Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4097
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito já foi dito sobre o Senador Darcy Ribeiro, na sessão de hoje e também nos jornais. Realmente, é difícil, neste momento, evitar o lugar-comum, é difícil evitar as repetições. Entretanto, vou tentar fazer isso.

Quero registrar que, lamentavelmente, nesses dois anos em que estou nesta Casa, tive pouco tempo de convivência com o Senador Darcy Ribeiro, até pelo fato de ter sido exatamente nesse período que se agravou seu quadro de saúde. Para mim foi um grande prazer e uma grande honra ter sido colega de Darcy Ribeiro nesta Casa. Em primeiro lugar, porque ele foi uma referência para a minha geração. Referência com duas vertentes: a vertente da emoção e a vertente do dogmatismo. Lembro que quando comecei a ter atividade política no movimento estudantil, em meados da década de 70, o então Professor Darcy Ribeiro era essa referência de resistência democrática, de coragem, de conhecimento, de alguém que tinha profunda crença em nosso povo.

Naquela época, já também amarrada pelas análises dogmáticas, existia a referência daquele que não analisava a realidade e a política com os esquemas da esquerda dogmática, não se utilizava das categorias burguesia e proletariado, da luta de classes. Ele preferia falar em povo, preferia acreditar e usar um conceito de povo que dentro do esquema do marxismo engessado não cabia. Darcy Ribeiro acreditava principalmente no povo brasileiro e na Nação brasileira. Ele acreditava que o Brasil, a partir dessa mistura de raças que gerou o povo brasileiro, estava condenado a ser a potência do 3º milênio, a potência que emergiria dos trópicos. Essa análise, na minha imagem dogmática de então, fazia com que o colocássemos no escaninho dos populistas, juntamente com Leonel Brizola, João Goulart e tantos outros. Passados alguns anos e com o arejamento das nossas idéias, nesse momento em que o moderno é modificarem-se as idéias, é estabelecerem-se convicções ao sabor dos modismos, Darcy Ribeiro foi um homem de profundas convicções, de convicções arraigadas, pelas quais lutou até o fim da sua vida. Infelizmente, não vou poder conviver com ele agora numa mesma Bancada nesta Casa, a partir da formação do bloco das oposições.

Nós, do PT, tínhamos, sim, divergências com ele. Mesmo assim, temos que reconhecer que, por mais que sentíssemos urticária quando ele dizia que o PT é a esquerda da sacristia - essa frase é puro Darcy Ribeiro - até nisso vê-se o talento e a criatividade de Darcy Ribeiro ao fazer suas críticas.

Tínhamos divergências, por exemplo, na questão da estrutura sindical, e neste caso particularmente, na minha opinião, Darcy Ribeiro estava errado.

Tivemos divergências na discussão da Lei de Diretrizes e Bases, mas temos que registrar que Darcy Ribeiro, na condição de Relator daquela matéria, foi extremamente tolerante, extremamente amplo, extremamente aberto às sugestões, às emendas e às propostas de enriquecimento. Tenho certeza que mesmo não saindo desta Casa a LDB defendida pelo meu Partido, ela foi, sem dúvida alguma, profundamente ampliada e enriquecida com o trabalho de Darcy Ribeiro.

Darcy Ribeiro tinha uma vaidade simpática e talvez nos redima a todos - particularmente nós políticos que somos todos vaidosos, mas não temos coragem de dizê-lo - ao dizer que gostava de receber elogios.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço a nobre Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - A forma como Darcy Ribeiro falava "povo brasileiro", "meu povo", dita por qualquer um de nós pareceria vulgar, demagogia. Mas, dita por ele, era original, interessante. Ele sentia mesmo como uma categoria, como um sistema da sua obra, a forma de tratamento "povo brasileiro". Ontem, no velório, eu pensava que se chegasse alguém que não conhecesse a realidade do Brasil, que não conhecesse Darcy Ribeiro e perguntasse a qualquer um de nós quem morreu, quem era o homenageado tão importante, muitos de nós teríamos diferentes respostas. Mas, além de grande gênio da antropologia, da etnologia, de tantas coisas que ele fez, poderíamos dizer que Darcy Ribeiro era um homem que sentia, que observava e que elaborava. Ele elaborava o que sentia e o que observava. Também se poderia dizer que era um homem que sonhava e realizava, acima de tudo. Poderíamos dizer também que era um homem que "dava carão". Na minha terra, diz-se "dar carão". Darcy já não tinha mais muita paciência de discutir, de debater. Ele, às vezes, se permitia ficar "dando carão" nas pessoas. "Não é assim, porque na Suíça não é assim, na França não é assim, isso que estão dizendo é besteira". Ele chegou a dizer isso na Comissão de Educação, quando estava relatando a LDB. E não nos sentíamos ofendidos, respeitávamos a forma irreverente como ele tratava as pessoas, que, muitas vezes, levantavam questões que para ele já eram líquidas e certas. Todos aprendemos a ter um pouco de tolerância com o Senador Darcy Ribeiro. Morreu o homem que dava carão nos políticos, nos intelectuais e até no Presidente. A professora Conceição Tavares disse uma coisa muito interessante: o Senador Darcy Ribeiro tinha uma forma particular de se revoltar, não contra as pessoas, não contra alguém em particular, mas contra o sistema, contra as instituições, quando elas não estavam de acordo, contra as idéias, mas nunca contra os indivíduos. Essa é uma forma bonita de viver a política. Podemos fazer críticas, podemos até ficar revoltados com algumas situações, mas as pessoas não devem ser necessariamente o objeto da nossa ira no sentido negativo da destruição e do ódio. E o Senador Darcy Ribeiro soube fazer isso muito bem. Todos sabemos que quando determinado órgão perde sua função, os outros são obrigados a trabalhar com muito mais sensibilidade para suprir a parte lesada. Acredito que a intelectualidade brasileira perdeu um dos seus importantes órgãos, que foi machucado na sua parte pensante. O Senador Darcy Ribeiro deixa-nos o desafio de aumentar a sensibilidade para recuperarmos a sua perda. Acredito que onde ele estiver - sou uma pessoa que tem fé -, ele deve estar articulando uma grande aliança do bem pelo benefício deste País.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senadora Marina Silva. Os pontos que V. Exª levanta reforçam uma convicção que tenho: a ninguém era possível ficar indiferente a Darcy Ribeiro. Podia-se discordar em certos pontos, concordar em outros, mas ficar indiferente era impossível.

Gostaria de registrar que um dos momentos em que passei por profundo constrangimento nesta Casa foi exatamente no episódio a que se referiu o Senador Jefferson Péres, pois, entre as pessoas que acusavam Darcy Ribeiro, tenho certeza de que a grande maioria era filiada ao meu Partido. Confesso que fiquei constrangido com aquele tipo de abordagem ao Senador Darcy Ribeiro, mas ele, com seu talento e capacidade, como já descreveu aqui o Senador Jefferson Péres, colocou as coisas em seus devidos lugares.

Gostaria também, para concluir, de dizer que tive a sorte - e isso vou levar para meu currículo - de me tornar sócio de Darcy Ribeiro na autoria da lei que institui a doação presumida de órgãos, aprovada a partir do substitutivo brilhantemente preparado pelo Senador Lúcio Alcântara ao projeto meu e do Senador Darcy Ribeiro, recentemente promulgada pelo Presidente da República, muito provavelmente a partir de carta que o Senador Darcy Ribeiro encaminhou ao Presidente Fernando Henrique, com argumentos irrefutáveis contestando toda a campanha feita contra a lei logo que aprovada pelo Senado Federal. Tenho certeza de que essa carta que o Senador Darcy Ribeiro encaminhou ao Presidente da República, publicada no jornal Folha de S. Paulo, deve ter contribuído de maneira muito decisiva para que Sua Excelência viesse a sancionar aquela lei.

Muito se disse já de Darcy Ribeiro, mas entre as frases que procuravam defini-lo, feitas por diversos políticos, a meu ver a que se encaixou melhor não foi a de nenhum político, mas de Caetano Veloso, que dizia que Darcy Ribeiro tinha um eterno ar de adolescência.

E é um paradoxo que Darcy, no final da vida, tenha tido tanto amor a ela, quando, segundo ele mesmo disse em entrevista no programa Roda Viva, reprisada agora com a sua morte, aos 20 anos teve vontade de se matar, porque fazia Medicina, mas não encontrava naquilo que estava estudando a razão e a saída da sua existência. Assistia a aulas de Filosofia, de Direito, mas naquele momento teve vontade de dar fim a sua vida porque não estava vendo muito sentido nela. É um paradoxo que ele, quando jovem, tivesse tido esse sentimento, e depois, ao longo da vida, tivesse tido tanto amor a ela, como demonstrou principalmente nos dois últimos anos, quando a doença se abateu de forma mais profunda. Foi um período em que ele produziu de maneira quase que obstinada. Já foi citada aqui a LDB, os projetos Caboclo e de doação de órgãos.

E para concluir, quero lembrar um poema já batido, fora de moda, muitas vezes dito, de Bertolt Brecht, aquele que dizia que há homens que lutam um dia e são bons, há homens que lutam um ano e são melhores, e há homens que lutam toda a vida e são imprescindíveis. Sem dúvida alguma, dentro do conceito brechtiano, Darcy Ribeiro foi um homem imprescindível.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4097