Pronunciamento de Júlio Campos em 03/02/1997
Discurso no Senado Federal
LUTA PELA LIBERTAÇÃO DO TIMOR LESTE DO DOMINIO MILITAR DA INDONESIA.
- Autor
- Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
- Nome completo: Júlio José de Campos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INTERNACIONAL.:
- LUTA PELA LIBERTAÇÃO DO TIMOR LESTE DO DOMINIO MILITAR DA INDONESIA.
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/02/1997 - Página 3741
- Assunto
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
- Indexação
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- ANALISE, LUTA, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, OBTENÇÃO, INDEPENDENCIA, DEMOCRACIA, JUSTIÇA, PAZ, SOBERANIA, LIBERDADE.
- CRITICA, POSIÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VENDA, ARMA, PAIS ESTRANGEIRO, INDONESIA, INVASÃO, TIMOR LESTE.
- DEFESA, NECESSIDADE, COMUNIDADE, LINGUA PORTUGUESA, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, APOIO, INDEPENDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a concessão do Prêmio Nobel da Paz de 1996 traz à cena o drama vivido pelo Timor Leste. Esse país, pequeno país encravado no sudeste da Ásia, mal teve tempo de respirar a liberdade conquistada em 1975.
Portugal saiu, a Indonésia entrou. Lá está até hoje e há 21 anos domina a ex-colônia lusa com mãos de ferro.
Claro que a ocupação não foi pacífica; não foi e não é. Nos quase 25 anos de lutas, morreram 300 mil habitantes, nada menos, Sr. Presidente, que a quarta parte da população timorense.
Eles pagaram com a vida a ambição mais legítima que um povo pode ter: ambição por algo de que nós brasileiros desfrutamos há mais de 170 anos. Falo, Sr. Presidente, da ambição pela soberania. Por ela, 300 mil timorenses banharam o solo daquele continente distante com o próprio sangue. Jorraram-no por uma causa nobre: a aspiração de decidir o próprio destino, o direito de continuar falando a língua portuguesa, que é também a nossa língua.
Sr. Presidente, preclaros Senadores aqui presentes, a tirania da Indonésia quer privar o Timor Leste do próprio idioma, quer impor-lhe o idioma do invasor, violência cultural inaceitável neste limiar do terceiro milênio.
Ainda hoje, pela manhã, assisti, pelo Sistema NET de Televisão, a um programa em que foi veiculada a notícia de que o Ministro da Justiça de Portugal, na reunião da Comunidade Européia, fez um apelo para que os países daquela Comunidade manifestassem solidariedade com a situação difícil em que vive o povo de Timor Leste.
No entanto, naquela reunião de Bruxelas, os países da Europa lavaram as mãos porque entenderam que esse pequeno país está num outro continente - na Ásia - que nada tem a ver com o continente europeu.
Curiosamente, o mundo vem-se mantendo indiferente ao drama vivido por aquele povo irmão. Os próprios países da comunidade de língua portuguesa estão em falta com o Timor Leste. A diplomacia brasileira tem-se revelado excessivamente pragmática. Tapou os ouvidos aos clamores dos homens daquele chão, indelevelmente a nós ligados pela mesma herança colonial.
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe, diz a sabedoria popular. O silêncio em relação ao Timor Leste começa a ser quebrado. Graças à repercussão do Nobel, começa a ser levantado o manto de suspeito silêncio e inexplicável cegueira que há mais de duas décadas cobre o drama daquele país.
Os laureados, Bispo Ximenes Belo e o Jornalista e Acadêmico José Ramos Horta, ambos defensores da autodeterminação do Timor Leste, trouxeram à baila fatos antes insuspeitados.
Verdadeiro genocídio lá se pratica, Sr. Presidente. Há resoluções da ONU que obrigam a retirada imediata das tropas indonésias do território timorense. O país invasor ignora, como lhe convém, as decisões da organização internacional. E fica por isso mesmo.
O curioso, porém, é que as Nações Unidas fazem de conta que nada acontece, não promovem nenhuma sanção capaz de obrigar o cumprimento das resoluções. Há bem pouco, o mundo presenciou atitudes enérgicas da ONU. Está vivo em nossa lembrança o rigor com que o Iraque foi tratado na hora de serem aplicadas as resoluções do organismo internacional. Por que dois pesos e duas medidas?
Sr. Presidente, Srs. Senadores, pior do que a omissão dos povos de fala portuguesa e a indiferença das Nações Unidas é a venda de armas ao país invasor. Muitos países da Europa continuam a fornecer à Indonésia aviões de combate, helicópteros, tanques, aparelhos de tortura, armamentos sofisticados, cujo destino é um só: a perpetuação da tirania contra um povo indefeso. Povo que, depois de cinco séculos de colonização, quer ser dono do seu próprio destino.
Ninguém é suficientemente ingênuo de imaginar que a simples concessão do Prêmio Nobel da Paz seria suficiente para deter a violência no Timor Leste. Claro que não. O que a homenagem a dois timonenses fez, isto sim, foi mostrar ao mundo o Timor Leste. O Nobel foi capaz de levar o desconhecido país às manchetes dos jornais e aos noticiários de televisão, das rádios pelos quatro cantos dos cinco continentes deste mundo.
Hoje, graças ao prêmio, não há governo, não há organização não governamental, não há veículo de comunicação que desconheça a luta do Timor Leste na busca da democracia, da justiça, da paz e, principalmente, da liberdade.
Sr. Presidente, há alguns dias, o Presidente da República Federativa do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, recebeu a visita de um dos líderes da resistência do Timor Leste, o Prêmio Nobel José Ramos Horta. Na oportunidade, dispôs-se a trabalhar como "embaixador discreto" pela autonomia daquele país encravado no sudeste asiático.
Embora tímida e cautelosa, a posição do Brasil ensaia escrever novo capítulo na história de omissão e descaso que vimos escrevendo no relacionamento com o Timor Leste. Até há pouco, entre os países da comunidade lusófona, só Portugal vinha revelando algum empenho pela libertação da antiga colônia.
É muito pouco, convenhamos. Ao nos tornamos membros de uma comunidade, aderimos à nova concepção de vida - obrigamo-nos a ter visão mais ampla do mundo que nos rodeia; responsabilizamo-nos por nossos destinos e solidarizamo-nos com o destino dos outros.
O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Júlio Campos, V. Exª me permite um aparte?
O SR. JÚLIO CAMPOS - Senador Eduardo Suplicy, ouço V. Exª
O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador Júlio Campos, solidarizo-me inteiramente com as palavras de V. Exª em favor do povo de Timor Leste, ao se engajar na luta sobre a qual já nos pronunciamos aqui, inclusive na ocasião da visita ao Brasil e ao Senado Federal dos laureados com o Prêmio Nobel da Paz José Ramos Horta e o Bispo Ximenes Melo. Conforme V. Exª ressaltou, foram laureados em função de sua extraordinária luta pacífica para que o povo daquele país possa alcançar a sua independência. É preciso que a diplomacia brasileira, o Itamaraty, o Ministro Luiz Felipe Lampreia, o Presidente Fernando Henrique Cardoso dêem passos mais efetivos de apoio à luta do povo do Timor Leste por sua independência. Para nós, os brasileiros, é muito importante. Afinal, trata-se do reconhecimento a uma comunidade que também fala o português e luta pela sua liberdade. A própria ONU já formulou um plano de paz que envolve o direito de o povo do Timor Leste realizar um plebiscito, em condições de soberania e igualdade, para que possa votar bem-informado sobre as alternativas apresentadas. Avalio que o pronunciamento de V. Exª pode ser mais um alerta, mais uma luz para que o Ministério de Relações Exteriores atue com maior rigor sobre esta questão. Quando esteve com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Nobel da Paz José Ramos Horta disse desejar a presença do próprio Chefe do Executivo do Brasil e também que, caso Sua Excelência não pudesse comparecer, enviasse alguém em seu lugar. Iria o Presidente José Sarney, que acabou não podendo ir. Então lá compareceu o ex-Presidente Itamar Franco, figura de grande peso, que ressalta, sobremaneira, o apoio do governo brasileiro à causa do Timor Leste. O ex-Presidente Itamar Franco, quando Embaixador do Brasil em Portugal, procurou compreender melhor a causa daquele povo e, acredito, deu alguns passos para impulsionar esse apoio. O discurso de V. Exª é outro passo importante nessa direção. Por isso, eu me solidarizo com o nobre Senador.
O SR. JÚLIO CAMPOS- Agradeço o aparte do eminente Senador Eduardo Suplicy. Realmente, a primeira vez que senti o drama do povo timorense foi na Assembléia Nacional Constituinte, nos idos de 1987/88, quando ainda era Deputado federal. Então fiz os primeiros pronunciamentos defendendo esse povo, de origem portuguesa e que fala a mesma língua dos brasileiros. Dali para cá, nossa luta sempre foi no sentido de viabilizar maior apoio da comunidade brasileira a esses nossos irmãos.
Por isso, falar em comunidade lusófona tem significado maior que o normalmente atribuído às relações entre países que falam a mesma língua. A comunidade implica nova forma de relacionamento entre os povos.
Sr. Presidente, não só a língua e a herança cultural comum constituem o alicerce em que erguemos nosso edifício comum. Há muito mais. Eles se assentam nos ideais democráticos, no respeito aos direitos humanos, no repúdio ao racismo, na reafirmação da autodeterminação dos povos.
A comunidade lusófona abriga população superior a duzentos milhões de habitantes. São duzentos milhões de vozes que, afinadas por aproximações culturais e históricas, têm volume suficiente para acordar o mundo, para denunciar, para fazê-lo voltar-se na direção de mais uma das sangrentas ditaduras desse fim de século.
Talvez a diplomacia discreta do Presidente Fernando Henrique Cardoso seja o primeiro acorde dessa melodia. É o que espero e tenho certeza de que o Congresso Nacional brasileiro, atento aos clamores dos injustiçados e oprimidos, realmente iniciará essa nova luta.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.