Discurso no Senado Federal

EMOCIONADO PRONUNCIAMENTO EM HOMENAGEM AO SENADOR DARCY RIBEIRO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • EMOCIONADO PRONUNCIAMENTO EM HOMENAGEM AO SENADOR DARCY RIBEIRO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/1997 - Página 4197
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejava estar ontem na sessão de homenagem ao grande companheiro Darcy Ribeiro. Mas, como é do conhecimento de muitos, estava também acompanhando o funeral no Rio de Janeiro.

Darcy Ribeiro me emocionava demais. Não estou dizendo isso porque ele partiu. Tivemos uma convivência muito grande na luta pelos direitos dos menos favorecidos, dos negros, das mulheres, das crianças e dos povos da floresta.

Sei que ele era um homem dedicado. E como tal é bom destacar alguns pensamentos do nosso querido Senador Darcy Ribeiro.

O que o Darcy pensava sobre o Brasil? Para ele, este País precisava ter um projeto próprio. O Brasil está preparado, maduro e é isso o que me dói, dizia. Dói em mim saber que o Brasil está pronto para, em uma década ou duas, realizar-se como uma grande civilização nova no mundo. O Brasil tem tudo para ser uma grande civilização, mas a população precisa ser educada - dizia Darcy a respeito de nosso País.

Darcy era um homem que amava e ele dizia que o ser humano precisa amar. E acrescentava: a coisa mais bonita na vida é amar. Ele amava verdadeiramente o povo brasileiro, as etnias, o pobre, o humilde, o intelectual, o ignorante. Ele tinha um amor por este País como nunca pude observar em nenhum outro brasileiro. E ele nos convencia de que esse amor era talvez maior do que a própria extensão do País. Ele amava as pessoas. Era importante sentir e ter o amor de Darcy.

Darcy era um homem vaidoso. Muitas vezes conversávamos fora daqui, antes mesmo de ele ser Senador, e também aqui, e pude observar que ele era um homem que se elogiava. Lembro-me de um dia quando comecei a brincar com ele e ele me pediu que o elogiasse. Disse-lhe que deixasse disso. Ele então, com seu jeito, disse que o elogio era uma coisa maravilhosa e que ninguém podia viver sem ser elogiado. Darcy pediu-me, então, que dissesse alguma coisa e eu, brincando, disse-lhe que ele era um homem realmente vaidoso. Ao que ele replicou: não há quem não tenha vaidade.

Ele queria que os elogios fossem feitos espontaneamente, mas já que algumas pessoas, por acanhamento talvez, não os faziam, ele pedia os elogios: se você acha que o que faço é bom, se você gosta da minha amizade, se o convívio comigo é interessante, por que não dizer? Ele fazia isso. Aprendi com Darcy Ribeiro - apenas não de maneira tão ousada - a convencer as pessoas do valor que cada um de nós tem.

Em sua última entrevista, o Senador Darcy Ribeiro disse que estava carente de carinhos e de elogios. E arrematou: quem puder me elogiar que o faça agora, enquanto estou vivo, depois não importa o que digam. Se ele estivesse presente, ouviria que o tempo todo foram feitos elogios a sua pessoa.

Era interessante o modo como tratava as questões mais sérias, sempre brincando. E pareceu-me uma brincadeira o que aconteceu durante todo o tempo em que acompanhei seu funeral de Brasília até o Rio de Janeiro. Primeiro, foi o episódio da pane, em que fomos obrigados a trocar de avião. E eu pensava: "Isso é coisa de Darcy". Todos esperavam. Chegando ao Rio de Janeiro chovia muito, o que não esperávamos. Eu disse: "É coisa de Darcy". E o cortejo seguiu até a Academia Brasileira de Letras, onde o povo se comprimia e quase não havia lugar para os que ali compareceram.

No dia seguinte, fomos surpreendidos com o atraso do carro do Corpo de Bombeiros. O povo estava alvoroçado, a hora do enterro estava chegando, e ninguém sabia como resolver a questão.

Fizemos apelos, o carro chegou, mas não era adequado. A multidão subia no carro e o ajeitava. Pensei: é coisa de Darcy, não pode ser diferente. Não havia transporte. A multidão com suas bandeiras tomou as ruas e determinou: iremos a pé.

Andaram mais de 6km, e eu não pude fazer o percurso a pé, fui de carro. No cemitério, havia outra multidão aguardando Darcy. E eram feitos elogios e mais elogios. Ninguém arredou pé dali, mesmo sabendo que o sepultamento iria demorar. Foi a primeira vez que vi um enterro ser feito à noite; todos têm horário, o do Darcy não teve.

Demos a ele tudo aquilo o que ele havia planejado anteriormente. Foi uma desorganização total e, ao mesmo tempo, uma confraternização enorme. Eram risos, lágrimas, elogios e compromissos que cada um ali assumia com a causa que ele abraçou.

Sobre o câncer, uma luta de mais de vinte anos, não quero falar, porque sei que todos os oradores falaram sobre como Darcy Ribeiro driblou, com muita competência, a doença e chegou ao momento final de todos nós com a cabeça erguida. Uma pessoa que leva vinte anos lutando contra uma doença passando para nós toda sua força, toda sua energia e garra, nos faz sentir vergonha quando temos algum problema em nossas vidas e nos abatemos. Se Darcy pôde lutar, nós podemos também.

Darcy Ribeiro partiu mas deixou um grande trabalho, que todos já citaram; deixou feitos, coragem, ousadia e rebeldia. Por tudo isso eu o chamo de Senhor Educação.

Para o sonhador e realizador Darcy Ribeiro, o ideal para a criança era a escola pública e integral. Acompanhei de perto esse projeto de Darcy. Ele desejava que existisse, nas várias comunidades em que trabalhávamos, um local onde as crianças pudessem estudar e ter lazer. Ali ficaria protegida e, ao mesmo tempo, livre. Sei que Darcy não conseguiu realizar todos os seus sonhos, mas quero crer que ele conseguiu sensibilizar todos nós, para dar continuidade a esse projeto.

Darcy foi um homem de livros. Escreveu várias obras. Quem de nós não conhece todas elas? O Povo Brasileiro foi exatamente a obra que, quero crer, mobilizou o Brasil e o exterior. Após sua leitura, passamos a compreender melhor as contradições, a situação do País, suas saídas.

Darcy fez isso com muito amor. É preciso ter muito amor, para, nas condições em que se encontrava, conviver com os índios de várias partes do País como ele conviveu por dez anos e relatar com tanto propriedade, como relatou, aqueles momentos ali vividos quando escreveu Utopia Selvagem e Uirá Sai à Procura de Deus. Conhecemos suas convicções filosóficas. Ele não cria em Deus, mas tinha muita fé, tinha muita esperança. Tive oportunidade de conversar com ele sobre Deus. O respeito que Darcy tinha por todos nós que acreditamos em Deus era muito grande. Eu dizia a Darcy: você é tão cristão em suas ações! Você causa inveja a muitos cristãos, que não têm, como você, compromisso com os menos favorecidos, com aqueles que nada possuem e com aqueles que querem dialogar e não podem porque sequer puderam freqüentar uma escola primária!

Darcy Ribeiro falava de qualquer assunto, com a mesma propriedade, com os intelectuais e com os chamados homens e mulheres comuns. Ele sabia perfeitamente como fazê-lo.

Não posso deixar de destacar a sua grande luta em prol da raça negra no Brasil. Ele a reconhecia e a considerava importante. Quantas e quantas vezes vi aquele homem defendendo a raça negra! Nele, eu tinha um grande parceiro, que perdi. Ele nos ajudou muito a tratar dessa questão. Como antropólogo, Darcy Ribeiro conhecia perfeitamente as injustiças étnicas cometidas em nosso País. Tinha grande preocupação com o povo brasileiro, preocupação esta que fez com que escrevesse vários livros.

Darcy Ribeiro, mesmo sendo um homem letrado, pôde ouvir aqueles que não freqüentaram as escolas, para fazer deles parceiros e não apenas para ter inspiração para seus livros.

Darcy Ribeiro deixa saudade, uma saudade muito particular.

Sei que um câncer tirou a sua vida, mas não pôde destruir os benefícios e a esperança que ele gerou para milhares de crianças no Estado do Rio de Janeiro e no Brasil.

O seu ideário educacional teve muitos fôlegos e, no início da década de 90, ganhou nova vida com a universidade que criara no Norte do Estado.

Confesso que é muito difícil falar de alguém como Darcy, alguém que se foi.

Queria prestar-lhe uma homenagem muito grande, queria chegar nesta tribuna e dizer tudo que conhecia dele, dizer o quanto fomos companheiros e amigos, mas vejam: estou tomada de emoção.

Mesmo assim, dentro dos meus limites e muito emocionada, por isso pediria o registro do meu pronunciamento na íntegra, pensei que pudesse fazer este pronunciamento. Vejo que não posso, não tenho condição. Escrevi algo, de próprio punho, para que, caso me faltasse a voz, alguém pudesse ler. Eu o fiz dentro dos meus limites e da minha simplicidade.

Meu amado companheiro:

de pequena estatura.

Coração gigante.

Homem das letras.

Da natureza viva perpassante, do casamento nobre.

Deslumbrante do saber com o viver.

Profundamente mergulhou nos sonhos.

Decididamente penetrou nas matas.

Matas verdejantes que se inclinavam diante de sua ousadia.

Oh! Amado companheiro, amante:

De mim, de nós, do Brasil.

Quisera florescer o vale só para ti.

Quisera que as águas, em murmúrio constante, falassem só para ti.

Mas Deus, o meu Deus, cuidou em fazer da natureza nosso teto, nosso chão, nosso ar, nossa paixão e privilegiou você.

Sapiência inigualável, humanitário, contagiante, bendito foi entre nós.

Mostrando que um filho teu não foge à luta, foste incansável.

Obrigado, Darcy. Nós, mulheres, negros, indígenas, crianças, recebemos de ti, para as nossas causas, um contorno relevante.

Sem pausa, sem rima, sem bajulação.

Tu és o máximo, e como diz a canção popular:

"Eu sei que vou te amar por toda a minha vida."

E a sua ausência, Darcy, será sentida por todos nós.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora Benedita da Silva, V. Exª permite-me um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Fui testemunha ontem, no Rio de Janeiro, do extraordinário carinho que o povo de seu Estado tinha, e tão merecidamente, pelo Senador Darcy Ribeiro. V. Exª bem salientou a importância de Darcy Ribeiro, sobretudo para os negros, para os índios e para todo o povo que ele amou com tanto fervor. A presença de V. Exª, acompanhada do vereador Pitanga, de anteontem até ontem, desde o velório até o momento em que o Senador Darcy Ribeiro foi enterrado, foi muito importante, especialmente por ser também Senadora pelo Rio de Janeiro e pertencer ao Partido dos Trabalhadores. O Senador Darcy Ribeiro, como uma das principais lideranças do PDT, reiteradas vezes disse que nossos Partidos deveriam estar muito mais juntos do que se digladiando. No programa Roda Viva, que o entrevistou em abril de 1995, reprisado na última segunda-feira, em sua homenagem, Darcy Ribeiro observava que em países da Europa, como a França e a Itália, por décadas, o Partido Socialista e o Comunista estiveram brigando mais entre si, disputando áreas, do que propriamente com os seus principais adversários. V. Exª, Senadora Benedita da Silva, teve percepção semelhante. É preciso que as recomendações feitas pelo Senador Darcy Ribeiro para tantas coisas importantes no Brasil, como organizações solidárias como as cooperativas, base do seu Projeto Caboclo para a região amazônica, possam ser levadas adiante, sobretudo no momento em que recordamos a sua contribuição. Suas palavras sobre a importância de partidos fraternos - PT e PDT estarem mais juntos - também devem ser ressaltadas neste momento. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Nobre Senador Eduardo Suplicy, não tecerei nenhum comentário, pois estou tomada de emoção, o que é perfeitamente justo e natural. Agradeço a V. Exª o aparte.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/1997 - Página 4197