Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4108
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, Srªs e Srs. Senadores, acabo de chegar do velório na Academia Brasileira de Letras, onde milhares de brasileiros estão se despedindo de Darcy Ribeiro. Neste instante, Leonardo Boff, um dos maiores teólogos deste século, está encomendando a alma de Darcy Ribeiro. É bem verdade que Darcy, conforme salientou o Senador Lauro Campos, não acreditava que pudesse haver outra vida, mas tanto respeitava aqueles que tinham fé que pediu que Leonardo Boff estivesse hoje na cerimônia de despedida.

Com Darcy Ribeiro, aprendemos extraordinariamente. Quando aqui falava, da tribuna do Senado, era unânime a atenção com que todos nós ouvíamos suas palavras. Elas encerravam o extraordinário conhecimento de uma pessoa apaixonada por conhecer aquilo que de mais importante havia para o povo brasileiro. Poucos, como ele, estudaram em profundidade a natureza de todos aqueles que formam a nossa brasilidade.

Foi conviver com os índios, esteve com os negros e como poucos percebeu a importância da miscigenação de europeus com os negros, com os índios, com os orientais, com os amarelos, com os brancos, com os vermelhos. Enfim, com todas as pessoas que compõem o conjunto de brasileiros, em verdade, temos a possibilidade de construir a civilização dos trópicos que, na visão de Darcy Ribeiro, poderá ser tão ou mais importante que a civilização romana de há dois mil anos.

Darcy Ribeiro, a cada dia, mostrava sua permanente indignação diante das iniqüidades e das injustiças. Sabia, por outro lado, ser solidário com os meninos de rua, como demonstrou no seu belo artigo publicado na Folha de S.Paulo na última segunda-feira, quando disse que, se morasse numa favela, gostaria de ser um menino de rua, para poder ver os carros modernos que circulam no Rio de Janeiro, as vitrines com as coisas maravilhosas, a extraordinária riqueza humana e as possibilidades infindáveis de sobrevivência, de alegrias e de tristezas, que nas ruas do Rio, de São Paulo, da grande cidade, se pode encontrar. Mas advertia, ao mesmo tempo, da necessidade de se aprovar rapidamente no Congresso Nacional o seu projeto, que está agora na Câmara dos Deputados, que torna obrigatória a colocação de um ingrediente com cheiro repulsivo na cola de sapateiro, para que nenhuma criança esteja com ela se intoxicando.

Darcy Ribeiro foi solidário com os sem-terra. Num dos seus mais importantes pronunciamentos, no ano passado, qualificou o Movimento dos Sem-terra como o mais importante movimento social da história do Brasil. Sabia alertar, conclamar o seu amigo Presidente Fernando Henrique Cardoso e todos os membros do Congresso Nacional para a necessidade premente de se realizar a reforma agrária com muito maior rapidez do que até agora vem o Governo realizando.

Conclamou também o Presidente Fernando Henrique Cardoso a tomar mais cuidado com a privatização, sobretudo da Companhia Vale do Rio Doce. Alertou para o processo, que parece inexorável, de perda, por parte do Governo brasileiro, do controle de patrimônio tão importante que é a Companhia Vale do Rio Doce.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao homenagear o seu amigo, poderia estar refletindo sobre as recomendações fraternas e carinhosas que sabia Darcy Ribeiro fazer.

Darcy Ribeiro, nesse último empenho, falou de sua grande utopia. Não como se fosse algo irrealizável, porque, aos 74 anos, acumulou muita experiência, obteve vitórias extraordinárias, mas viu, sobretudo quando participava do Governo João Goulart, este País sob as trevas de um regime ditatorial, de um regime militar, que o levou ao exílio. Ele tinha imaginado até uma reação mais forte do que a que seu amigo, o Presidente João Goulart, promoveu diante da conspiração, diante da derrubada daquele governo do qual foi Chefe da Casa Civil.

Um colega de governo, o então Ministro Evaristo de Morais, dizia-me hoje de manhã, no velório, que se preocupava um pouco com o fato de Darcy Ribeiro e o Ministro Raul Ryf estarem permanentemente falando coisas que de alguma forma levavam o Governo a uma certa instabilidade. Era a permanente vontade de fazer as coisas funcionarem, de transformar as coisas. Aquilo incomodava muitos, incomodava os poderosos, que não quiseram aceitar a reforma agrária, hoje responsável por iniqüidade tão grave, que faz com que o Governo Fernando Henrique Cardoso, querendo ou não, tenha que se preocupar com isso muito mais do que a composição de forças de seu Governo gostaria de fazê-lo.

Darcy Ribeiro, sobretudo neste Projeto Caboclo, mostrou sua experiência, mostrou seu ideal, a possibilidade de caminharmos para aquilo que era a sua antevisão, de os brasileiros poderem construir uma grande civilização nos trópicos no terceiro milênio.

E qual é a base desta nova civilização? São as formas de organização social, baseadas não no egoísmo, não no interesse próprio, mas na solidariedade. Por essa razão e conhecendo de perto como vivem os caboclos, como vivem os índios, é que ele propôs formas cooperativas de grupos, de famílias se organizarem na floresta amazônica, seguindo os ensinamentos de Chico Mendes, aproveitando as riquezas da floresta - a caça, a pesca, os minérios, as águas, as frutas e tantas coisas que ali existem -, mas sobretudo preservando a floresta, aproveitando a sua riqueza sem destrui-la.

O legado de Darcy Ribeiro é imenso, extraordinário. Feliz a juventude brasileira que puder apreciar, ler seus livros. Assim como Darcy Ribeiro sabia amar tanto o ser humano, sabia amar as mulheres, sabia, como disseram os companheiros, transformar a vida deste Senado, porque ele fazia com que todos os dias a vida valesse a pena. Era o grande professor, o Reitor da Universidade de Brasília, seu criador, criador de outra universidade fluminense, criador dos CIEPS, criador do Sambódromo, que também transformou em escolas, que sabia seguir a lição e recomendar aos seus alunos que vale muito a pena vivermos todos os dias intensamente.

Darcy Ribeiro amou o Brasil com extraordinária intensidade e deixou-nos extraordinário legado. Um grande abraço ao amigo fraterno.

Registro, Sr. Presidente, que, neste instante, estão acompanhando o seu enterro a Senadora Benedita da Silva e os Senadores Sebastião Rocha, Carlos Patrocínio e Artur da Távola, que também gostariam de estar homenageando-o nesta sessão especial.

Sr. Presidente, Darcy Ribeiro deixa para o Brasil um extraordinário presente. Vamos sempre nos lembrar com alegria do seu sorriso e da sua extraordinária colaboração.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4108