Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4110
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de participar desta homenagem póstuma ao companheiro Darcy Ribeiro, mesmo sabendo, de antemão, que nenhuma homenagem será bastante para fazer-lhe justiça.

Nem sequer seu nome esteve à altura de seus feitos: não cabia nas estreitas margens de um simples ribeiro um entusiasmo cívico de amplidão oceânica.

Assim, antes de uma homenagem, que tantos nesta Casa e fora dela saberão prestar-lhe com mais propriedade, quero apenas e brevemente consignar aqui meu lamento e juntar-me a dor de tantos brasileiros, inclusive de meu Estado - Amapá - pela perda de um autêntico grande homem.

Homem de notório e multifário talento, Darcy foi um mestre em tudo o que fez, seja como educador, seja como parlamentar, seja como administrador, seja como homem de ciência ou de letras.

Tinha de ser magistral quem teve o magistério por vocação e destino, o País por escola e a cidadania como única disciplina.

Foi, sobretudo, um professor de cidadania.

Intelectual orgânico, ninguém como ele soube juntar a teoria à ação, só pensando e formulando em cada momento, na exata medida do seu sentimento da necessidade de intervenção concreta na realidade social e política.

Toda sua energia e força criadoras estavam a serviço de, não somente pensar o Brasil, mas, acima de tudo, de transformá-lo.

Muito da idéia de Brasil que temos hoje devemos ao gênio de gente da estirpe intelectual de Darcy, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e outros poucos, que ousaram construir modelos explicativos da realidade nacional a partir de nossas especificidades e não pela aplicação mecânica e simplista de esquemas e soluções importadas.

Darcy foi, portanto, na sua simplicidade generosa e brincalhona, além de um sábio, um dos pais fundadores do Brasil, da nacionalidade brasileira, pelo menos, no sentido da imagem de Nação de que dispomos para pensar e, como ele, transformar.

De toda a sua obra teórica e empírica, o mais notável legado de Darcy, foi, na minha opinião, a experiência realizada no Rio de Janeiro da construção dos Centros Integrados de Educação Pública, os escolões, conhecidos como CIEPS.

Ali, ele nos dá a maior lição prática de cidadania, ao propor para a infância miserável do Rio de Janeiro, uma escola nova, bonita, grande, confortável, de tempo integral, com assistência médica e dentária, comida de boa qualidade, quadras de esportes e até piscina.

Mais do que um juízo sobre a eficiência pedagógica dessa proposta, que tanta polêmica suscitou, o novo que emerge desta revolucionária idéia é o seu efeito político-ideológico, é o poder que tem de acordar nos seus destinatários - a população despossuída e abandonada pelo poder público - a consciência de cidadania.

Os CIEPS tiveram, durante o curto período em que puderam florescer, o condão de mostrar aos excluídos uma possibilidade de inclusão concreta na sociedade, através da ação estatal, através de uma política pública promotora de integração social, capaz de, por si só, revelar a quem só conhece a omissão e a violência policial do poder público, uma outra face do Estado, a de aliado, a de ente da mesma natureza que a sua, no seio do qual é possível realizar-se a utopia iluminista da igualdade por meio da lei.

Este o grande ovo de Colombo dos CIEPS: ensinar igualdade e cidadania aos proscritos sociais, com a linguagem da ação prática de governo, única acessível a quem se encontra no nível mais baixo da sobrevivência física e, portanto, sem precisar recorrer a doutrinações dogmáticas e à retórica vazia, tão presentes no nosso meio político, inclusive de esquerda.

Este o Darcy Ribeiro imortalizado em vida pela sua obra, credor de nossa admiração e respeito como combatente infatigável da utopia da igualdade, numa sociedade crivada das mais revoltantes desigualdades, filha legítima da escravidão e do colonialismo, tantas vezes denunciados por ele.

Darcy não teve filhos; se em dívida ficou com a espécie, saldou-a com sobras com o gênero humano e com sua gente em sua obra civilizatória; foi criador de vida cultural e humanística, se não de vida biológica.

Não precisava de descendência e sim de seguidores este notável patriota, que se não deixou prole, deixou muitos milhões de órfãos, comovidos pela sua perda, mas, certamente, dispostos a dar continuidade a seus compromissos, e serem, assim, dignos de seu exemplo e sua memória.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4110