Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO CAOTICA DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS RECURSOS DA SEGURIDADE SOCIAL PARA PAGAMENTO DAS DIVIDAS INTERNA E EXTERNA.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SITUAÇÃO CAOTICA DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS RECURSOS DA SEGURIDADE SOCIAL PARA PAGAMENTO DAS DIVIDAS INTERNA E EXTERNA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/1997 - Página 3756
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ABANDONO, GOVERNO, SETOR, SAUDE, PAIS, NECESSIDADE, COMBATE, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, AUMENTO, EFICACIA, FISCALIZAÇÃO, APLICAÇÃO, VERBA, PROCEDENCIA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), INVESTIMENTO, AREA.

              O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC - Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a saúde no Brasil, em 1996, atingiu "o fundo do poço", segundo palavras do atual Ministro da Saúde, Carlos César de Albuquerque.

              Não é preciso ser Ministro da Saúde para fazer essa constatação. Qualquer brasileiro que abra um jornal de grande circulação ou assista aos noticiários das emissoras de televisão se dá conta de que a situação da saúde pública é caótica em nosso País.

              Uma rápida análise da execução orçamentária dos últimos anos deixa evidente que a saúde só é considerada prioritária nos discursos oficiais, não tendo, na prática, merecido a necessária atenção dos nossos governantes.

              Entre 1990 e 1992, os gastos com saúde foram reduzidos à metade, e a recuperação conseguida em 1993 e 1994 não foi suficiente sequer para que voltássemos ao patamar de 1989, ano em que o gasto federal per capita correspondeu a setenta e sete vírgula oito dólares.

              Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, em 1995, esse valor melhorou, subindo para noventa e seis dólares e noventa e sete centavos, mas, infelizmente, voltou a cair sete vírgula seis por cento, em 1996.

              No ano passado, portanto, o valor investido por habitante, pelo Governo Federal, foi de apenas oitenta e oito dólares e setenta centavos, e as conseqüências todos nós bem conhecemos, pois tragédias como as de Caruaru, no Pernambuco; da Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro; dos recém-nascidos, no Ceará e em outros Estados, ainda estão vivas na nossa memória.

              Felizmente, Srªs e Srs. Senadores, a situação da saúde, em 1997, parece ter perspectivas melhores.

              Graças à cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira -- CPMF, o Governo Federal manifestou a esperança de que o gasto per capita volte a crescer, em 1997, pois, neste ano, estima-se que a dotação do Ministério da Saúde ganhe um reforço de cerca de cinco bilhões de reais para o sistema de saúde brasileiro, chegando a um total de vinte bilhões e duzentos milhões de reais, correspondentes a quatro vírgula sete por cento do total geral dos recursos orçamentários da União.

              Eu disse que as perspectivas parecem melhores por uma razão muito simples, Sr. Presidente. Nada nos garante que os recursos da CPMF, que passa a ser cobrada a partir do dia 23 de janeiro, serão integralmente destinados ao financiamento das ações e serviços de saúde, como determina a norma que a instituiu.

              Como todos nós sabemos, nos últimos anos, tem havido alguns desvios de recursos que vêm prejudicando enormemente a atuação do Ministério da Saúde, impedindo que a população brasileira possa ter o atendimento à saúde que a Constituição Federal garante.

              Recursos federais da saúde têm sido indevidamente direcionados para o pagamento de encargos previdenciários dos inativos da União e para a manutenção da máquina administrativa, quando essas despesas deveriam ser feitas inteiramente pelo Tesouro Nacional.

              Além disso, parte dos bens da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social -- COFINS e da Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas -- CSL, que deveria ser aplicada na área da saúde, tem sido usada para minimizar a dívida pública.

              Em 1995, por exemplo, dos sessenta e cinco bilhões de reais arrecadados pela COFINS, a saúde só recebeu doze bilhões e oitocentos milhões de reais.

              O que ocorre, na realidade, é que a seguridade social brasileira está sendo refém do pagamento da dívida pública, Srªs e Srs. Senadores. Recursos do Orçamento Fiscal da União que deveriam estar à disposição da Seguridade Social para o pagamento de pessoal e manutenção da máquina administrativa não estão sendo aportados às áreas de saúde, previdência e assistência social.

              Devido ao não repasse desses recursos do Orçamento Fiscal, os recursos oriundos de contribuições sociais, que deveriam ser totalmente destinados ao financiamento de ações de assistência social (saúde, assistência e previdência), estão sendo indevidamente utilizados para cobrir gastos a que não se destinam.

              Não bastassem todos esses problemas, há também um outro agravante, que é do conhecimento de todos nós. Trinta por cento dos recursos do orçamento da Seguridade Social, as chamadas "receitas previdenciárias", que deveriam integrar a receita do Ministério da Saúde, deixaram de ser repassadas a partir da gestão do Ministro Antônio Britto no Ministério da Previdência e Assistência Social, com a conivência das autoridades da área econômica.

              A realidade vem demonstrando que, nos últimos tempos, os gastos sociais não têm sido considerados prioritários. As despesas com a área social têm sido comprimidas ao máximo para propiciar recursos para a salvação de bancos falidos e pagamentos das dívidas interna e externa.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o temor de que os recursos arrecadados pela CPMF não sejam devidamente aplicados que me leva a ocupar, na tarde de hoje, a tribuna desta Casa.

              A Lei nº 9.311, que instituiu a CPMF, prevê em seu art. 18 e parágrafo único, que sua arrecadação deverá ser integralmente destinada "ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde", sendo "vedada a utilização dos recursos arrecadados com sua aplicação em pagamento de serviços prestados pelas instituições hospitalares com finalidade lucrativa".

              Acontece, porém, que tem sido veiculada pela imprensa a notícia de que parte dos recursos da CPMF seria destinada ao pagamento de dívidas do Ministério da Saúde com o Fundo de Amparo ao Trabalhador -- FAT, o que contraria a lei.

              Não se trata de mera notícia de jornal, Sr. Presidente. Segundo o item 9 do texto do parecer preliminar sobre o Projeto de Lei nº 8 de 1996, do Congresso Nacional, elaborado pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, vinte e cinco por cento do valor estimado da receita da CPMF se destinaria ao pagamento dessa dívida com o FAT, em frontal desacordo com o disposto na Emenda Constitucional, que vincula a aplicação de tais recursos integralmente às ações de saúde e não ao pagamento de contas atrasadas com os hospitais particulares.

              Tudo leva a crer que haverá essa perda de recursos pois, curiosamente, nos últimos tempos, como demonstra o artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo sob o título "CPMF não é solução", o novo Ministro da Saúde, Carlos César de Albuquerque, e o Secretário-Executivo do Ministério, Barjas Negri, vêm afirmando que, mesmo com a complementação orçamentária proveniente da CPMF, haverá, em 1997, escassez de verbas federais para o setor e que a CPMF pouco representaria para eliminar as dramáticas carências do sistema.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso mudar a lógica do uso das verbas do Ministério da Saúde. Deve-se buscar a utilização eficiente dos parcos recursos com que o conjunto da população brasileira contribui para a preservação da saúde, que é um direito do nosso povo.

              É preciso que se formule uma política nacional de saúde com ênfase nas medidas profiláticas, priorizando a saúde e não a doença, minimizando as despesas com internações hospitalares.

              No caos em que o setor se encontra, atualmente, ou "no fundo do poço", como disse o atual Ministro, há que se buscar uma fonte permanente de recursos para a saúde, que deve ser financiada primordialmente com recursos advindos do orçamento fiscal, sem depender de um mecanismo temporário de arrecadação como a CPMF.

              Os problemas são muitos e graves. A rede hospitalar pública está sucateada, os equipamentos em péssimo estado de conservação, os profissionais de saúde, altamente especializados e que constituem um elemento importantíssimo na prestação de serviços à população, estão sendo desvalorizados e remunerados abaixo de um padrão mínimo de dignidade, as condições sanitárias do País estão péssimas contribuindo para a permanência de doenças infecciosas e parasitárias que vitimam anualmente milhares de cidadãos brasileiros.

              Nos últimos dias, por exemplo, as populações de três Estados da Federação, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, estão vivendo o drama de poderem contrair leptospirose, uma doença diretamente decorrente da situação sócio-econômica da população e das péssimas condições de saneamento básico dos locais em que vivem as camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

              A leptospirose é causada pela bactéria leptospira e seu principal hospedeiro é o rato, encontrado em abundância em locais sem saneamento, nos lixões das periferias das cidades, próximos dos locais habitados pelas populações mais pobres. Os ratos expelem a bactéria pela urina e contaminam a água dos bueiros, dos córregos, dos rios que transbordam inundando ruas e casas. Os seres humanos podem então contaminar-se através do contato direto da pele e das mucosas com a água infectada e contrair essa doença, que, em casos graves, atinge rins e pulmões, podendo causar hemorragias e levar à morte.

              Sr. Presidente, as precárias condições sanitárias da maior parte das cidades brasileiras fazem com que, todos os anos, no período das chuvas, haja um aumento significativo de casos de leptospirose, do norte ao sul do País. Entre 1985 e 1996, o número de casos divulgados variou de quinhentos e noventa e quatro a quatro mil e noventa e nove, sendo que dez por cento das pessoas contaminadas foram a óbito.

              As populações das áreas atingidas têm sido alertadas em relação aos riscos de contaminação e aos sintomas da leptospirose, pois a manifestação da doença pode ocorrer até vinte dias após o contágio. Há também necessidade de limpeza das casas atingidas pelas águas e cuidados com a preparação de alimentos e desinfecção com hipoclorito de sódio.

              A ocorrência de leptospirose está diretamente associada ao problema de falta de saneamento, de não tratamento adequado do lixo e de controle de roedores, e é um reflexo das péssimas condições sanitárias do País.

              Esse problema requer uma série de medidas de longo prazo e não soluções paliativas como a liberação de verbas para ações emergenciais de defesa civil, como as feitas recentemente pelo Presidente da República para os três Estados atingidos.

              É preciso que cada Região e cada Município tenham centros de controle de zoonoses e que esses centros sejam dotados de recursos financeiros e humanos durante o ano inteiro, para poder elaborar programas e implementar ações de saúde de caráter permanente, e evitar a leptospirose e tantas outras doenças infecciosas e parasitárias que ocorrem em nosso País.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao concluir meu pronunciamento, não poderia deixar de lamentar profundamente o fato de que o caos em que se encontra a saúde brasileira prejudica principalmente os segmentos menos privilegiados de nossa sociedade. A distribuição epidemiológica de várias doenças revela que elas atingem de forma quase absoluta a nossa população mais pobre.

              É preciso dar um basta a essa situação tão injusta. Urge priorizar concretamente a saúde e melhorar as condições de vida dos segmentos sociais que estão excluídos do processo de desenvolvimento econômico brasileiro.

              A saúde brasileira precisa sair do caos. Os recursos legalmente destinados ao Ministério da Saúde não podem mais ser desviados para outros fins. O Tesouro Nacional deve arcar com sua parte no pagamento de pessoal e da máquina administrativa do Ministério.

              É neste momento em que os recursos do orçamento da saúde passarão a contar com a arrecadação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que quero conclamá-los, Srªs e Srs. Senadores, a unir nossas forças e a lutar para impedir que as dívidas anteriores do Ministério da Saúde com o FAT sejam pagas com os recursos da CPMF.

              Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/1997 - Página 3756