Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/1997 - Página 4111
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

              O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

              1 - O povo brasileiro acaba de perder uma de suas personalidades mais ilustres, um brasileiro orgulhoso de sua condição. Lutava contra o câncer há mais de vinte anos e pereceu de forma gloriosa, em plena atividade. Pleno de vida mesmo no paradoxo torturante da doença, Darcy Ribeiro, o seu nome, ou como o chamou, fazendo trocadilho em momento de rara inspiração, o jornalista Arnaldo Jabor, Darcy Brasileiro ou Brasil Ribeiro.

              2 - Natural de Montes Claros, no Estado de Minas Gerais, em uma das regiões mais pobres do País, quem poderia jamais imaginar que iria granjear a projeção conquistada e o reconhecimento de que se tornou merecedor um filho daquele recanto de Brasil que um dia já mereceu o atributo de lugar esquecido por Deus.

              3 - Aliás, nada melhor do que uma contradição inicial - a pobreza do cenário regional onde nasceu - em contraponto à riqueza de idéias, ao transbordamento criativo, à inquietação e ao incorformismo de sua alma fértil. A trajetória de Darcy tem como marco referencial essa contradição.

              4 - Darcy foi o analista arguto das contradições brasileiras sem, contudo, perder a esperança no "homem cordial". A ser menino de favela, preferia ser menino de rua, afirmou recentemente. A sua alegria movia os sonhos, cutucava a realidade mas não lhe tolhia a ação transformadora. Pelo contrário, antes a estimulava e o fazia "imorrível" como se tivesse realizado o sonho de Ponce de León e dispusesse no bolso do colete do elixir da longa vida e da fonte da eterna juventude.

              5 - Foi muito triste receber a notícia de que, aos 74 anos, morreu ontem, de câncer generalizado, como diriam os jornais, essa figura ímpar na história contemporânea brasileira.

              6 - Deixou, porém, uma obra inigualável de intelectual e de homem público. Antropólogo, educador, romancista e membro da Academia Brasileira de Letras, reconhecido internacionalmente por suas idéias relacionadas à educação.

              7 - Permanente usina de idéias inovadoras, idealizou a Universidade de Brasília de onde foi o primeiro Reitor e da qual dizia ser a sua "filha dileta ainda que temporariamente caída na prostituição", numa referência indignada e, ao mesmo tempo, irreverente, como ele próprio o era, aos duros tempos de ocupação do governo militar.

              8 - Foi Vice-Governador do Rio de Janeiro, eleito com o Governador Leonel Brizola em 1982, durante cuja gestão foram implantados os CIEPs, idéia que o governo federal encampou posteriormente nos CIACs e CAICs a partir de 1990.

              9 - Darcy Ribeiro era incansável, mas, acima de tudo generoso. A sua generosidade intelectual e humana se traduzia no prazer de compartilhar os sonhos e na chama de paixão que sempre o moveu na luta por um Brasil melhor para os brasileiros.

              10 - Impressionava a sua disposição para agir, para trabalhar, a sua vontade de viver, de gozar as experiências que o mundo lhe oferecia, de compartilhar idéias e conhecimentos com as pessoas ao seu redor.

              11 -Foi o que se viu até os últimos momentos, quando, a poucos dias do fim, fez questão de vir ao Senado Federal participar da eleição da Mesa Diretora para o segundo período da qüinquagésima legislatura.

              12 - Darcy Ribeiro enganou a morte mais de uma vez. Em 1974, por causa de um câncer, teve o retorno autorizado pelo regime militar, pois vivia no exílio e, após retirar o pulmão afetado, ironizou, como era de seu feitio: "Eles imaginaram que eu voltaria para morrer!"

              13 - Em 1994, internado devido ao surgimento de câncer na próstata, fugiu do hospital, dizendo que só fica na UTI quem está querendo morrer. Disse, ainda, que pediu ao médico para lhe dar alta e, como tivesse recebido uma recusa, resolveu fugir.

              14 - Eleito para a Academia Brasileira de Letras, o que o deve ter deixado deveras lisonjeado, pois se confessava muito vaidoso: "Eu sou realmente vaidoso. Tenho mesmo uma tendência a desprezar os modestos, porque acredito que a modéstia é uma atitude dos medíocres, daqueles que estão contentes consigo mesmo e com o mundo", Darcy levou para lá o seu charme irresistível.

              15 - Uma de suas últimas e mais importantes vitórias foi a aprovação recente da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da qual foi relator, modificando inteiramente o teor com que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, um compromisso que levou a sério e cujo resultado certamente lhe proporcionou o prazer da missão cumprida.

              16 - Ainda em sua última fase de doença, após a descoberta do câncer de próstata e a fuga para Maricá, temos a publicação de sua obra que também vai tornar-se referência para o entendimento de nossa nacionalidade, obra que leva o título de "O Povo Brasileiro" e que havia iniciado trinta anos antes.

              17 - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil perde, com a morte do Senador Darcy Ribeiro, uma de suas figuras mais brilhantes nos últimos tempos, pode-se dizer que junto com ele se vai uma preciosa parte do charme intelectual que resiste, teimosamente, abaixo da linha do Equador.

              Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/1997 - Página 4111