Discurso no Senado Federal

SUCATEAMENTO DO PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO, COM A ABERTURA COMERCIAL AOS PRODUTOS ESTRANGEIROS. DESEMPREGO MUNDIAL NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • SUCATEAMENTO DO PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO, COM A ABERTURA COMERCIAL AOS PRODUTOS ESTRANGEIROS. DESEMPREGO MUNDIAL NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/1997 - Página 3723
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FORMA, EXECUÇÃO, GOVERNO, MOTIVO, AUMENTO, DESEMPREGO, FALTA, ATENÇÃO, INDUSTRIA, POLITICA CAMBIAL, PROVOCAÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil começou a ser descoberto quando um outro Henrique - D. Henrique, o Venturoso - fundou a Escola de Sagres. Aquela escola inflou as naves de Vasco da Gama no caminho para o Cabo da Boa Esperança, bem como inflou as velas de Pedro Álvares Cabral em direção ao Brasil.

D. Manoel, o Venturoso, é, portanto, o responsável pelo início europeu de nossa Pátria. Mas é um outro Henrique, não o Venturoso, mas D. Henrique, "o Mentiroso", que parece comandar o processo de sucateamento do Brasil. E vêm essas medidas de entrega das riquezas nacionais, de abertura a uma concorrência desenfreada e invencível; concorrência dos produtos chineses que vêm destruir nossa indústria têxtil e de confecções, os nossos sapatos, nossos tênis, nossas porcelanas, o nosso parque industrial construído com imenso sacrifício. E a taxa de câmbio que aí está, em relação a qual, desde o princípio, lançamos as nossas advertências, favorece essa invasão por parte das mercadorias estrangeiras, principalmente as que partem da China e dos Tigres Asiáticos.

Para preparar o engodo do Plano Real, para que ele dure mais do que os sete meses do Plano Cruzado I, os relojoeiros - aqueles que sabem perfeitamente montar esses mecanismos econômicos, financeiros e cambiais - estão preparando e colocando dentro desse mecanismo uma bomba-relógio, que um dia explodirá.

Na ocasião da implantação do Plano Real, chamado por FHC de um plano-processo, como se tudo mais não fosse um processo, muitos desses relojoeiros confessaram que era preciso ter muito cuidado com o timing, com a cronometragem, para evitar que o Plano e as suas âncoras viessem a dar água e apodrecer antes das eleições presidenciais que levaram FHC ao poder.

O Presidente do Real, portanto, pretende manter-se por mais seis anos no poder, pelo menos, porque, de início, eles falavam em 20 anos de permanência na chefia do Executivo nacional.

Encontramo-nos, após mais de dois anos da sua implantação, numa situação de completo engessamento, de completa impossibilidade de consertarmos os defeitos, os anacronismos, as dessincronias que estão dentro desse Plano Real e que inexoravelmente nos levarão a aprofundar ainda mais essa crise.

Não é preciso ser economista. Fernando Henrique Cardoso disse que para sentar na cadeira presidencial não é preciso ter lido nada do que Sua Excelência leu. Portanto, as eleições deveriam ser estendidas também aos analfabetos, porque não é preciso, de acordo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ter lido nada do que Sua Excelência leu para sentar-se na cadeira presidencial. Mas também não é preciso ter lido nada para perceber que o que se passa no Brasil é uma parte, sim, do desastre que a ressurreição do capitalismo neoclássico ocasiona em escala mundial. Um bilhão de desempregados no mundo: esse é o resultado do downsizing, da reengenharia, da modernidade, do sucateamento dos trabalhadores e da vida humana; um bilhão de desempregados, 800 milhões de pessoas passam fome. E, sorridentes, aqueles que governam as alavancas para salvar o capital e o lucro não se incomodam, estão anestesiados em relação à consciência social que deveria existir no coração também dos capitalistas.

O capitalismo keynesiano é aquele em que se faziam obras públicas pela tecnologia e se contratavam trabalhadores desempregados como funcionários públicos, principalmente - como dizia Lorde Keynes - em atividades wholy wasteful, completamente dissipadoras. Keynes disse que só conhecemos o pleno emprego durante a guerra e repetiu seis vezes que eram necessárias despesas de guerra e um grande déficit orçamentário - com o governo gastando, comprando e reempregando trabalhadores - para que o capitalismo saísse de sua crise. Depois da II Guerra Mundial, a Guerra Fria substituiu a guerra quente e possibilitou que nada fosse mudado na estrutura do capitalismo keynesiano.

Agora, ele entrou em crise; agora, o Governo secou as suas tetas; agora, o Governo não pode mais fornecer aos capitalistas, aos comerciantes, aos industriais as tetas a que Delfim Netto se referia, nas quais eles sempre mamaram, ainda de acordo com o Deputado Delfim Netto. Secaram-se as tetas; o lucro não pode mais jorrar do Governo mediante doações, incentivos, estímulos e, principalmente, da ciranda financeira que beneficiava toda a classe capitalista. Diante desse jorro que secou, diante dessa fonte de lucro que secou, o Governo, que antes reempregava humanizando um pouco as relações capitalistas, a tecnologia, a eficiência que se faz às expensas do homem e da natureza, esse anestésico keynesiano do reemprego transformou-se em oposto e o Governo também passa a desempregar. Secado o juro, secado o lucro, onde obter, onde reativar a economia por meio de novas fontes de lucro? Somente voltando, como na economia clássica, à velha forma de explorar cada vez mais os trabalhadores que ainda se encontram empregados.

A produção maquinizada, a grande eficiência, expulsa os trabalhadores e aumenta o lucro daqueles que permanecem na cúpula das grandes empresas. É isso que se verifica nos Estados Unidos da América, de acordo com Rifkin, em seu livro O Fim dos Empregos. Os empregos estão ameaçados de extinção, e aqueles que permanecem na cúpula das empresas têm seus vencimentos aumentados enquanto as bases da produção são lançadas na rua. Portanto, é a barbárie que se instala em escala mundial, e seu nome é neoliberalismo, é modernidade, é globalização.

O que verificamos, portanto, é que essa armação que foi feita no Brasil, se aperfeiçoando, como dizem os corifeus do Plano Real, e aprendendo com os erros antigos, aprendendo com o calote que não deu certo, aprendendo com os defeitos do Plano Cruzado e de todas as tentativas subseqüentes de combate à inflação, agora, dizem eles que estão aptos a fazer com que o Plano Real tenha longa vida. Será que terá? Será que todo esse sacrifício não será em vão? Será que realmente não está havendo um processo de demissão que levou o desemprego na Argentina a 24% e que coloca o nosso não em 5%, conforme dados do IBGE - estatística falsa, estatística mentirosa do IBGE que coloca o desemprego brasileiro em 5,6%, porque levanta apenas o número daqueles que estão desempregados nos últimos seis dias. Se o trabalhador estiver desempregado há oito dias é considerado inativo e, portanto, não é contado pelo IBGE como desempregado. Se estiver desempregado há um, dois, cinco meses, é considerado inativo para os efeitos das apurações feitas. Números, portanto, mentirosos, que fazem parte daquilo que já foi chamado por um grande historiador de esquizofrenia estatística.

Portanto, verificamos, a cada dia, é que embora o Governo diga que vai tudo bem, o Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, em estudo recente, diagnosticou que ainda é tempo de salvarmos 15 setores industriais no Brasil. Talvez ainda seja possível salvar 15 setores dos efeitos desse plano. Os demais setores, obviamente, já estão perdidos. Entre esses não se incluem apenas o de tecidos, o de sapatos, o das indústrias de base, que foram completamente destruídas devido à importação de máquinas com novas tecnologias que sucatearam as indústrias de base; não apenas esses setores, cujo fracasso nós percebemos, cuja crise nós enxergamos a cada momento. Neste instante, também as empresas de porcelana pararam de produzir. De acordo com declarações e dados apurados nesse setor, mais de 15 mil pessoas perderam o emprego, só no setor de porcelana brasileiro, que foi quebrado pela invasão da porcelana chinesa. Até quando haverá um Brasil da fantasia e da mentira e outro Brasil do sofrimento duro, real?

Menem, na Argentina, está com apenas 20% de apoio da opinião pública, ele que foi reeleito há menos de dois anos, ele que lutou pela reeleição e conseguiu chegar lá, agora vê seu segundo governo totalmente desapoiado, totalmente triste, solitário. Até o próprio Domingo Cavallo, o grande artífice do plano argentino, abandonou as rédeas do Ministério e se tornou um opositor ferrenho ao Sr. Menem.

Não é preciso lembrar o que aconteceu no México onde, após uma euforia fantástica, que parecia estar dando oxigênio ao Partido Revolucionário Institucional - PRI mexicano, aconteceu a falência do sistema bancário. Foram injetados pelos Estados Unidos no México US$40 bilhões e 87% do que produzia a grande indústria automobilística mexicana, peças e componentes, era importado da Itália, da Alemanha e dos Estados Unidos.

Aumentamos nosso desemprego para dar oportunidade de emprego aos chineses, aos italianos, àqueles que importam essas mercadorias e fazem com que nossa balança comercial apresente esse déficit que tanta gente acusa.

Como conseguimos agora, de repente, transformar o superávit de nossa balança comercial em déficit? Isso acontece em todas as crises - em 1873 e um pouco antes da grande crise de 1929. É que o dinheiro, não podendo ser investido, devido à crise, no centro do capitalismo, reflui para a periferia, transforma-se em empréstimo externo para os países pobres.

Nos anos setenta, vimos a crise do centro, a crise do petróleo, a crise dos eurodólares que fez com nós brasileiros, argentinos, mexicanos, etc., nos alimentássemos desse dinheiro sobrante, desse idle money, desse dinheiro volátil, que, não podendo ser investido em seu país de origem, reflui para a periferia e se transforma em dívida externa dos países pobres. E estes, em se endividando, têm um momento de euforia: podem usar esses empréstimos externos, essa dívida externa crescente para importar bugigangas, porcelanas, sapatos, tecidos, uísque e até mesmo máquinas e equipamentos modernos.

Temos US$59 bilhões em reserva, mas esse dinheiro fácil e farto que penetra na economia brasileira permite que nós importemos aquilo que sobra do capitalismo cêntrico, provocando o déficit na balança comercial brasileira.

Essa engenharia feita agora, com tanto receio do tempo, com tão magnífica cronometragem, contém uma bomba-relógio. Esse Plano obviamente vai durar e já durou muito mais tempo do que o Cruzado I e do que a articulação de Collor, a partir do calote que nos foi dado.

A bomba-relógio continua marcando o seu tempo. É preciso, de acordo com o Governo, criar uma imagem artificial, postiça, uma fantasia estatística, para enganar o povo brasileiro por mais tempo. Mas a mentira tem perna curta. A mentira não pode durar para sempre, por mais ágeis, habilidosos e inteligentes que sejam os mentirosos.

Gustavo Franco disse que a taxa de câmbio deveria ser de um real para dois dólares ou de cinqüenta centavos de real por um dólar. Durante meses e meses, ele advogou essa taxa, ainda muito mais valorizada do que a atual, uma taxa que tanto prejudica os exportadores.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Lauro Campos, o tempo de V. Exª já se esgotou.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, vou encerrar o meu discurso.

E não adiantou nada - como falei aqui e fiz publicar na Folha de S.Paulo - a isenção do ICMS do plano do Dr. Kandir, conforme previ. Cada um dos sucessivos agentes brasileiros pelos quais passava determinado produto, a partir da produção primária, iria embolsar uma parte da isenção, e, quando chegasse no momento de exportá-lo, não haveria resultado algum para o exportador, como realmente aconteceu. Está aí a taxa de câmbio nos dominando.

Pedro Malan disse uma vez que "de início, o cachorro abana o rabo". No Brasil, o cachorro abanava o rabo da dívida externa. No momento seguinte, disse o Sr. Malan, "é o rabo que abana o cachorro". É o Brasil dominado pelo endividamento externo e que tem que passar, como aconteceu com a América Latina nos últimos quinze anos, US$222 bilhões em pagamento dessa dívida externa impagável.

A taxa de câmbio também não pode ser movida porque, numa economia dolarizada, se houver uma desvalorização de 30%, no dia seguinte, todos os preços se elevarão em 30% uma vez que estão todos dolarizados.

Por esses e por outros motivos, o mecanismo feito por eles os domina; eles estão engessados, impossibilitados de agir. Não é que o Governo tenha ficado paralisado devido à votação da emenda da reeleição; isso foi apenas um comprimido de calmante diante da massa de anestésicos que o Governo está injetando em si mesmo há muito tempo. A dívida externa é um ópio; a dívida pública um outro ópio. E este Governo se deixou levar pelas facilidades dessas viagens "opiosadas", dessas viagens endividadas.

No entanto, teremos que pagar pela dívida externa, pela dívida pública, pela dívida social o preço que não estamos pagando pela inflação que deixou de existir. Todavia, a inflação, que deixou de existir, vai cobrar amanhã o seu preço em termos de dívida interna crescente, de dívida externa completamente descontrolada e de dívida social - desemprego, fome, etc.

O tempo vai mostrar que todos esses arranjos e esse maquinismo posto em ação contêm uma bomba-relógio que explodirá no colo daqueles que a fabricaram e, obviamente, Fernando Henrique Cardoso não conseguirá ser o único da história do Brasil a terminar dois mandatos. Grande número de ex-Presidentes do Brasil não conseguiu terminar o primeiro mandato de cinco anos. O único reeleito foi Rodrigues Alves, que morreu antes da segunda posse, realizada dezesseis anos após a primeira, em 1902.

Portanto, é inexorável, está escrito mesmo e é fácil de ser lido. Dizia Leibiniz,: "O presente está sempre grávido do futuro e basta sabermos olhar para o presente para nele vermos o futuro." O futuro desta farsa não poderá ser, obviamente, um Brasil de pé, um Brasil com distribuição de renda, um Brasil com espaço para a liberdade real implantada na nossa sociedade, com espaço para um sistema de saúde, com espaço para um sistema de educação que realmente respondam e correspondam a um Brasil que quer crescer.

Portanto, concluo, Sr. Presidente, "o presente está grávido do futuro", e basta saber olhar para enxergarmos no presente aquilo que aguarda as mentiras do Governo FHC.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/1997 - Página 3723