Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS A MEMORIA DO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS A MEMORIA DO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/1997 - Página 4196
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses três últimos dias, foram inúmeros os oradores que se expressaram a respeito da morte do Senador Darcy Ribeiro.

O Professor da Unicamp Roberto Cardoso de Oliveira disse em recente artigo, no jornal Folha de S. Paulo, que falar sobre Darcy Ribeiro exige, em primeiro lugar, que se considere quais de suas faces deverá ser focalizada, tendo em vista que durante sua longa e produtiva vida conseguiu ser antropólogo, político, ficcionista, educador, administrador, etnólogo sempre com igual sucesso. Entendo que outra face do eminente Senador está definida na afirmativa de Carlos Drummond de Andrade de que "Darcy é um monstro de entusiasmo que nenhum golpe arrefece", ou no entendimento de Leonel Brizola que, referindo-se à luta de Darcy contra a doença, afirmou que "nos últimos meses, assistimos a uma luta nunca vista entre as esperanças e idéias de um homem e o assédio de uma doença que a humanidade não conseguiu vencer".

Sr. Presidente, a morte de Darcy era previsível, mesmo assim um profundo sentimento de perda abalou a todos que tiveram a felicidade de conhecê-lo e com S. Exª conviver.

Há quatro meses, o Senador Darcy Ribeiro já temia que as dores terminais o impossibilitassem de revisar o livro de memórias que estava escrevendo. Todos nos recordamos de sua última aparição no plenário desta Casa, no dia 04 de fevereiro, quando exerceu seu último ato como Parlamentar. De cadeira de rodas, votou na sessão que decidiu entre os candidatos Antonio Carlos Magalhães - hoje Presidente da Casa - e Iris Rezende, para a Presidência do Congresso Nacional.

Discursou, pela última vez, na tribuna desta Casa, para falar de uma das suas mais importantes obras, embora uma de suas derradeiras: O Projeto Caboclo.

A propósito, o recente debate realizado acerca do assunto, que reuniu pesquisadores e especialistas da Região Amazônica em Brasília concluiu que a proposta do Senador Darcy Ribeiro para a ocupação alternativa da região, ou seja, o Projeto Caboclo, deve ser concretizada. O evento foi organizado pelo próprio Senador que considerava a proposição uma das mais importantes de sua vida.

A proposta consiste em instalar, experimentalmente, 10 ou 12 comunidades de índios e caboclos, com 50 famílias cada, em áreas de, no mínimo, 5 mil hectares.

Dizia o Senador que a sua idéia de montar cooperativas de caboclos na selva, para exportar produtos da região e impedir a sua devastação, inspirou-se nos ideais de Chico Mendes, que buscava enriquecer os seringais nativos com manejos não destrutivos e de desenvolvimento sustentável.

Sintetizando, Sr. Presidente, a proposta do Senador Darcy Ribeiro, sobre a qual li que também o Presidente da Casa se comprometeu em apoiar e a executar, busca proporcionar aos moradores da Amazônia condições e instrumentos para que eles produzam em seu próprio habitat, sem comprometer o ecossistema, evitando a migração para a periferia das grandes cidades.

Cada núcleo do projeto contará com uma grande casa que funcionará como escola, igreja e centro comunitário. Darcy Ribeiro morreu, portanto, produzindo, criando, e sobretudo preocupado com o futuro de milhares de brasileiros que vivem em condições subumanas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "morrer é fechar os olhos para viver para sempre; quem morre torna-se invisível, porém não ausente". Essas frases foram pronunciadas por Frei Leonardo Boff ontem, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, ao homenagear o Senador Darcy Ribeiro. É deste modo também que entendo a morte.

Quanto a Darcy Ribeiro, sua estrela não se apagou. Sua magnitude, seu esplendor, seu brilho majestoso continua a iluminar a humanidade, agora como parte da constelação divina, como um ente universal, entrelaçando sua resplandecência à infinita luminosidade de Deus.

A batalha que Darcy travou contra o câncer certamente será reconhecida como uma das mais memoráveis, não contra a ameaça permanente da morte, mas sobretudo em defesa da vida, sua própria vida e a vida de milhões de brasileiros, penalizados, marginalizados, condenados a desaparecer precocemente, em função da ausência de políticas oficiais voltadas para o combate à miséria e à fome. Índios, caboclos, trabalhadores sem terra, sem teto e sem emprego.

É confortável ter convivido com Darcy Ribeiro nesse pouco tempo que estou no Senado. Foi, na verdade, uma dádiva ter podido usufruir da companhia amável desse cidadão do Brasil, desse cidadão do mundo.

A imagem de Darcy, há quinze dias, quando estive em seu apartamento e quando pude, mais uma vez, ouvi-lo - e que ficará eternamente na minha lembrança -, é a imagem da destreza intelectual, da agilidade mental, do monumento cultural que sempre representou e representará para toda a humanidade.

Parecia que toda a sua energia, toda a energia que circulava no seu corpo debilitado era canalizada para sua mente, e quanto mais seu corpo agonizava, mais a intelectualidade se aguçava. Como disse alguém durante o velório, a agilidade mental de Darcy era tamanha que uma língua só era incapaz de reproduzir as palavras elaboradas em sua mente. Por isso, com freqüência, gaguejava.

O exemplo de Darcy deve ser seguido. Sua morte, muito mais do que representar o seu pretenso desaparecimento, deve orientar e guiar os jovens intelectuais, políticos, administradores no caminho em busca da vida, mesmo que, para isso, se tenha que viver o seu próprio martírio, a sua própria via crucis. Darcy assim o fez, por amor à vida e por amor à humanidade.

Essas palavras, Sr. Presidente, expressas nesta tarde, brotam do seio de toda a família pedetista, partido que Darcy ajudou a criar, a dirigir e a iluminar até os últimos momentos em que esteve entre nós. E Darcy teve reciprocidade no amor que dedicou ao povo brasileiro.

Acompanhei, no Rio de Janeiro, seu velório e seu sepultamento e pude constatar o amor que o povo daquele Estado demonstrou a Darcy Ribeiro no momento de dor. Centenas de pessoas acompanharam o trajeto da Academia Brasileira de Letras até o Cemitério São João Batista, andando a pé aproximadamente por 6km; e o corpo de Darcy Ribeiro somente pôde descer ao sepulcro aproximadamente às 19h30min em função da grande massa de pessoas que acompanhou e esteve presente no seu sepultamento.

Viva em paz, Darcy, e, na eternidade, envia teus fluídos espirituais para alimentar e irrigar a nossa mente e os nossos corações para que possamos produzir e dedicar mais amor pelos nossos irmãos, sobretudo àqueles que mais necessitam de nós.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/1997 - Página 4196