Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4103
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, nesta homenagem a Darcy Ribeiro, ressaltar a sua forma única, exclusiva, de fazer política.

Vi poucas pessoas na vida - milito na política há mais de 20 anos, exercendo mandatos seletivos - fazer política como Darcy Ribeiro, um político em relação ao qual ninguém, em momento algum, jamais teceu qualquer crítica, um político do qual ninguém conseguia ter raiva. Darcy Ribeiro fazia política de forma diferenciada. Creio que, pelo seu desprendimento, pelo seu total desinteresse pessoal, Darcy Ribeiro fazia política olhando o povo, a sociedade, a Nação, o mundo. Jamais pensava nele mesmo, jamais pensava no poder ou em exercer o poder para dele se utilizar, para pressionar de alguma forma. Darcy Ribeiro fazia política lançando idéias, manifestando pensamentos, e conseguiu ser respeitado por todos ao longo de toda a sua vida.

Na política, muitas vezes temos ódio, tratamos adversários como inimigos. Com ele sempre foi diferente. Creio que esta é uma das coisas mais bonitas na figura de Darcy Ribeiro.

Outra homenagem que temos de lhe reverenciar é a maneira como enfrentou a morte. Ao longo de minha vida, nunca vi uma pessoa morrer como Darcy Ribeiro, nunca vi uma pessoa tão dedicada ao trabalho, tão tranqüila, tão serena, tão disposta, tão otimista. É incrível que não nos tenhamos dado conta da possibilidade de sua morte. Ele estava aqui conosco, trabalhando, expondo as suas idéias, e não imaginávamos que, de repente, ele poderia morrer, tamanha a sua vontade de trabalhar, tamanha era a sua indiferença diante da morte, tamanho era o seu desejo de ter vivas as suas idéias e de transferi-las aos outros.

Nós o vimos aqui, no dia 4, a votar nessa sessão do Senado. Recebemos no nosso gabinete um convite, assinado por Darcy Ribeiro, marcando uma reunião para tratar das questões da Amazônia, exatamente no dia de sua morte, no dia 17. Li esse ofício assinado por Darcy Ribeiro na terça-feira pela manhã, em que nos convidava a participar de um encontro que estava promovendo num hotel aqui em Brasília, para tratar das questões da Amazônia.

Nunca vi tanta vontade, tanta dedicação, tanto amor à vida. Ele era realmente uma pessoa alegre, capaz de "levantar o astral" - como se diz no linguajar popular - de qualquer pessoa. Qualquer pessoa que estivesse numa situação de depressão, decepcionada com alguma coisa, triste por alguma razão, bastava olhar Darcy Ribeiro. Não precisava conversar, bastava receber dele aquele sorriso tranqüilo e, conhecendo a pessoa que ele era, já transformava nossa maneira de ser, diminuía nosso pessimismo e já nos colocávamos numa posição mais compreensiva, com mais alegria, porque ele transpirava esta virtude de sua vida: o amor.

O amor à vida, às pessoas, à existência era sua mais bonita característica, era tudo o que sentíamos dele e o que de mais bonito ele nos deixa.

Penso que a coisa mais bonita que S. Exª possuía era o amor à vida, às pessoas, à existência. Era tudo o que pregava, tudo o que transpirava nele.

O Sr. Édison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço o aparte do nobre Senador Édison Lobão.

O Sr. Édison Lobão - De fato, é uma perda imensa. Darcy Ribeiro, eu o conheci quando na Universidade Federal; depois, como Ministro da Educação e, posteriormente, Chefe da Casa Civil do Presidente João Goulart. Sua Exa. controlava, de algum modo, as atividades políticas naqueles dias tempestuosos do parlamentarismo e na restauração do presidencialismo. Veio o Movimento Revolucionário, S. Exª teve que deixar o País, mas deixou o exemplo de um homem vigoroso nas ações administrativa e política. Foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como Secretário do Governador Leonel Brizola. Nesta Casa nos encantou sempre a todos com a sua cordialidade, simpatia e suas palavras de ponderação. Sua Excelência nos deixa um exemplo - que haverá de frutificar - de como se deve bem proceder na vida pública brasileira. Muito obrigado.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sou eu quem agradece a V. Exª.

Sua maneira de trabalhar nunca pude presenciar em nenhuma outra pessoa. Recentemente, S. Exª reuniu vários Senadores para apresentar sua idéia para a Amazônia, denominada Projeto Caboclo. Esta seria executada por uma organização não-governamental: a Fundação Darcy Ribeiro, naturalmente com o auxílio de outras entidades.

Essa idéia casa-se com a necessidade da nossa região, da Amazônia. É uma idéia que o Governo, ou segmento do Governo, no Ministério do Meio Ambiente, especialmente na pessoa do Professor José Seixas Lourenço, vem tentando implementar no Brasil, ou seja, uma política de desenvolvimento auto-sustentado, uma política que não destrua a Amazônia, que conserve a natureza. Ele prega determinados tipos de projetos que seriam executados por caboclos, por índios, por pescadores artesanais, por pessoas que vivem na região; ele prega uma forma de essas pessoas usarem todos os conhecimentos que são naturais delas, somados aos conhecimentos de cientistas, para que esse tipo de trabalho possa desenvolver-se de maneira a dar a essa comunidade uma vida econômica melhor, mais confortável, com lucros, com ganhos e, ao mesmo tempo, com a quase total preservação dos recursos naturais da nossa Amazônia.

Essa idéia do Projeto Caboclo, do Senador Darcy Ribeiro, a muito custo, vem sendo executada pelo Professor José Seixas Lourenço, mas, incrivelmente, não com o dinheiro do Governo brasileiro, mas de doações internacionais, vem sendo executada por várias organizações não-governamentais que, aqui e ali, em determinados lugares da Amazônia, tentam orientar essas comunidades naturais da região - seringueiros, caboclos, pescadores, índios -, dando a eles alguma técnica, alguma direção, aprendendo também com eles. Faz esse trabalho o Museu Emilio Goeldi, no meu Estado.

Essa idéia existe não apenas da parte do Senador Darcy Ribeiro, mas de vários segmentos que existem na nossa Amazônia. Mas não é uma idéia que está no Governo. Não é uma idéia de política pública. É isso que devemos compreender neste momento. O Senador Darcy Ribeiro apresentou seu projeto a vários Senadores, e já ouvi o Senador Antonio Carlos dizer que vai levá-lo adiante, que vai apoiá-lo, fazendo-o ser uma política pública, uma política a ser executada pelo Governo, porque a idéia de Darcy Ribeiro era fazer aquele projeto, em determinados pontos da Amazônia, com recursos vindos de fora - e o Governo deveria assumir para ele.

Ao invés de se fazer reforma agrária como se está fazendo na nossa região, onde o colono invade a propriedade e o Governo depois a regulariza, fazendo a devastação da mata e muitas vezes criando a pastagem sem nenhuma orientação daquilo que é da nossa realidade e da nossa vida. Darcy Ribeiro propõe que o Governo arrume áreas de 5.000 hectares e que, em cada uma dessas áreas, sejam assentadas 50 famílias, as quais teriam orientação de técnicos, mas eles mesmos já têm uma grande experiência, porque nasceram, viveram e se criaram nessas matas.

O Governo deveria compreender isso. Essa idéia do projeto do Darcy Ribeiro é para ser executada de maneira pequena, de maneira mínima, num lugar ou em outro da Amazônia. Poderia ser enxergada pelo Governo, passando a ser apoiada como uma política de poder público, como uma política de Governo. Essas idéias deveriam ser postas em prática.

Vejo o esforço desse professor José Seixas Lourenço, mendigando R$2 milhões, R$1 milhão, R$500 mil de entidades não-governamentais da Alemanha, da Itália, da França, da Bélgica, da Suíça, enquanto o Governo brasileiro não dedica um centavo a esse tipo de trabalho.

Creio que poderíamos homenagear Darcy Ribeiro levando adiante as suas idéias sobre trabalho, sobre a conquista de uma nação justa, igualitária, de uma nação que pudesse dar a todos os seus filhos uma oportunidade de uma vida digna, tranqüila, feliz, porque ele era um homem que pensava na felicidade do povo, que compreendia a necessidade de diversão da população.

Foi ele o idealizador do Sambódromo do Rio de Janeiro e hoje é imitado por todo este País, pois cada Governador, cada Prefeito que se elege está construindo o seu sambódromo, entendendo que o que o povo quer da vida é trabalho, é diversão, é alegria e é amor. E isso Darcy Ribeiro soube compreender melhor que todos nós que ainda fazemos política, muitas vezes, com ódio, com ranço, com divergência, com aspereza.

Louvo a qualidade desse brasileiro que, sem dúvida nenhuma, muita falta fará a todos nós. Espero que suas idéias prosperem, especialmente esse Projeto Caboclo, uma idéia pequena, que não se apresentava para o contexto total da Amazônia, venha a ser assumido e desenvolvido pelo nosso Governo, propiciando assim uma vida boa ao nosso povo, mas, ao mesmo tempo, mantendo a preocupação com a preservação da nossa natureza, da nossa região.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4103