Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4095
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este ano de 1997 tem sido extremamente cruel com a intelligenza nacional. Primeiro foi Antônio Callado, depois Paulo Francis; em terceiro, Mário Henrique Simonsen; e finalmente - e não sei se finalmente, não sei quantos ainda seguirão, mas até aqui finalmente -, o nosso companheiro Darcy Ribeiro.

Vejam, Srs. Senadores, que quase todos os campos do conhecimento humano foram golpeados. Com Antonio Callado a literatura de ficção; com Paulo Francis o jornalismo, sobretudo o jornalismo de combate; com Mário Henrique Simonsen a economia, a engenharia, a matemática e a música; com Darcy Ribeiro a educação e a antropologia.

Não vou falar sobre a obra de Darcy, ela é suficientemente conhecida e outros que a conhecem melhor do que eu certamente dissertarão sobre o tema. Só gostaria de deixar registrado aqui o meu testemunho a respeito de duas passagens de Darcy Ribeiro a que assisti.

Estava, certa vez, em um almoço no Clube do Congresso, Darcy me fazia companhia à mesa com mais dois ou três Senadores, e ele começou a se servir de carneiro, de picanha, das carnes mais gordurosas. E um colega nosso indagou: "Darcy, você não tem colesterol?" Ele respondeu: "Meu caro, sou um terminal", e sublinhou essa frase com uma risada, parecia que se referia a uma coisa banal, mas estava falando de seu próprio fim.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES  - Concedo-lhe o aparte, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Este aparte tem uma finalidade dupla: primeiro, permitir que V. Exª descanse as cordas vocais para continuar nesta luta brava de prestar homenagem ao nosso querido e saudoso Senador Darcy Ribeiro; o segundo motivo é que esperei um companheiro do Amazonas - e ninguém melhor do que V. Exª - prestar homenagem ao homem que criou o Projeto Caboclo. Quando V. Exª registrou ainda há pouco o que Darcy disse sobre o colesterol, pode-se sentir que ele foi um homem paradoxal. Observe V. Exª que ele trazia uma mentalidade panorâmica do conhecimento humano, era um cidadão de muitas aptidões, tudo o que fazia acabava demonstrando seu alto conhecimento. Quando levado à Comissão de Relações Exteriores, em sua última aparição pública, a convite do Senador Antonio Carlos Magalhães, com a presença de nosso colega Iris Rezende, Darcy Ribeiro mostrou que o Projeto Caboclo o credenciava a receber um título, e faço questão de registrar esse título no discurso de V. Exª. O talento de Darcy Ribeiro porfia com a opulência do Estado Amazônico. Senador Jefferson Péres, V. Exª traz para cá essa homenagem em nome do Amazonas, e tenho certeza de que o Senador Gilberto Miranda a ela se acopla. Por mim já havia o meu eminente Líder, Senador Hugo Napoleão, registrado essa homenagem. V. Exª esteja certo de que, poucas vezes na vida - e por isso registrava o paradoxo de Darcy Ribeiro -, a morte faz com que um homem valha mais do que quando está na sua plena existência. Peço a V. Exª que me inclua como um dos seus seguidores nessa homenagem a Darcy Ribeiro.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral, o fato de V. Exª me delegar essa incumbência apenas me honra.

A outra passagem a que me referi presenciei numa sessão de Comissão de Educação, na qual se discutia a Lei de Diretrizes e Bases, de autoria de Darcy Ribeiro. Um grupo de manifestantes, no fundo da sala, gritava slogans contra o projeto de lei que, no entender deles, destruiria o ensino público. Darcy Ribeiro se levantou e se dirigiu a eles, trôpego, arrastando os pés, com aquela figura patética e, sem nenhuma arrogância, até mesmo com humildade, fez a seguinte peroração ao grupo: "Vocês realmente acham que um homem com a minha biografia, com a minha trajetória de vida, dedicada em grande parte à educação pública, faria um projeto para destruir a escola pública?" O grupo silenciou, Sr. Presidente. A paixão corporativista e o fervor ideológico morreram diante da grandeza daquele homem que os interpelava.

Era assim, portanto, Darcy Ribeiro, homem de uma extraordinária dimensão, de uma grandeza que realmente não alcançamos. É uma pena enorme que ele se vá, Sr. Presidente. O Congresso Nacional já foi uma cordilheira reluzente, cheia de picos, mas, cada vez mais, torna-se uma planície com muito poucas eminências. Sem dúvida, Darcy Ribeiro era uma delas.

Creio que não há muito mais a dizer. Quero apenas registrar, como já foi dito anteriormente, que a última preocupação daquele homem, que muito gratificou a nós da Região Norte, relacionava-se ao Projeto Caboclo, ao qual ele se dedicou. De certa forma, ele fala sobre esse projeto no artigo que escreveu para o Livro da Profecia, recém-editado por este Senado.

Na parte referente à Amazônia, ele fala que, no ano de 2097, daqui a um século, portanto, viveríamos numa sociedade inteiramente miscigenada, igualitária, edênica, com a criação de um novo tipo de homem. Enfim, Sr. Presidente, aquilo era a utopia de Darcy. Tal como numa visão igual à da obra Utopia, de Thomas Morus, ou da La citta del sole, de Campanella, ele era sobretudo um sonhador, talvez com um pouco de loucura. Mas o que seria deste mundo, afinal, sem uma pitada de loucura, Sr. Presidente?

É por isso que não encontro outras palavras para encerrar o meu pronunciamento, senão repetindo aquela frase do Presidente do Parlamento indiano, quando, comunicando a seus pares a morte do Primeiro-Ministro Jauaharial Nehru, disse simplesmente: "Senhores, a luz já não brilha mais; o Primeiro-Ministro deixou de viver."

É isso. A luz já não brilha mais aqui; o Senador Darcy Ribeiro deixou de viver, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4095