Discurso no Senado Federal

COMENTANDO O USO ABUSIVO DO INSTITUTO DA MEDIDA PROVISORIA E A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA A SUA EDIÇÃO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • COMENTANDO O USO ABUSIVO DO INSTITUTO DA MEDIDA PROVISORIA E A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA A SUA EDIÇÃO.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/1997 - Página 4137
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MOTIVO, ABUSO, REEDIÇÃO, EXECUTIVO.
  • CRITICA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive o cuidado, neste último fim de semana, de debruçar-me sobre o tormentoso tema das medidas provisórias e imaginava fazer uma dissertação sobre o assunto oralmente, para que pudéssemos trocar idéias sobre uma solução para esse problema.

Resolvi, porém, escrever algumas linhas, e depois publicá-las, inclusive com os antecedentes que circulam nas comissões e no plenário do Senado, a fim de que, publicadas estas palavras, possa a Nação, e em particular os mineiros, ter um conhecimento exato sobre o aspecto histórico e as perspectivas que se apresentam para a solução do problema nesta Casa.

Começo por ler o artigo da Constituição que trata das medidas provisórias:

      Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

      Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Esse é o texto constitucional, que, em nenhum momento, faz referência ou se expressa sobre o instituto da reedição dessas mesmas medidas.

Sr. Presidente, a convivência com as medidas provisórias, na forma como elas estão sendo editadas, tornou-se insustentável. Já não é mais possível tolerar a voracidade com que o Executivo legisla.

Muito menos a passividade, a lerdeza e a indiferença do Congresso Nacional. Sua omissão estimula os excessos cometidos em nome da boa ordem administrativa. O fato é que persiste um claro descompasso entre a rapidez com que se sucedem os fatos econômicos e sociais e a morosidade, ou lerdeza, com que o Legislativo responde a essas demandas da sociedade.

Apesar do enorme esforço de modernização da Casa, empreendido pela administração recente do nobre Senador José Sarney, com ênfase na informatização e divulgação da atividade legislativa do Senado, muito ainda há que ser feito.

A celeridade na produção legislativa, para reduzir a distância entre os fatos da vida real em um mundo globalizado e a correspondente ação parlamentar, é o grande desafio que se coloca para o Parlamento, não só do Brasil mas de todos os países.

Temos percebido que quando se trata de matéria polêmica, que envolve assunto de grande urgência e interesse social, o Congresso age positivamente.

Assim ocorreu, por exemplo, com a aprovação do Simples, que beneficia as microempresas; da nova regulamentação do Imposto Territorial Rural e, mais recentemente, da emenda da reeleição.

Vale, Sr. Presidente, uma breve descrição histórica. Surgida na Constituição de 1988 para substituir o decreto-lei e conter os seus excessos, a medida provisória acabou superando o seu antecessor na forma abusiva com que é editada.

Um instrumento jurídico criado pelo legislador constitucional com o propósito de facilitar a ação do Executivo, acabou se banalizando pela utilização desmedida e, em muitos casos, desnecessária.

O decreto-lei, na Constituição de 1969, editado pelo Presidente da República, tinha vigência imediata. O Congresso poderia aprová-lo ou rejeitá-lo no prazo de 60 dias. Se, nesse prazo, não houvesse deliberação, o texto era dado como aprovado.

A ação obstrutiva da base parlamentar dos Governos foi, repetidas vezes, utilizada com o propósito de transformar o decreto-lei em lei, pelo simples decurso de prazo.

Era natural que o constituinte de 1988 desejasse livrar-se do decreto-lei. E o substituísse por um novo mecanismo que assegurasse ao Executivo um instrumento de ação imediata. Ao mesmo tempo, desse ao Legislativo a oportunidade de examinar no tempo devido, desse ao Legislativo a oportunidade de examinar, no tempo devido, os atos do Executivo praticados pela via legislativa em caráter excepcional. Porém o fez de forma incompleta, abrindo espaço para a prática de abusos.

No Direito Constitucional italiano, de onde foi retirado o instituto da medida provisória, há uma referência explícita aos conceitos de "necessidade" e "urgência" para justificarem a edição de uma medida provisória.

Na Constituição brasileira de 1988, o legislador substituiu "necessidade" por "relevante". Muitos constitucionalistas criticam a adoção desse conceito de relevância, argumentando que nem tudo que é "necessário" é "relevante" e nem tudo que é "relevante" é "necessário" - melhor teria sido, talvez, que se tivesse inserido na Constituição brasileira de 88 a expressão "necessidade", de clareza mais inequívoca e, conseqüentemente, de interpretação mais tranqüila.

Em verdade, os conceitos de "relevância e urgência", mencionados no art. 62 da Constituição, têm sido desconsiderados ao longo do tempo.

Três exemplos ilustram o que acabo de afirmar. Uma medida provisória foi utilizada para alterar os valores da taxa de fiscalização dos serviços de telecomunicações. Outra, para tratar do registro provisório de estrangeiros. Uma terceira dispondo sobre a adoção, pelo IBGE, de metodologia de cálculo de índices de preços. 

Tenho minhas dúvidas sobre a relevância e, especialmente, a urgência de tais medidas. Estou convencido de que a banalização da medida provisória também se deu, de certa forma, pela exagerada recorrência do Executivo a esse instrumento.

Entre 1988 e 1996, foram editadas e reeditadas 1.807 medidas provisórias, das quais apenas 297 foram transformadas em lei. As edições e reedições foram concentradas nos três últimos anos, sendo 405, em 1994; 437, em 1995 e 566, em 1996, no atual Governo.

Atualmente, 60 medidas provisórias estão tramitando simultaneamente no Congresso. Isso importa na constituição também simultânea, de igual número de Comissões Mistas para apreciá-la. Como cada Comissão Mista é constituída por 14 Srs. Senadores, sendo 7 titulares e 7 suplentes, não fica difícil concluir pela inviabilidade de tal esquema de trabalho.

Para fugir à perda de eficácia, se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias, as medidas provisórias têm sido continuamente reeditadas. Tal prática permite ao Executivo não apenas manter a norma em plena vigência como alterá-la à sua conveniência em cada reedição.

Há o caso extremo da Medida Provisória nº 1.481, dispondo sobre o programa de desestatização. Ela já foi editada 46 vezes, mantendo-se a eficácia das suas disposições através do processo da convalidação de seus atos.

Muitos constitucionalistas de renome consideram a convalidação claramente inconstitucional.

O Professor José Cretella Júnior, em seus comentários à Constituição de 1988, diz que não há como convalidar o ato inexistente e mesmo o ato nulo.

Pelo menos 209 medidas provisórias foram reeditadas com alterações, das quais 146 apenas em 1995 e 1996. Além de reeditadas seguidamente, foram alteradas por ocasião das reedições, e versaram, em muitos casos, matéria sem nenhuma urgência ou relevância. As medidas provisórias também, vez por outra, invadem a competência privativa do Congresso Nacional.

É sabido que não cabe medida provisória em matéria penal. Duas delas, editadas em 1990, foram objeto de ação direta de inconstitucionalidade, forçando o Executivo a reeditá-las com a exclusão das cláusulas penais.

Como a criação de tributos está sujeita ao princípio da anterioridade, também não é cabível a utilização de medidas provisórias para regular essa matéria. O mesmo pode-se dizer em relação à matéria orçamentária.

A responsabilidade por esse verdadeiro caos na esfera das medidas provisórias deve ser assumida e compartilhada tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. Nossa mea culpa deve ser proclamada alto e bom som, para que sirva de estímulo à solução mais urgente possível do problema.

O Congresso Nacional tem o dever de apreciar a relevância e a urgência das medidas provisórias e decidir, soberana e corajosamente, sobre a sua admissibilidade.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FRANCELINO PEREIRA - Pois não, com muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Estou ouvindo com atenção o seu pronunciamento a respeito do que chamou - e na verdade o é - "o tormentoso problema das medidas provisórias". Queria apenas pedir a atenção de V. Exª e do Plenário para a circunstância de que há um mecanismo na Constituição, de caráter nitidamente democrático, de que os governos não se têm valido: a lei delegada. A lei delegada facilita a ação do Governo para os casos mais urgentes. O Governo solicita a autorização ao Congresso Nacional, o Congresso lhe dá e ele faz a lei. Assim, por exemplo, ocorreu no Governo Collor com a Lei da Isonomia Salarial. Sua Excelência pensava que não obteria a autorização. Alguns Parlamentares o advertiram de que, se feito o pedido com seriedade, ele a obteria; e a obteve e fez a lei. Pode não ter sido a lei mais sábia, mas era a possível naquele momento e era, entretanto, impossível no trabalho parlamentar. Por que não se usa a lei delegada para facilitar também o trabalho legislativo?

O SR. FRANCELINO PEREIRA - Esta é, Senador Josaphat Marinho, uma solução alternativa, que não invalida, sem dúvida, o caminho para buscar-se uma solução para as medidas provisórias.

Agradeço a V. Exª o importante aparte.

E mais, Sr. Presidente: uma vez admitida a medida provisória, o prazo de sua tramitação deve ser rigorosamente obedecido. Só assim o Congresso poderá manifestar-se tempestivamente, evitando, assim, o recurso, a reedição sem fim.

Esse prazo poderá ser ampliado para 60 ou até 90 dias, conforme as diversas sugestões em pauta, desde que, no seu curso, haja a manifestação do Congresso.

De todo modo, o Senado tem-se preocupado com os excessos das medidas provisórias. Tramitam nesta Casa cinco propostas de emenda constitucional, dispondo sobre a regulamentação do art. 62, da Constituição.

Para examinar essas propostas e encontrar um texto consensual, o nobre Senador José Sarney, na condição de Presidente do Senado, designou, no ano passado Comissão Especial, composta de ilustres Senadores. Dentre eles, o primeiro signatário de cada uma das cinco propostas em tramitação.

Entre maio e junho do ano passado, a Comissão Especial, presidida pelo próprio Presidente José Sarney, examinou todas as sugestões em curso e outras apresentadas por ocasião dos debates, com o objetivo de encontrar um denominador comum. A intenção era, alcançado o consenso, submetê-lo ao Colégio de Líderes que respaldaria sua tramitação acelerada no plenário.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Francelino Pereira, lamento ter que interromper V. Exª para fazer uma consulta ao Plenário. Se não houver objeções, prorrogarei a Hora do Expediente por 15 minutos, para que V. Exª possa concluir o seu discurso e para que possamos ouvir as comunicações inadiáveis que pretendem fazer dois Senadores que se acham inscritos. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, prorrogo por 15 minutos a Hora do Expediente.

O SR. FRANCELINO PEREIRA - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Coube ao eminente Senador Josaphat Marinho, como Relator da matéria, elaborar uma proposta que absorveu os itens principais dos projetos em tramitação. A proposta foi aprovada por unanimidade pela Comissão. O prazo de apreciação da medida provisória, pelo Congresso, foi aí ampliado de 30 para 60 dias.

A medida provisória terá de ser acompanhada com exposição de motivos que uma exigência que não vinha sendo atendida pelo Executivo. Não sendo apreciada no prazo de 60 dias a partir do seu recebimento do Congresso, a medida provisória perderá a sua eficácia desde a sua edição. Nesse caso, será convertida em projeto de lei, cuja tramitação obedecerá ao disposto no Parágrafo Único do art. 62 da Constituição. Ou seja, o projeto tramitará em regime de urgência.

Se, no prazo de 45 dias, não houver manifestação de nenhuma das Casas do Congresso, a matéria será incluída na respectiva Ordem do Dia. Suspende-se a deliberação dos demais assuntos até o término de sua votação. A medida provisória rejeitada não poderá ser reeditada no todo ou em parte.

Para evitar a sua utilização indiscriminada, a proposta estabelece limites para a abrangência das medidas provisórias. Elas não poderão dispor sobre matérias vedadas à lei delegada, as de natureza tributária e penal e as que forem especificadas em lei complementar.

Pela proposta, a medida provisória poderá ser emendada.

Além disso, somente lei complementar poderá dispor sobre norma a ela relativa.

A proposta não chegou a ser submetida aos líderes, e sim à CCJ, que emitiu brilhante parecer de autoria do eminente Senador José Fogaça, concluindo pela apresentação de um substitutivo que introduziu alguns pontos importantes.

Um deles é a obrigatoriedade do Presidente da República comunicar ao Presidente do Congresso Nacional a adoção de medida provisória pelo menos 48 horas antes de sua publicação.

Outra mudança estabelece que as medidas provisórias terão a sua votação iniciada na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, observado o critério da alternância simples.

Finalmente, dispõe o Substitutivo Fogaça que caberá a uma comissão mista permanente única, de Senadores e Deputados, examinar as medidas provisórias e emitir parecer antes de serem votadas pelo Plenário de cada uma das Casas Legislativas.

O Substitutivo foi complementado com a apresentação de um projeto de resolução regulamentando o art. 62 da Constituição, com as alterações sugeridas. Tanto a Proposta de Emenda Constitucional como o Projeto de Resolução foram aprovados por unanimidade pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, refletindo o interesse desse Colegiado pela solução imediata do problema.

Portanto, Sr. Presidente, há um longo caminho já percorrido. Bastará seguir a trilha aberta e chegar ao resultado almejado, à regulamentação de matéria tão importante para as relações entre o Executivo e o Legislativo.

Comungamos com as preocupações manifestadas pelo nobre Presidente desta Casa, o Senador Antonio Carlos Magalhães.

Em duas ocasiões - quando do seu discurso de posse e quando da abertura dos trabalhos da presente Sessão Legislativa - S. Exª salientou o compromisso de lutar para que o estatuto e a prática das medidas provisórias tenham um desfecho satisfatório.

Nas modernas democracias, é imprescindível o Executivo contar com um instrumento jurídico ágil, capaz de responder ao interesse público, às situações de necessidade e de urgência. Contudo, essa faculdade legislativa assumida pelo Executivo deve ser utilizada com critério e parcimônia, para que a atividade própria do Legislativo seja resguardada no interesse da convivência harmônica entre os Poderes da República.

Peço a V. Exª que considere como lidos os anexos do meu pronunciamento, que são os antecedentes desta matéria, para que sejam publicados nos Anais do Congresso Nacional.

Muito obrigado a V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/1997 - Página 4137