunto pareça esgotado, não me curvarei, de forma nenhuma, diante das medidas tomadas nem das potencialidades do Planalto: estarei cotidianamente falando e não acredito que estarei sozinha.

O Sr. Josaphat Marinho - Faça-o V. Exª sem constrangimento. Quando se defende o interesse nacional, o assunto nunca se esgota.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Muito obrigada mais uma vez, Senador Josaphat Marinho.

Não tenho dúvida de que o Governo Federal comete um monumental equívoco ao trocar o debate sério em torno do desenvolvimento nacional - que implica, por exemplo, promover o crescimento, estabelecer uma efetiva política de emprego e enfrentar os históricos e absurdos problemas sociais de nosso País - pela crença de que a alienação de uma empresa como a Vale será a redenção do Tesouro. Enfraquecer o Estado, nas atuais condições brasileiras, nada mais é que a desistência de corrigir nossas desigualdades sociais.

Acreditar que o mercado poderá promover a correção de nossas mazelas sociais é mais que ingenuidade; a experiência mostra exatamente o contrário, ou seja, "o mercado não só não poderá fazê-lo, como tende a agravar as desigualdades sociais", como sabiamente lembrou Celso Furtado.

Nesses termos, falar em soberania, independência e autodeterminação, hoje, não significa fazer uso de um discurso ultrapassado - V. Exª bem o coloca -, perdido no tempo, desprovido de sentido. Representa, isto sim, Sr. Presidente e Srs. Senadores, compromisso com o enfrentamento das questões sociais, coragem para se opor à corrente de pensamento que se pretende hegemônica e consciência de que o desafio do desenvolvimento não se esgota nos aspectos econômicos e financeiros.

Para vencer esse desafio, ensina a História, o Estado é o mais eficaz instrumento para agir sobre a sociedade. O Brasil não pode e não merece perder essa batalha.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/01/1997 - Página 3557