Discurso no Senado Federal

SAUDANDO A NOVA MESA DIRETORA DO SENADO FEDERAL. COMENTANDO O DISCURSO DO SENADOR NEY SUASSUNA E POSICIONANDO-SE CONTRARIAMENTE A ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL PRETENDIDA POR S.EXA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SALARIAL.:
  • SAUDANDO A NOVA MESA DIRETORA DO SENADO FEDERAL. COMENTANDO O DISCURSO DO SENADOR NEY SUASSUNA E POSICIONANDO-SE CONTRARIAMENTE A ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL PRETENDIDA POR S.EXA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Josaphat Marinho, Lauro Campos, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/1997 - Página 3872
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, POSSE, MEMBROS, MESA DIRETORA, SENADO.
  • OPOSIÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, NEY SUASSUNA, SENADOR, CRIAÇÃO, SALARIO BASE, DESVINCULAÇÃO, SALARIO MINIMO, MOTIVO, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO, TRATAMENTO, FUNCIONARIO PUBLICO, COMPARAÇÃO, TRABALHADOR, INICIATIVA PRIVADA.

      A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, saudar a nova Mesa Diretora desta Casa, cujo Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, e Primeiro Secretário, Senador Ronaldo Cunha Lima, estão aqui presentes.

      Tenho esperança de que, ao longo dos trabalhos desta Casa, tenhamos mais uma oportunidade de convivência fraterna e respeitosa, o que sempre se deu entre nós, Oposição e Governo.

      Espero, ainda, receber da nova direção do Senado Federal as mesmas oportunidades que tive em outros momentos, o que fará dessa Mesa, sem dúvida nenhuma, uma Mesa sensível às nossas pretensões.

      Desejo ter mais projetos aprovados nesta Casa, já que fui agraciada, posso assim dizer, com três projetos aprovados em dois anos, o que muitos dos meus Pares não conseguiram. Espero que, nos próximos dois anos, eu consiga aprovar quiçá dez a quinze projetos já apresentados.

      Mas essa é a minha saudação particular, fraterna, à nova Mesa Diretora.

      Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvi o Senador Ney Suassuna, mas não o aparteei, porque tratarei do mesmo assunto.

      Foi com surpresa que, ao ler o jornal O Globo e também ao assistir ao noticiário na TV, me deparei com uma das maiores - para não dizer disparates - injustiças sociais que já vi.

      Gostaria de chamar a atenção desta Casa para essa injustiça, que poderá ser provocada por emenda que tramita no Congresso, apresentada pelo Senador Ney Suassuna. S. Exª já se manifestou dizendo que estão distorcidas as definições que foram dadas à sua proposta, e que está disposto, caso venha a trazer prejuízos aos trabalhadores, a retirar essa emenda constitucional.

      Mas, ainda que o Senador Ney Suassuna tenha falado sobre o assunto, quero tecer alguns comentários, a partir da notícia que li no jornal O Globo, e também por conta da manifestação do Senador Ney Suassuna.

      Chamo a atenção de V. Exªs, porque vejo nessa matéria dois pisos salariais. Quero me deter exatamente nesse ponto. Haveria dois pisos salariais, segundo pude ler, um para servidores públicos e outro para trabalhadores do setor privado. Teríamos, então, as duas faces da moeda. E isso me preocupou, porque essa proposta vai trazer somente prejuízos para os servidores públicos e para os trabalhadores da iniciativa privada.

      Eu perguntaria ao Senador Antonio Carlos Magalhães, defensor nº 1 do Estado da Bahia, se S. Exª concorda que trabalhadores, no Estado do Rio de Janeiro, ganhem mais do que trabalhadores que ocupam as mesmas funções no Estado da Bahia. E assim por diante.

      Ora, quando tratamos desses dois salários e descentralizamos essa política, cometemos uma injustiça, porque é a mesma a função que uma doméstica tem em uma casa na cidade do Rio de Janeiro e a função que essa mesma doméstica tem em uma casa no Nordeste. Ela vai executar os mesmos serviços. E ela é uma mão-de-obra qualificada. Não se coloca uma babá para ser cozinheira e nem uma cozinheira para ser copeira. Há uma função específica, porque existe ali a qualificação da mão-de-obra.

      O nosso País nunca teve uma política salarial. Na verdade, o que temos são reajustes. E mesmo com essa proposta, com essa emenda - segundo o que foi dito pelo Ministério do Trabalho - sequer teremos os reajustes.

      O que se está querendo fazer é puxar para baixo o salário mínimo, que, segundo sei, foi implantado para mão-de-obra desqualificada, a fim de que nenhuma pessoa, no exercício de qualquer função, recebesse menos que um salário mínimo. A cultura deste País fez com que o salário mínimo se tornasse um piso salarial. Esse piso salarial, por algum tempo, passou a ser um teto. Portanto, estamos negociando com base em um mínimo. Não reconhecemos que a mão-de-obra qualificada pode ser encontrada facilmente tanto no que diz respeito ao trabalho técnico quanto ao trabalho doméstico. Se assim não fosse, não faria diferença, por exemplo, um engenheiro ou um médico exercer a função de gari. Teríamos um salário, um salário de dois níveis. Mas seriam compatíveis com o quê? Como é que se equilibra isso? O equilíbrio se dá exatamente porque temos mão-de-obra para uma determinada função, ou seja, a a partir da mão-de-obra, estabelecemos o salário para essa ou aquela categoria. O salário não pode ser diferente só porque uma pessoa não mora no Rio de Janeiro, mas em Pernambuco. Não podemos, de forma nenhuma, aceitar uma proposta dessa natureza. Isso vai desequilibrar a renda familiar.

      O Senador Ney Suassuna, há pouco, falou que o que se busca é o equilíbrio. Se eu tenho um contrato de trabalho e recebo três salários mínimos, é claro que pretendo receber cada vez mais. Não ingresso em uma empresa pretendendo receber menos do que estou ganhando. Não; vou buscar na minha luta sindical, no meu movimento, garantir um aumento salarial ou, no mínimo, um ajuste salarial.

      Mas o que posso perceber é que o servidor vai ter a chamada livre negociação. Claro, ele vai ter a garantia de emprego por 90 dias. E depois? Depois, o patrão diz: "olha, a minha fábrica não está bem. Vamos negociar, pois você precisa do trabalho, e eu, da sua mão-de-obra. Assim, você vai aceitar receber não mais os três salários constantes no nosso contrato, mas um salário mais baixo, embora na sua carteira constem os três". Isso já existe neste País! Temos muitos servidores, muitos trabalhadores que têm um salário em carteira e recebem outro.

      Não podemos alimentar essa idéia; temos que impedir que haja apoio do Governo no sentido de que possamos rejeitar aqui essa emenda.

      O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço com prazer V. Exª.

      O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senadora, note V. Exª que, se se estabelecer esse tipo de política, o Governo, ao invés de promover a redução das desigualdades, vai aumentá-las no País; vão multiplicar-se as desigualdades. Além do que, a Constituição, no seu conjunto, além de preceitos específicos, não permite esse tipo de política. A regra fundamental na Constituição é que todos são iguais perante a lei. Esse tipo de quebra de unidade, de igualdade, é extremamente prejudicial do ponto de vista social e desrespeitador da orientação da Constituição.

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Preocupou-me muito o assunto, porque o Governo está aberto para campanhas, como a do crescimento social. E como V. Exª bem coloca, estaremos cometendo uma desigualdade sem limites, porque já há preconceito nas relações de trabalho. Estamos regionalizando o salário, quando deveríamos nacionalizá-los a partir da qualidade da mão-de-obra, e não fazer como o Governo pretende.

      Creio que essa proposta não atenderá aos reclamos da sociedade no que diz respeito à questão salarial do trabalhador. O Senador Ney Suassuna apresentou uma emenda à Constituição - estou citando S. Exª, porque segundo ele, o que publicou o jornal não é o que está na emenda de sua autoria -, que mereceu apoio do Governo através do Ministério do Trabalho. Se há esse apoio, há também interesse do Governo no sentido de que essa emenda esteja na Ordem do Dia. Portanto, uma vez que o Governo se interessou, ela não passa a ser apenas uma iniciativa do Senador Ney Suassuna, e sim matéria de interesse do Governo.

      Por essa razão, estou nesta tribuna. Entendo que as intenções colocadas pelo Senador Ney Suassuna não são as mesmas do Governo, expressas pelo Ministério do Trabalho. E se essa emenda é prejudicial aos trabalhadores, temos que impedir-lhe a tramitação, porque ela já se descaracterizou como uma iniciativa.

      O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço com prazer V. Exª.

      O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Concederei primeiro um aparte ao Senador Josaphat Marinho e depois ouvirei V. Exª, Senador Jefferson Péres.

      O Sr. Josaphat Marinho - Quero só dizer a V. Exª que talvez o Senador Ney Suassuna tenha poder de vidente.

      O Sr. Jefferson Péres - Senadora Benedita da Silva, a PEC do Senador Ney Suassuna foi distribuída a mim na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Sou o relator da matéria. Acho que, em se tratando de uma alteração tão profunda no regime salarial vigente no País e em se tratando de matéria tão polêmica, é necessário pedir audiência de centrais sindicais, de entidades patronais e do próprio Governo. Acho que um projeto desses não pode tramitar neste Senado, sem que haja ampla discussão com a sociedade.

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Penso que essa foi também a preocupação do Senador Ney Suassuna. Tenho a ligeira impressão de que não há como aceitar uma proposta dessa natureza.

      O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço, com prazer, o aparte do nobre Senador Ney Suassuna.

      O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senadora Benedita da Silva, acabo de fazer um pronunciamento onde expliquei que a minha intenção é acelerar o soerguimento do salário mínimo. Mais ainda: findar o círculo vicioso ao qual o Governo se refere com as seguintes palavras: "não podemos aumentar o salário mínimo porque a arrecadação é insuficiente". Ora, se temos um salário mínimo insuficiente, ele soerguirá, se pequenos patamares ou muitos pequenos patamares que estão acima dele soerguerem antes. Esse é o nosso objetivo e o nosso entendimento. O que foi colocado - espero que seja equívoco da imprensa - me dá a impressão de que o objetivo seria reduzir ou congelar essa base e apenas arrecadar mais. Isso foi o que falei. Pensei em fazer uma estátua de Diana, mas se sair Miss Frankenstein, essa não me interessará. Procurei saber da Mesa até que hora eu poderia retirar o projeto para reestudo. Recebi a informação de que era até a hora anterior à votação. Até o farei, porque o objetivo é o mais nobre possível: aumentar o salário mínimo, que hoje é insuficiente para que um trabalhador viva durante trinta dias, com dignidade, ele e a sua família. O meu objetivo é esse. Espero, espero mesmo - quem dera fosse vidente, como disse o nobre Senador Josaphat Marinho - em Deus que o Governo tenha a mesma intenção, para que, juntos, possamos dar um salário digno ao nosso trabalhador.

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte, Senador Ney Suassuna.

      O Governo, com essa proposta, deve entender que as atividades do trabalho serão as mesmas. Vou enfatizar sempre: serão as mesmas. Porém, o poder de compra do trabalhador do setor público irá diminuir e isso pode ser demonstrado com o exemplo simples das compras de supermercado. Tenho em minhas mãos a lista da Sunab. Todo mês, vamos ao supermercado e, apesar de vivermos num país sem inflação, constatamos que ela está lá, que os preços dos produtos aumentam semanalmente, quinzenalmente e mensalmente.

      Gostaria de chamar a atenção com um pequenino exemplo: como dona de casa que sou, também faço compras para minha casa, só que com uma relação de salário diferente da que usa minha empregada quando faz compras para sua própria casa, porque o seu salário não lhe dá a garantia de comprar um produto com custo maior. Então, ela terá que fazer suas compras com aquele salário.

      Como poderemos viver com desigualdades como essas?

      Senador Ney Suassuna, o que me preocupa é que o Governo, através do Ministério do Trabalho, apodere-se dessa emenda para justificar a queda de salário do trabalhador, que precisa de uma política salarial, não apenas de ajustes. Nem mesmo citarei o Dieese, pois seria utopia pura diante do momento e da política econômica que está sendo implementada neste País.

      A colocação, em termos constitucionais, de que esses trabalhadores não têm o direito de receber um salário qualificado, em nível nacional, é um disparate e uma injustiça, conforme muito bem colocado por V. Exª e pelo Senador Josaphat Marinho.

      Não podemos aceitar, Senador Ney Suassuna, que o Governo se apodere da emenda de V. Exª para cometer um arbítrio, distorcendo a realidade dos fatos.

      O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

      O Sr. Lauro Campos - Quero me congratular com suas preocupações sobre a questão e, rapidamente, tentar fazer uma reflexão a respeito do salário mínimo no Brasil. Ele existe há mais de cinqüenta e sete anos e, na realidade, foi proposto no tempo do Governo Vargas com a intenção de garantir aos trabalhadores brasileiros as condições mínimas de moradia, transporte, alimentação, saúde e educação. No entanto, vemos que hoje o Brasil é recordista mundial em desigualdade de distribuição de renda e o salário mínimo virou uma brincadeira. Ele é apenas uma espécie de referência para aqueles que ganham dois, três ou quatro salários mínimos acharem que estão ganhando muito e se julgarem trabalhadores privilegiados, privilegiados também no seu processo de exploração e exclusão. Gostaria de dizer que tenho uma proposta há cerca de vinte anos ou mais. Desde que o salário mínimo não funcionou para os fins a que se destinava, talvez fosse interessante pensarmos num salário máximo, porque no Brasil o que realmente aumenta é o teto, que se distancia da base. Então, seria interessante relacionarmos os aumentos dos salários da cúpula privilegiada - poderia ser na proporção de dez para um -, de maneira que qualquer aumento que recebesse ocorreria, no mesmo percentual, para os trabalhadores da base. Dessa forma, a cúpula iria pensar duas vezes antes de criar os seus aumentos de vencimentos, muitas vezes abusivos e, obviamente, anti-sociais. Muito obrigado.

      A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos.

      Gostaria de dizer - mesmo sabendo que o meu tempo se esgota - que V. Exª traz um tema para ser debatido. Esta é a Casa que pode iniciar esse grande debate. Vamos, então, tratar do salário máximo para que possamos garantir o mínimo. Tenho certeza de que assim encontraríamos experiências e contribuições riquíssimas para, junto ao Governo Federal, podermos mudar a política econômica e ajustá-la à demanda social.

      Era o que tinha a dizer.

      Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/1997 - Página 3872