Discurso no Senado Federal

COMENTANDO A TRAMITAÇÃO E A SANÇÃO DA LEI QUE ESTABELECE O PRINCIPIO DE DOAÇÃO PRESUMIDA DE ORGÃOS HUMANOS PARA TRANSPLANTE.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTANDO A TRAMITAÇÃO E A SANÇÃO DA LEI QUE ESTABELECE O PRINCIPIO DE DOAÇÃO PRESUMIDA DE ORGÃOS HUMANOS PARA TRANSPLANTE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/1997 - Página 3731
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • EXPECTATIVA, REGULAMENTAÇÃO, SANÇÃO, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DOAÇÃO, ORGÃOS, DESTINAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, votamos no Senado pela aprovação do projeto que estabelece o princípio da doação presumida de órgãos humanos para o transplante.

De acordo com esse princípio, todos nós somos doadores. E se não quisermos ser, bastará solicitar à autoridade competente, a qualquer tempo, que a condição de não doador seja inscrita na carteira de identidade ou na carteira de motorista.

Sabemos que a matéria é polêmica. E os debates que foram travados no plenário do Senado, no dia da votação do projeto, demostram isso.

Não houve questão fechada. Todos nós debatemos amplamente o assunto, levantamos nossas objeções e decidimos, como sempre, de pleno acordo com as nossas consciências.

O voto, contudo, é uma demonstração de afirmação. É uma definição que não contempla nem a indiferença nem a neutralidade.

O voto será sempre uma clara manifestação da vontade e um exercício da plena consciência.

Votamos a favor do projeto, que espero seja sancionado pelo Presidente da República, com o coração e a mente voltados para as dezenas de milhares de brasileiros que aguardam, anos a fio, nas invisíveis porém quilométricas filas, nas cidades e nos rincões mais distantes deste imenso País, uma oportunidade de fugir da morte anunciada.

Votamos com o pensamento voltado para dezenas de milhares de brasileiros que penam nos aparelhos de hemodiálise, duas vezes por semana, em longas sessões de até quatro horas de duração, se expondo ao sacrifício da vida como os desafortunados da clínica dos horrores de Caruaru.

Temos a convicção de que votamos também com a maioria do povo brasileiro.

De fato, as pesquisas indicam que 70% dos brasileiros são favoráveis à doação de órgãos para transplantes, refletindo o sentimento de solidariedade do nosso povo, tantas vezes demonstrada nos raros momentos das grandes tragédias.

Freqüentemente, os meios de comunicação têm apresentado pais e mães sofrendo a terrível dor da separação traumática de seus filhos. Mas ao mesmo tempo consolados por saber que eles continuarão vivendo nos olhos de quem não mais enxergava, nos rins, na medula, no coração e no fígado de doentes à espera da morte.

E sentem-se parcialmente recompensados, quando esses doentes, recuperados, declaram, emocionados, que voltaram à vida graças aos transplantes, e que, pelo resto de seus dias, serão gratos aos seus desconhecidos doadores.

De fato, o transplante permite que cada indivíduo falecido, com os órgãos em perfeitas condições, possa salvar a vida de até sete pessoas: duas córneas, dois rins, fígado, coração e medula.

Vista a questão estritamente pelo lado jurídico, torna-se necessário reconhecer a função social do ser humano nas circunstâncias previstas na nova lei, e a prevalência do interesse coletivo sobre o individual.

Mas não se pode negar que, observada pela óptica da cultura de nosso povo, a doação presumida é uma decisão forte, radical, mas, ao mesmo tempo, corajosa e avançada.

Permitirá ao Brasil, neste final de século, alinhar-se às sociedades mais desenvolvidas e que já adotam esse princípio.

Não há compulsoriedade.

Continuamos, como sempre, donos e senhores absolutos do nosso corpo, e somente nós, e mais ninguém, tem o direito de dispor dele, na vida ou na morte.

Nenhuma lei, por mais justa que seja, terá força suficiente para nos obrigar a renunciar ao que nos foi concedido pela Providência Divina.

Daí, a sabedoria da lei que acaba de ser sancionada, deixando a cada um de nós a escolha livre da nossa opção em qualquer período da nossa vida.

Reconhecemos as preocupações demonstradas por instituições e especialistas em relação a alguns aspectos que envolvem a questão dos transplantes.

Há o temor de que o ato declaratório das condições de não doador se transforme em novo inferno burocrático.

Contudo, entendemos que a lei e sua regulamentação quando simplesmente expressos no papel, constituem apenas letra inerte.

Quem lhes dá vida é o cidadão, é a sociedade mobilizada para exercitar o seu pleno direito de cidadania.

E, infelizmente, em nossos dias, o cidadão está cada vez mais sensível ao reconhecimento e ao pleno exercício de seus direitos, cada vez mais disposto a exigi-los e a defendê-los.

Há, portanto, razões para admitir que, uma boa regulamentação, a ser divulgada dentro de 60 dias após a vigência da lei, já em processo de elaboração no Ministério da Saúde, assegurará plena liberdade ao cidadão, principalmente ao cidadão pobre, para declarar suas condições de não doador, sem qualquer entrave burocrático.

Campanhas nacionais, promovidas pelos meios de comunicação, orientarão as pessoas sobre o sentido da doação e a forma de sua concretização, possibilitando que cada um tome livremente sua decisão.

Países que já adotam o princípio da doação presumida, como França, Portugal, Áustria, Bélgica, Espanha e vários Estados norte-americanos, conseguiram montar uma estrutura que permite ao cidadão exercer, sem limitações e sem entraves burocráticos, o seu direito de não tornar-se doador.

A maior oferta de órgãos evitará as práticas de tráfico e de comercialização, freqüentemente denunciadas pela imprensa, uma vez que a demanda tenderá a ficar abaixo da oferta.

A regulamentação já em elaboração no Ministério da Saúde procura colher a experiência na doação presumida em outros países, especialmente na Espanha, em Portugal e na Bélgica.

Dada a enorme extensão territorial do nosso País, deveremos adotar, se o projeto merecer a sanção presidencial, o sistema de uma Central Nacional de Transplantes e de centrais estaduais, que se encarregarão das providências destinadas a garantir, no tempo devido, o transporte e a utilização de órgãos.

A instituição do sistema de lista única, nos estados, deverá evitar uma disputa por órgãos, eliminando os privilégios e assegurando igualdade de direitos a todos os doentes.

Os estados serão obrigados a garantir o acesso de todos os pacientes à lista de transplantes, que deverá seguir, rigorosamente, a ordem cronológica de registro.

A regulamentação exigirá dos hospitais que fazem transplantes uma periódica prestação de contas às centrais estaduais, abrangendo a qualidade dos serviços, a rejeição de órgãos e o acompanhamento dos transplantados.

O argumento, desenvolvido em alguns segmentos de opinião, de que não há estrutura no País para a captação de órgãos de tantos doadores não é sustentável em nosso entendimento.

O próprio aumento da oferta e da procura de órgãos exigirá a ampliação dessa estrutura, a qual poderá ser financiada com os R$400 milhões que o Governo gasta anualmente com as clínicas de hemodiálise, onde muitas vezes paga por um serviço de baixa categoria.

Os temores quanto a uma aceleração da morte de alguns pacientes para obtenção de órgãos, sem dúvida um ato criminoso, existem e sempre existirão, mas certamente vão desaparecer em face da grande coleta de órgãos e da vigilância da sociedade e de suas instituições.

Trata-se de questão que diz respeito ao descumprimento de princípios éticos da medicina e que deve ser tratada no âmbito das entidades que reúnem os médicos e que deve ser punida de forma exemplar.

Vamos aguardar a votação e a regulamentação da lei, na expectativa de que as objeções ao princípio da doação presumida, levantadas por figuras e instituições respeitáveis, sejam afastadas por regras rígidas de controle, e que a maior oferta de órgãos prolongue a vida de dezenas de milhares de brasileiros.

Nos tempos de hoje, o povo exerce o supremo poder de fiscalizar com absoluta nitidez e eficiência. Ninguém mais o ilude. Tudo agora é feito às claras, aos olhos de todos.

A regulamentação deverá ser clara. Se amanhã for preciso alterar a lei ou até mesmo revogá-la, que se faça, sempre no atendimento aos anseios da sociedade.

Este é um País em permanente transformação. Os fatos políticos, econômicos e sociais ocorrem com grande rapidez. E o Congresso Nacional, que representa o povo, há de decidir sempre de acordo com os sentimentos da sociedade.

A nova lei traduz a vontade da grande maioria do povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/1997 - Página 3731